Ainda bem que somos ninguéns, assim, podemos falar à vontade com os outros ninguéns como nós sobre o que pensamos, sem termos de nos preocupar que Alguém não goste das nossas ideias.
É que Alguém não gosta de quem pensa de forma diferente. A sua mensagem é clara: se pensas diferente, pensa baixinho.
Alguém é perigoso e faz questão que todos o saibamos.
Alguém está, há muito, a tentar aniquilar tudo o que de bom e competente existe em Moçambique. A condenar-nos à sua mediocridade. Às suas ideias previsível e repetidamente estéreis, egoístas e monocromáticas.
Em Novembro do ano 2000 Alguém mandou matar Carlos Cardoso e condenou então a nossa comunicação social a uma era de opacidade, de subordinação, de notícias ditadas, de verdadeiras fábulas onde brilharam patos, perdizes, macacos, porcos e demais personagens em tramas e intrigas tão mal encenadas que só um mentecapto poderia confundi-las com realidade.
Menos de um ano depois, Alguém mandou matar Siba-Siba Macuácua para encobrir uma “bolada” gigante que o economista estaria a descortinar. Quantos como Siba-Siba terá Alguém feito “voar” para encobrir as suas manobras?
Em 2010, Orlando José, o então director de Auditoria, Investigação e Informação das Alfândegas, pagou igualmente com a vida o erro grotesco de dizer que Alguém teria de pagar também os mesmos impostos que todos nós comuns mortais.
Depois de quase 5 anos de bonança (no que a assassinatos políticos de óbvio carácter intimidatório diz respeito), na Terça-feira dia 3 deste mês, Alguém voltou a mandar matar. Tombou Gilles Cistac. Tombou porque Alguém certamente achou inconcebível que um catedrático, um mentor, um académico de renome tivesse uma opinião tão destoante da sua. Decerto que Alguém julgou que Cistac estava a pensar muito alto. Para mais, Cistac ocupava uma posição social perigosa demais para um desalinhado.
E agora?
É suposto que piemos todos baixinho como um bom bando de “ninguéns”?
Que mais uma vez nos resignemos com a impunidade de Alguém e finjamos acreditar que a culpa é de outro Anibaldiota?
Que aceitemos a opressão de Alguém como uma sociedade amorfa, amordaçada e subjugada?
É suposto que os outros intelectuais da praça, que dão a cara pelos milhões de ninguéns como nós, se sintam intimidados e se calem?
Embora nos pareça óbvio que o bem e o futuro do país dependam agora, e talvez mais do que nunca, da coragem desses homens e mulheres, não nos parece justo que exijamos deles que arrisquem a sua vida sozinhos para nos garantir um futuro.
Temos de ser menos ninguéns, de sair da nossa tranquila e segura insignificância e dar voz ao nosso descontentamento e aos direitos que tantos já tombaram para defender.
Já chega camaradas! Basta…
Os Ninguéns Por Eduardo Galeano
As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata