O Presidente da Turquia esteve em Maputo em Janeiro e foi recebido com a pompa e circunstância de um qualquer Chefe de Estado. Mais, disse aos moçambicanos que havia em Maputo células terroristas turcas em actividade. Hoje sabemos que falava a verdade: os terroristas eram ele e o seu governo.
O mundo dá voltas…
Quando em 1998 a Amnistia Internacional se mobilizou exigindo a libertação do então Mayor de Istambul – que por ter lido em público um poema nacionalista e de teor islamista, foi preso pelo regime autoritário da altura sob acusação de incitação ao ódio religioso – certamente não imaginava que estaria a dar um valente empurrão à carreira política do homem que hoje encabeça na Turquia um regime tão ou mais repressivo que o que outrora o engaiolou. Esse homem é Recep Tayyip Erdogan, e ironicamente, hoje o seu regime é a maior pedra no sapato da Amnistia Internacional e uma das maiores no sapato dos defensores dos Direitos Humanos a nível global.
Depois de dirigir a Turquia durante 11 anos como Primeiro Ministro, Erdogan tornou-se Presidente da República em 2014 – um cargo que era praticamente honorífico até ao ano passado, quando um referendo justificado por uma tentativa de golpe de Estado em Julho, acabou com o parlamentarismo no país, transformando-o efectivamente num regime presidencialista radical com Erdogan, é claro, à cabeça.
A Turquia, outrora uma democracia secular de vanguarda, singular na região – um Estado laico no qual, por exemplo, as mulheres adquiriram igualdade de direitos e até o voto, bem antes da larga maioria das mulheres europeias – é hoje um país dividido. Ao longo dos anos, a sua democracia secular de vanguarda foi se tornando obsoleta, progressivamente autoritária e depois ruiu; a de hoje, à luz do mundo de hoje, é bem mais conservadora, e a bem da verdade, bem menos “democrática”.
Amado por muitos e detestado pelo resto, Erdogan não deixa ninguém indiferente. Os seus apoiantes são, na sua maioria, islamistas moderados, membros das famílias islâmicas mais tradicionais que, durante décadas, viram os seus direitos atropelados por um secularismo cego e intolerante. Para estes, a título de exemplo, Erdogan é o herói que veio acabar com a proibição do véu islâmico nos espaços públicos. Ele é um deles, e eles são a larga maioria.
Do outro lado estão todos os outros: os que estão compreensivelmente apreensivos com a forma como se está a agarrar ao poder, os que o veem como uma ameaça ao legado secularista de Atatürk (provavelmente o mais notável líder turco do século passado, tido na sua história como o pai da Turquia moderna), ou os que simplesmente consideram inadmissível a forma condescendente como se refere às mulheres.
Mas a tentativa de Golpe de Estado de 15 de Julho de 2016 não foi usada somente para reforçar os poderes de Erdogan, ela despoletou também um claro escalar da repressão política na Turquia. Além dos mais de 113.000 detidos por alegada implicação na tentativa de golpe (dos quais apenas cerca de 50.000 já foram julgados e sentenciados), centenas de jornalistas foram igualmente detidos, centenas de órgãos de comunicação social encerrados, e dezenas de activistas e funcionários de organizações humanitárias arbitrariamente encarcerados e ridiculamente acusados de sérias e descabidas ofensas. A última dessas detenções está a fazer correr imensa tinta e a gerar uma enorme onda de contestação e solidariedade internacional.
A 5 de Julho, 8 activistas turcos que participavam numa acção de formação sobre segurança digital e os dois activistas que ministravam o curso (um Alemão e o outro Sueco), foram detidos em pleno evento, num hotel nos arredores de Istambul, e posteriormente acusados de enveredar acções de apoio ao terrorismo.
Dos dez activistas, quatro dos nacionais turcos foram soltos dias depois mediante o pagamento de uma fiança e aguardarão julgamento em liberdade, os restantes seis estão presos há mais de um mês.
Apesar da enorme pressão exercida pelas múltiplas iniciativas de movimentos e organizações da sociedade civil de todo o mundo, as expectativas quanto a uma resolução célere e favorável deste caso são reservadas. Porquê? Por muitos motivos, mas acima de tudo porque para a maioria dos países com poder suficiente para colocar o governo turco em “cheque”, a Turquia é um parceiro estratégico importante em termos geopolíticos, e melindrar as relações institucionais com os turcos por causa de uma dezena de indivíduos – que apesar de defensores dos Direitos Humanos são, na sua maioria, turcos – seria por certo politicamente insensato.
É por isso que nós – cidadãos, movimentos e organizações da sociedade civil de todo o Mundo – temos de passar a mensagem, de nos indignar, de comunicar a nossa indignação e de apelar ao governo turco que faça valer as liberdades cívicas outrora evocadas pela Amnistia Internacional para tirar Erdogan da prisão.
Turquia: Libertem os defensores de Direitos Humanos já!