Os Egoístas

Meu irmão morreu.

Morreu, porque como cresceu numa zona rural onde não havia escola, não estudou. Como não estudou, quando o administrador apareceu com uns senhores que lhe ofereceram dinheiro e trabalho em troca das suas machambas, acreditou na sua palavra e assinou papéis sem saber o que estava a aceitar. Quando percebeu que foi enganado, reclamou e ninguém o ajudou.

Morreu, porque quando o mísero contrato de 6 meses e o dinheiro que lhe pagaram acabaram, teve de ir viver na cidade para fugir à fome. Foi passar fome na cidade.

Morreu, porque como não tinha dinheiro para chapa e na cidade há falta de machibombos, a caminho do serviço subiu num “my love” que capotou numa curva porque estava maningue cheio. O pneu rebentou. O acidente aconteceu pouco depois de terem sido parados pela polícia para pagar “portagem”.

Morreu, porque como a única ambulância operacional do distrito estava a caminho de outro lugar, demoraram a chegar ao centro de saúde mais próximo.

Morreu, porque no centro de saúde não tinham os meios necessários para lhe salvar a vida.

Gostaria de poder convidar os chefes do nosso governo para o enterro. Parece-me apropriado que seja um deles a colocar o último prego no caixão do meu irmão, uma vez que, directa ou indirectamente, foram eles que colocaram todos os outros.


 

Na maioria das escolas de Moçambique, faltam carteiras, cadeiras, manuais, cadernos, lápis, canetas e até professores. Há escolas sem tecto, escolas sem janelas e até escolas sem paredes.

Na maioria dos hospitais e centros de saúde de Moçambique, também falta de tudo um pouco. O Hospital Central de Maputo, por exemplo, por falta de equipamento remete utentes em estado crítico a hospitais privados que muito poucos podem pagar, condenando assim quem não pode à sua (pouca) sorte.

Nas modestas estradas de Moçambique, duas vezes por dia, milhões de homens, mulheres e crianças comutam ensardinhados em minibuses sobrelotadas ou na traseira de camiões que não reúnem sequer as condições de segurança mínimas para transportar gado.

Falta MUITA coisa elementar em Moçambique.

No entanto, os egoístas não se coíbem. Não se encolhem. Não se enxergam. Não têm vergonha.

Sem qualquer pudor, açambarcam o erário público para poderem levar vidas palacianas, totalmente desfasadas daquela que é a nossa humilde realidade, roubando o povo do seu direito de viver com um mínimo de dignidade.

E como se não bastasse, sem qualquer decoro, – como quem insolentemente pergunta em jeito de desafio: “Vão fazer o quê?” – ainda esfregam a sua indecorosa opulência na cara dos lesados. Na cara dos pais cujos filhos estudam sentados no chão. Na cara dos idosos que têm de endurar horas em pé, entulhados em “my love’s” lotados, à chuva ou ao sol. Na cara das mães que, impotentes, vêm os filhos morrer nos corredores dos nossos hospitais.

Lamentavelmente, num país cada vez mais carente de valores e exemplos, é natural que o comportamento deplorável dos egoístas encontre facilmente solo fértil nas cabeças mais estrumadas. O seu cabritismo e o seu exemplo de impunidade pegam de estaca e repercutem-se em todos os níveis da nossa sociedade. Do topo para a base, a sua postura totalmente desprovida de ética e moral, – que desaforadamente chamam de “liderança sábia e didáctica” – qual epidemia social, propaga-se e vira código de conduta. “Cada um por si e que se lixe o próximo” é a regra. Tudo o resto é artifício. Justiça social é uma miragem.

5Macacos

E a culpa é maioritariamente nossa. Não só pelo que admitimos que os egoístas façam, mas também pelo que permitimos que não façam.

Habituados a não poder contar com um Estado do qual deveríamos exigir mais e melhor, contornamo-lo. Ignoramo-lo. Substituímo-lo tomando as suas obrigações. Quem pode, além dos seus impostos, paga para ter segurança, paga para ter saneamento, paga para ter saúde, paga para ter energia, paga para ter educação. E o Estado agradece. Encosta-se. Pendura-se. Lava as mãos do assunto e compra mais um Mercedes.

E mais uma vez, lixa-se quem não tem a quem recorrer. O resto continua a viver tranquilamente na sua bolha. Até ao dia que a bolha estourar…

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