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Ganância, Arrogância, Poder e Ar Condicionado: Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse Climático

A crise climática despoletou uma corrida por soluções, muitas das quais falsas, que ilustram frequentemente o modo como a ganância corporativa se aproveita do desespero para acumular riqueza e controlo, empurrando cada vez mais a riqueza colectiva da humanidade para os mercados e, consequentemente, para as mãos das elites ricas.

Como sempre, a energia é parte fulcral do problema e as suas soluções são parte fundamental de como lidar com a crise climática. Este artigo explora como o sector energético se pode mobilizar rumo a um mundo de energia sem carbono e socialmente justo. Actualmente, o debate sobre energia tende a focar-se fortemente em soluções e reparações tecnológicas, debruçando-se muito pouco sobre a necessidade de mudar os sistemas que criaram o mundo energético destrutivo, desperdiçador, injusto e intensivo em carbono, que tem sido uma das principais causas da crise climática. Isso levanta uma questão: será que a nossa obstinação em ver mais adiante na mesma estrada nos está a impedir de tentar um novo caminho? Ou até mesmo de olhar para trás e explorar soluções passadas e então abandonadas, mas que podem ser muito relevantes para a nossa realidade actual?

Os nossos caminhos actuais são baseados em relações de poder, resultando em estruturas e dinâmicas lineares e hierárquicas. O avanço da tecnologia, especialmente após a Revolução Industrial, mudou a índole da nossa relação com a natureza – de uma relação de adaptação e equilíbrio para uma relação de dominação. A humanidade começou a achar-se acima da natureza. Mais poderosa e mais inteligente que a natureza. Acreditámos que os nossos avanços tecnológicos nos haviam tornado invencíveis. Entrámos na Era da Arrogância. Agora, vivemos uma crise climática, mas ainda acreditamos que podemos superá-la com a tecnologia. Precisamos de olhar para trás, aprender com os nossos erros e concentrarmo-nos na mudança do sistema. Ou como diz a canção: “Sit down… be humble” (Sente-se… seja humilde).

Esta realidade pode ser vista em todo o lado, mas para ilustrar a questão de maneira mais específica, olhemos para o ar condicionado (A/C). É algo que muitos de nós que vivemos em climas quentes conhecemos bem, mas não percebemos como esta tecnologia moldou o mundo de hoje e muitos de seus problemas.

Antes da era do ar condicionado, as comunidades locais lidavam com climas implacáveis e quentes, adaptando o seu comportamento e estruturas ao meio ambiente. A natureza estabelecia as regras e a realidade e nós adaptamo-nos; nós encontrávamos maneiras de estar em equilíbrio. Mesmo hoje em Moçambique, as comunidades são mais activas durante as primeiras e últimas partes do dia, quando as temperaturas são mais baixas, e descansam durante a parte mais quente do dia em áreas sombreadas, verdes e mais frescas. Muitos países quentes tiveram e ainda têm hábitos semelhantes para se protegerem, como a “siesta” nos países latinos.

Manter frescas as zonas de estar das casas era conseguido usando materiais locais com boas características térmicas para o clima local, mas também através da correcta orientação/posicionamento das construções, de métodos de construção correctos, ou até de simples opções como o uso de cores claras – que conjuntamente ajudavam a lidar com as temperaturas altas.

Por exemplo, em áreas quentes e secas, é comum o uso de materiais pesados com alta massa térmica, como a pedra, o calcário, o adobe, etc, que absorvem o calor durante o dia e o libertam durante as noites frias. A construção tem frequentemente telhados planos, pequenas janelas que permitem a circulação de ar, mas uma radiação térmica e um efeito de estufa mínimos.

Em climas quentes e húmidos, é mais comum construir telhados altos ou “cópulas”, ventilações, biombos nas áreas de dormir, grandes áreas sombreadas, varandas e muito mais. Nos climas quentes empregavam-se muitos métodos e soluções – como pátios, aberturas, espaços de protecção, massas de água, armadilhas de vento, canais de circulação de ar, deflectores, paredes duplas e muitos, muitos mais – para tornar as áreas quentes mais frescas e confortáveis. Numerosos estudos já demonstraram o sucesso da construção tradicional, onde as temperaturas no interior podem ser 6 a 10°C mais baixas do que no exterior.

Até mesmo a disposição dos aldeamentos tradicionais toma em consideração o clima local no que diz respeito a espaçamentos, posicionamentos e alinhamento dos edifícios para maximizar a sombra, minimizar as superfícies expostas ao sol (casas lineares com orientação norte-sul) e maximizar o arrefecimento pelos ventos dominantes. Foi recentemente demonstrado que muitas cidades modernas têm temperaturas mais altas somente por causa da disposição dos seus edifícios altos e sua relação com o clima local, especialmente com os ventos. Por exemplo, Tóquio tem áreas que têm um aumento médio de 2,5°C devido à localização, disposição e distância entre edifícios e à forma como estes interagem com o clima local. Modelagem computacional e experiências em novas mega-cidades emergentes, como na China, mostraram que, não só se podem evitar esses aumentos de temperatura, mas até mesmo diminuir a temperatura local apenas tomando em conta esses factores que muitas culturas antigas vêm usando há milhares de anos. Portanto, se um simples edifício pode ter um decréscimo de temperatura de 6 a 10 ° C, quando se equaciona a disposição do aldeamento, há um enorme potencial, e isso faz com que se entenda como as pessoas conseguiam viver de forma relativamente confortável nesses climas quentes, sem a existência de ar condicionados.

Então, agora estamos em boa posição para começar a história do ar condicionado. Assim que o ar condicionado se tornou prontamente disponível, parámos de tentar construir edifícios eficientes. Pensámos que já não estávamos à mercê da natureza, que podíamos dominá-la. Então, passámos a poder ter qualquer tipo de edifício no deserto mais quente mantido a quase qualquer temperatura, e hoje temos campos de golfe verdejantes e até mesmo pistas de ski cobertas de neve no deserto de Dubai.

A grande mudança começou após a Segunda Guerra Mundial, com numerosas indústrias a promover o ar condicionado, especialmente nos EUA, onde o sector de construção queria aumentar os lucros, diminuir os custos e via o ar condicionado como forma de eliminar os materiais térmicos mais pesados e se distanciar dos métodos de construção adaptados localmente para um modelo de construção padronizado, rápido, leve e barato. Eles tiraram a responsabilidade de manter o interior frio e confortável dos arquitectos e passaram-na para os engenheiros, que ficaram incumbidos das instalações ad hoc de ar condicionados. Ao mesmo tempo, o sector de energia também estava a impulsionar estratégias para aumentar o consumo de energia nos EUA, especialmente em residências. A adopção do ar condicionado foi fundamental para o crescimento e lucro do sector de energia. Residências e edifícios termicamente ineficientes foram perfeitos para criar uma dependência de ar condicionados e garantir um alto consumo de energia e de ar condicionados.

Como sempre, esses interesses andaram de mãos dadas com grupos de lobby, manobras políticas e marketing. Os grupos de lobby impulsionaram regulamentos e políticas que estabeleceram rigorosas temperaturas interiores para espaços públicos e de trabalho, mas que não o fizeram baseando-se em pesquisa ou em ciência. Em vez disso, eles foram influenciados pelos interesses dos grupos de lobby, que pressionavam por temperaturas mais baixas de trabalho em ambientes quentes com a finalidade de aumentar as áreas que exigiam regulação artificial de temperatura. Além disso, eles não especificaram quais espaços interiores deveriam ter quais temperaturas, não determinaram que fossem apenas as áreas onde as pessoas trabalham; então, áreas menos usadas como escadas de emergência, armazéns, etc, ainda são mantidas nessas temperaturas mais baixas, mesmo que ninguém as use. As estratégias de marketing impulsionaram o ar condicionado a tornar-se componente essencial da vida moderna e destacaram os benefícios de saúde dos ar condicionados, por meio de pesquisas enganosas, financiadas pela indústria. Algumas das falsas alegações eram de que o ar era mais saudável, que os interiores eram livres de pólen, poeira e outros poluentes, e até mesmo que melhorava a alimentação.

O boom do ar condicionado também contribuiu para grandes mudanças nos padrões de assentamento na desconfortavelmente quente parte sul dos EUA, muitas vezes denominada “hot belt” (cinturão quente). Esta área sofreu um enorme crescimento de população. Antes da adopção do ar condicionado, apenas 28% da população dos EUA vivia nessas áreas, mas hoje ela alberga quase 50% da população dos EUA, com muitos estudos demonstrando padrões de assentamento e migração ligados à disseminação do ar condicionado. A Flórida cresceu de 1 milhão de habitantes em 1920 para mais de 7 milhões 50 anos depois; Houston duplicou a sua população com o boom do ar condicionado, e várias outras cidades dos EUA duplicaram e algumas até quadruplicaram de tamanho.

Nos EUA, hoje, há enormes casas de 3.000 metros cúbicos em climas de 35°C para cima, que são mantidas a 23°C durante o dia, enquanto todos os seus ocupantes estão no trabalho. O uso de energia do ar condicionado duplicou entre 1993 e 2005. O uso de energia resultante apenas de ar condicionados, é maior do que o uso de energia de todos os sectores em 1955. Isso resulta em emissões de gases de efeito estufa superiores a 500 milhões de toneladas por ano – mais do que o sector de construção, incluindo a produção de materiais como o cimento. Se usarmos África como comparação, torna-se ainda mais chocante. Em 2010, o uso de energia em ar condicionados nos EUA foi maior do que todo o uso de energia de África para todos os propósitos! É por isso que mudar nosso sistema de energia é vital para lidar com a crise climática.

Os dados deste artigo são muito baseados nos EUA, em parte porque existem muitos dados sobre os EUA, o que torna mais fácil destacar os problemas em detalhe, mas a outra razão é o papel dos EUA em exportar e impulsionar o seu modelo pelo mundo, influenciando como os outros países se desenvolvem. Aqui em casa, em Moçambique, isso é óbvio. Não só a nossa classe média emergente e as nossas elites almejam viver a decadente vida dos EUA, como os nossos governos também a vêem como o caminho de desenvolvimento para Moçambique. África, e certamente Moçambique, está a passar por um forte crescimento populacional e de urbanização e, se esse boom seguir o modelo dos EUA, resultará em consequências climáticas assustadoras.

Os edifícios “modernos” de hoje, sem ar condicionado têm temperaturas interiores mais altas do que as temperaturas exteriores, enquanto os nossos edifícios tradicionais mais antigos tinham interiores significativamente mais frescos do que o exterior. Muita da arquitectura de hoje perdeu um senso de lugar, deixando de lado a função para se concentrar em forma e estilo. No entanto, quando olhamos para as nossas soluções anteriores e adicionamos algumas ideias modernas, o potencial é surpreendente. Por exemplo, a Academia de Moda Pearl, nos arredores de Jaipur, na Índia, está localizada num clima muito quente e seco (acima de 40°C de temperatura), mas os arquitetos fizeram um óptimo trabalho olhando para velhos prédios indianos tradicionais e incluindo interpretações modernas de diferentes sistemas de arrefecimento, como pátios abertos, massas de água, baoli (vãos de escadas), jaalis (telas de pedra perfurada) e muito mais. O resultado é um edifício cuja temperatura é 17°C mais baixa do que no exterior e sem necessidade de arrefecimento artificial. Além disso, os custos de construção não foram significativamente maiores do que as alternativas tradicionais, e a poupança a longo prazo em contas de energia, manutenção de equipamentos, etc, é enorme. Além disso, são mais independentes e menos afectados pelo fornecimento instável de energia da região.

O exemplo acima foi baseado principalmente em soluções de arrefecimento tradicionais mais simples, mas muitos edifícios combinaram soluções tradicionais com opções mais modernas e alcançaram resultados surpreendentes. Por exemplo, o Novo Escritório de Munique, na Alemanha, consome 73% menos energia do que um edifício de escritórios convencional equivalente. Até mesmo arranha-céus podem usar menos energia para arrefecimento. Por exemplo, a Torre Pearl River, em Guangzhou, na China, consome 53% menos energia do que os arranha-céus convencionais e usa turbinas e painéis solares embutidos para produzir energia em excesso e pode alimentar a rede. O edifício Pixel, em Melbourne, foi ainda mais longe e produz todas as suas necessidades energéticas e de água com uma mistura de soluções tradicionais como telhado vivo, refrigeração passiva, persianas, cortinas, captação de água da chuva, etc, juntamente com opções modernas como turbinas, energia solar, software e muito mais. Edifícios antigos também podem ser adaptados para melhorar a eficiência energética. O retrofit (reequipamento) do Empire State Building conseguiu reduzir seu consumo de energia em 38%, correspondendo a uma economia de 4 milhões de dólares por ano. Os exemplos são muitos e crescem a cada dia, e algumas das opções tecnicamente mais complexas podem não ser viáveis para a realidade de Moçambique, mas existem muitas opções tradicionais e simples que são muito rentáveis e adequadas à nossa realidade.

No entanto, o foco deste artigo não é discutir quais soluções usar ou não, mas mudar a arrogância de pensar que podemos dominar a natureza através da tecnologia e que essa mesma abordagem pode resolver a crise climática. Quaisquer soluções que consideremos melhores devem vir da harmonia e do equilíbrio com a natureza e estar centradas na justiça social. Nós já usámos muitas dessas soluções no passado, antes da tecnologia fazer a humanidade pensar que somos deuses. Às vezes a solução é apenas parar com o mal. Ao terminar essa era de arrogância e ganância, permitiremos que soluções verdadeiras e justas cresçam. Como numa floresta, quando uma árvore cai, ela não é substituída por outra árvore adulta, é a lacuna criada que dá espaço para que uma nova árvore cresça em seu lugar. Vamos tirar a arrogância, a ganância e o poder do caminho, e permitir que o sol brilhe sobre as verdadeiras soluções livre de suas sombras. Deixemos essas soluções crescer e guiar-nos para longe destas crises.

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JA! diz a verdade às CTNs na Europa!

Lobby tour participants outside the EU Brussels

Nas últimas semanas, a JA! participou de uma digressão de lobby na Europa organizada pela Friends of the Earth Europe, onde nos reunimos com parceiros actuais, fizemos novos aliados, compartilhámos a nossa luta contra o gás e enfrentámos as empresas e bancos que compõem a indústria de gás natural líquido no norte Moçambique. Essa digressão foi imprescindível para a campanha, porque muitas das empresas e bancos envolvidos no sector estão sediados na Europa.

Lobby tour participants and organisers FoE Spain in Madrid

A digressão, que passou por Roma, Madrid, Amsterdão, Paris e Bruxelas, tinha como objectivo conscientizar sobre a nossa luta contra a indústria do gás em Moçambique e demonstrar a necessidade crítica de um Tratado Vinculativo sobre Direitos Humanos e Corporações Transnacionais (CTNs) nas Nações Unidas. Actualmente, não existe qualquer mecanismo de responsabilização na ONU, apenas princípios norteadores que as empresas não cumprem, pois os vêem como um impedimento para sua ganância e lucro.

Os nossos parceiros agendaram-nos, juntamente com activistas da RDC e das Filipinas, encontros com novos e actuais parceiros e aliados, bem como com agentes do sector e autoridades estaduais.

As nossas discussões com a indústria foram muitas vezes recebidas com flagrante hostilidade, nomeadamente quando tentámos responsabilizá-los por suas acções, e quando levantámos perguntas que eles não gostaram. Participámos de quatro Assembleias Gerais Anuais (AGMs): a da Shell, a da Natixis, a da Eni e a da Total.

O Natixis – banco francês que providenciou a entrada de três grandes bancos franceses para financiar o Coral LNG Project1 – foi tão hostil na sua AGM que, quando a JA! tentou fazer uma pergunta sobre a sua negligência e inépcia no projecto, eles desligaram o microfone e recusaram-se a responder à pergunta. A JA! e organizações parceiras abandonaram a reunião enquanto os accionistas gritavam “vão para casa!”

Na AGM da Shell em Amsterdão, fizemos parte de um grande contingente de organizações da sociedade civil, na sua maioria holandesas, mas também de outros países europeus. A Shell tem um acordo de compra e venda (SPA) com a Mozambique LNG para comprar 2 milhões de toneladas de gás por ano durante 13 anos.

A JA! e uma organização da Nigéria foram os únicos participantes do Sul global. A resposta às nossas perguntas foi, como esperado, vaga, mas a nossa voz foi ouvida e repercutida pela mídia holandesa. A Shell mostrou pouco respeito pelos activistas – quando o activista nigeriano mencionou os impactos que o projeto da Anadarko estava a ter na sua comunidade no Delta do Níger, o Presidente da Shell, Charles Holliday, respondeu que este deveria abordar o helpdesk na recepção para obter assistência.

A terceira AGM a que assistimos foi a da Total, em Paris. A Total é, desde Maio, quando adquiriu os activos da Anadarko em África, o novo proprietário do Projecto LNG em Moçambique2. A Anadarko, no entanto, ainda está a operar o projecto e planeia entregar a liderança à Total no final do ano. Porque a Greenpeace interrompeu a AGM no ano passado, este ano houve uma grande presença policial e, por alguma razão, isso não nos foi devidamente explicado. Apesar de dezenas de activistas terem garantido acesso à AGM, apenas a JA! e um activista da Greenpeace foram autorizados a entrar no plenário. A pergunta da JA! foi recebida com uma resposta desdenhosa, com a Total a fugir à responsabilidade pelos impactos da indústria do gás no terreno, alegando que essa responsabilidade recai sobre a Anadarko.

Intervention at natixis AGM

Este foi um tema recorrente em todas as AGMs em que participámos, incluindo a quarta, a da empresa italiana Eni, em Roma. A Eni, juntamente com a ExxonMobil, tem a maior participação na operação do Projeto Coral LNG Sul, em Moçambique. Descobrimos que todas as empresas que confrontámos, inclusive durante as reuniões individuais que tivemos com os financiadores do sector, o BNP Paribas e o BPI (Banco de Investimento Público Francês), colocam toda a culpa pelos impactos na Anadarko. Quando os pressionámos por respostas, ficou claro que nenhuma dessas empresas havia sequer analisado o Estudo de Impacto Ambiental que a Anadarko fez em 2014, e ainda assim culpava-a por todas as injustiças climáticas que estavam a ocorrer. São todos convenientemente ignorantes.

Intervention at Eni AGM1

Os parceiros de JA! organizaram-nos ainda reuniões com vários órgãos competentes, incluindo Michel Forst, relator da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos; Parlamentares franceses do grupo de trabalho sobre Direitos Humanos e Corporações transnacionais; o Vice-diretor do Ministério Holandês de Relações Exteriores; um parlamentar de um partido político aliado na Espanha, o Unidas Podemos; Parlamentares belgas e representantes de partidos na União Europeia.

Panel discussion with lobby tour participants and parliamentarians in the Hague

Também nos reunimos com outras organizações, incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional, a FIAN (Food First Information and Action Network), o SOMO (Center for Research on Multinational Corporation) e a Action Aid.

Em todos os países que fomos falámos em eventos, para casas cheias de activistas, jornalistas e público em geral, em algumas reuniões de mais de 100 pessoas. Os nossos parceiros, que organizaram a digressão, construíram uma campanha de mídia em torno de nossa visita. Aqui estão os links para alguns dos artigos sobre a nossa luta na mídia europeia e em blogs:

Publico (Espanha)

Les Echos (França)

Basta (França)

Observatories de Multinacionales

L’Humanite (France)

Banktrack

Foe Scotland

Foi óptimo ver o interesse das pessoas na nossa campanha, e por outro lado, foi assustador ver quão pouca atenção a indústria recebeu na mídia europeia. Mas acreditamos que esta digressão nos permitiu dar vários passos em frente, das seguintes maneiras:

  • Fizemos muitos novos parceiros e aliados na campanha em toda a Europa, fortalecendo a nossa coligação;

  • Compartilhámos a campanha com pessoas que trabalham ou se interessam pela questão dos combustíveis fósseis e justiça climática, incluindo activistas, jornalistas, académicos e estudantes;

  • Questionámos directamente os actores da indústria, um a um, dos quais recebemos algumas informações cruciais;

  • Levantámos a questão em grandes plataformas públicas da indústria, AGMs, levando à atenção de mídias escritas e sociais e consciencializando os accionistas;

  • Levámos a questão ao radar de indivíduos de alto nível a nível da UE e ao nível de partidos políticos, parlamentos e ministérios.

Agora que fortalecemos os alicerces da Campanha na Europa, devemos continuar a pressionar por respostas e prestação de contas. Encorajar os activistas na Europa a fazerem uso do seu poder como cidadãos europeus para responsabilizar as suas empresas, e encorajá-los a forçar os seus governos, a nível nacional e da UE, a assumirem a responsabilidade pelas corporações de quem recebem os seus impostos.

Panel discussion with lobby tour participants and parliamentarians in the Hague2

1 A Área 4 é operada pela MRV, uma joint venture formada pela ExxonMobil, Eni e CNPC, que detém 70% de participação na concessão para prospecção e produção nessa área. A Galp, a KOGAS e a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos de Moçambique detêm, cada uma, 10% de participação. A ExxonMobil liderará a construção e operação de instalações de produção de gás natural liquefeito e infraestrutura relacionada em nome da MRV, e a Eni liderará a construção e operação da infraestrutura upstream, extraindo gás de depósitos marítimos e canalizando-o para a usina.

2 O bloco da Área 1 é operado pela Anadarko Mozambique Area 1, Ltd, uma subsidiária integral do grupo Anadarko Petroleum, com uma participação de 26,5%, pela ENH Rovuma Area One, uma subsidiária da estatal Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, com 15% , pela Mitsui E&P Mozambique Area1 Ltd. (20%), pela ONGC Videsh Ltd. (10%), pela Beas Rovuma Energy Mozambique Limited (10%), pela BPRL Ventures Mozambique BV (10%) e pela PTTEP Mozambique Area 1 Limited (8,5%) .

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O continente negro de carvão: África na mira dos gigantes da mineração

VIAGEM ENTRE AS MINAS A CÉU ABERTO QUE COLOCAM EM RISCO O MEIO AMBIENTE E A VIDA DOS HABITANTES

Por Marina Forti

Em Moçambique e no Zimbabwe, a economia de mineração de combustíveis fósseis e diamantes está a destruir o planeta e a comprometer a saúde das comunidades locais. Estas resistem, apoiadas por um movimento internacional.

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foto: http://www.altreconomia.it

O carvão mudou dramaticamente a vida de Moatize, um distrito rural no vale do rio Zambeze, no norte de Moçambique. A mina forçou milhares de pessoas a deixar tudo e ir embora. Duzéria, uma das reassentadas, lembra: “O governo disse que não poderíamos ficar ali porque estávamos sentados em cima de uma montanha de dinheiro”.

No lugar das casas, há agora uma gigantesca mina a céu aberto, uma das maiores do mundo. O Moatize Coal Project é um bom exemplo do que significa “economia extractiva”, pelo menos para aqueles que vivem por perto. O local está concessionado à Vale Moçambique, uma subsidiária do grupo brasileiro Vale SA, e ocupa 23 mil hectares de terra. A empresa começou a construir as instalações em 2008; em 2011 iniciou a extracção. Foi então que, para dar lugar à mina, mais de 1.300 famílias foram transferidas para um local a 36 quilómetros de distância. A empresa prometera compensação: 2 hectares de terra por família e ajuda alimentar nos primeiros anos, diz Duzéria. No entanto, na nova aldeia, a população reassentada encontrou apenas fileiras de casas na terra empoeirada: “Elas já estavam cheias de rachas, porque não têm fundações”.

Não que antes a vida fosse florida nas aldeias de Moatize. A comunidade vivia da agricultura e da pesca numa economia de subsistência, mas conseguia vender os produtos no mercado da cidade, o maior dos arredores, e ficava perto dos correios, da escola, do rio. O novo povamento é isolado, a terra imprópria para a agricultura, o rio não existe, o mercado está longe. Os oleiros, fabricantes de tijolos de barro, perderam a matéria-prima e, portanto, a sua actividade.

Mais tarde, a empresa ofereceu-se para pintar novamente as casas e colocar telhados de zinco. Houve protestos, duramente reprimidos. O governo ofereceu ajuda para reconstruir: “Eles deram-nos 300 meticais [cerca de US$ 12] por quarto”, continua Duzeria: “Mas não é suficiente, só o transporte de areia e tijolos para a nova aldeia custa mais que isso”.

Na foto, uma assembleia de protesto da comunidade de Bagamoyo, cuja aldeia fica ao lado da mina de carvão. Em Outubro bloquearam o acesso à mina e opõem-se à sua ampliação.

Entretanto, a mina cresceu: à primeira escavação foi adicionada uma segunda, ainda maior. A mina emprega mais de 11 mil pessoas. A produção subiu para 25 mil toneladas por dia. Uma mina a céu aberto é um grande buraco onde trabalham escavadeiras, homens, correias transportadoras e camiões; em torno dele crescem montanhas de carvão que depois são carregadas em comboios, o pó preto voa por toda a parte.

“Não nos disseram que dariam à Vale as melhores terras agrícolas”, acrescenta Fátima, que vem de uma das aldeias de Moatize que permanece ao lado da mina, esperando ser reassentada para um lugar talvez ainda mais longe. Explica que explosões de dinamite fazem tremer as suas casas que enfrentam risco de colapso; que a sua comunidade respira pó de carvão; que “não podemos mais usar a estrada e não sabemos como apanhar lenha”.

A mina impõe-se sobre a aldeia de Bagamoyo, em Moatize.

Assim, quando a empresa fez os preparativos para abrir uma terceira mina ao lado das duas primeiras, o protesto foi ressuscitado. A 4 de Outubro, os habitantes de Bagamoyo, uma aldeia adjacente às escavações, invadiram a mina, bloqueando o trabalho (mas sem danificar os equipamentos, explica Fátima). A invasão foi repetida em Novembro; os habitantes bloquearam a ferrovia para impedir a passagem dos comboios de carvão. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo, balas de borracha e também balas reais. Houve vários feridos. A empresa teve que suspender parcialmente as actividades. Numa tentativa de conter os protestos, os líderes da empresa prometeram regar o carvão nos depósitos para que soltassem menos poeira ou consertar as casas. Mas isto já não é o suficiente para os habitantes. “Em vez de nos defender, o governo envia a polícia para nos agredir”, diz Fátima. “A empresa fala apenas com o governo, diz-nos que já pagou a indemnização, mas não vemos nada. Basta! Queremos que a empresa lide directamente connosco.” A extracção retomou apenas no final de Novembro, após a visita a Moatize de uma comissão parlamentar, que reconheceu as razões dos habitantes. Mas uma solução continua distante.

A ocasião que proporcionou o encontro com Duzéria, Fátima e alguns activistas da Justiça Ambiental, um grupo moçambicano afiliado a organização internacional Amigos da Terra, foram dois eventos realizados em Novembro, em Joanesburgo, África do Sul: a sessão do Tribunal Internacional pelos direitos dos povos sobre o poder das corporações multinacionais, o terceiro e último acto de uma série acerca da indústria de mineração na região da África Austral, e um Fórum Social Temático sobre minas e a indústria mineira – com a participação de centenas de delegados vindos de África, das Américas e da Ásia: representantes de movimentos populares, organizações de justiça ambiental, sindicatos rurais, igrejas, representantes de povos indígenas.

O caso da mina de carvão da Vale Moçambique, não é, na verdade, um caso isolado. A África Austral está repleta de conflítos: comunidades deslocadas para abrir espaço a projectos de mineração, habitantes em revolta. As forças de segurança respondem frequentemente com violência.

“Testemunhamos uma nova corrida para saquear os recursos da África, acompanhada por todos os tipos de violações dos direitos fundamentais”, diz Brian Ashley, director do Centro Alternativo de Informação e Desenvolvimento (AIDC, uma das forças sociais Sul-Africanas que organiza o Fórum Social). São lançadas nessa corrida empresas de mineração ocidentais (a Europa e os EUA continuam a ser os principais investidores em África), mas agora também chineses, brasileiros, indianos ou sul-africanos: os BRICS, os países definidos como “emergentes”. Nesta competição, os estados concorrem para oferecer as melhores condições às empresas de mineração, enquanto os custos sociais são descarregados sobre as comunidades. “Os estados africanos estão mais preocupados em proteger os investimentos do que em garantir os direitos dos cidadãos”, prossegue Ashley.

Em Moçambique, por exemplo, na mesma província onde a Vale trabalha, encontramos a indiana Jindal Africa, uma subsidiária do grupo Jindal Steel and Power, que detem desde 2013 a concessão de uma mina de carvão a céu aberto no distrito de Marara. Também aqui a empresa prometeu novas casas, escolas, clínicas e estradas para chegar ao mercado, mas pouco foi alcançado; em vez disso, as autoridades também enviaram as Forças de Intervenção Rápida, uma força policial especial, para reprimir protestos. “Os habitantes tornaram-se efectivamente reclusos no entorno da mina, com a proibição de receber estranhos e circular depois do anoitecer”, diz Erika Mendes, uma activista da Justiça Ambiental. “É claro que a empresa não quer testemunhas”.

A Justiça Ambiental levou a questão ao Tribunal Administrativo da Província de Tete e depois ao da capital, em Maputo, que no verão passado emitiu a sua primeira decisão em favor dos cidadãos afectados pelo projecto de mineração: delibera que os seus direitos fundamentais à compensação e ao reassentamento foram violados pela empresa e pelo governo. O silêncio paira também sobre Marange, no Zimbabwe, onde no início dos anos 2000 foi encontrado um rico depósito de diamantes, palco de conflitos de extrema brutalidade. É um depósito aluvial: as pedras estão na camada superficial do solo, principalmente no leito dos córregos, e para se garimpar, podem ser suficientes pás e peneiras. Desde o início dos anos 2000, este local atraiu dezenas de milhares de mineiros autónomos, “artesanais”. Estes, no entanto, são considerados ilegais, abusivos e quando o governo começou a dar concessões formais às empresas de mineração, começou uma espécie de guerra. Entre os defensores dos direitos humanos, o nome Marange evoca o massacre do exército em Outubro de 2008, quando 214 mineiros artesanais foram mortos como forma de conter os seus protestos. Desde então, a tensão persiste. O Centro para Governança de Recursos Naturais (CNRG), um centro para a defesa dos direitos humanos, conta que pelo menos 40 garimpeiros foram mortos nos últimos dois anos pelos militares ou guardas privados das empresas de mineração. “O partido no poder administra as minas de Marange em seu exclusivo interesse, todas as concessões são aprovadas pela via política”, explica Moses Mukwada.

Isso explica a extrema violência exercida pelas forças de segurança, em total impunidade. Fala-se de lucros bilionários e um milhão de quilates subtraídos dos cofres do Estado, “mas ninguém jamais foi processado”, explica Mukwada. Na zona de diamantes é quase impossível o acesso de visitantes externos, e explica que a intimidação dos guardas militares e privados é contínua. Além disso, a poluição é impressionante: as empresas de mineração descarregam os produtos químicos usados para lavar os diamantes brutos nos rios. E não há investimento em desenvolvimento local, escolas, saúde ou estradas: os diamantes certamente não enriqueceram aqueles que os extraem.

Marange é um caso de extrema militarização, que “ilustra de modo brutal o que as forças da indústria de mineração podem fazer em conjunto com as do estado”, conclui o activista.

EM DETALHE

O DIREITO “A DIZER NÃO “

Uma campanha global pelo Direito a Dizer Não a minas e projectos de extracção de recursos naturais foi lançada na conclusão do Fórum Social Temático sobre minas e a economia extractiva, realizado de 12 a 15 de Novembro em Joanesburgo, na África do Sul. Centenas de delegados vindos de África, das Américas e da Ásia, representantes de movimentos populares, organizações de justiça ambiental, igrejas, sindicatos rurais e representantes de povos indígenas debruçaram-se sobre o que eles chamam de “ataque sistemático” nos seus territórios que, “por expulsão da terra e deslocamentos forçados, desmatamento, poluição e contaminação dos recursos hídricos, ameaçando destruir a vida das comunidades locais”, diz a declaração final do Fórum.

O link original – https://altreconomia.it/

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Idai & Kenneth: “Mudanças climáticas sentidas na pele”

Há já alguns anos que é quase impossível falar sobre mudanças climáticas sem mencionar Moçambique. Isto porque, a nível global, somos um dos países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas – facto este que nos é confirmado por indicadores como a alteração de padrões de precipitação e temperatura e o consequente aumento na incidência de calamidades “naturais”.IMG-20190628-WA0014

A crescente intensidade e frequência de eventos climáticos extremos – como cheias e inundações, secas, tempestades de vento (incluindo ciclones tropicais) e a subida do nível das águas do mar – registados nos últimos anos, são manifestação clara das alterações climáticas, e só têm demonstrado o quão vulnerável o país é. Em virtude desses eventos climáticos extremos, Moçambique tem se debatido com a perda de vidas humanas, uma recorrente destruição de infraestruturas socioeconómicas, enormes perdas de produtividade agrícola e uma avultada degradação ambiental causada por uma erosão acelerada e por intrusão salina, entre outros.

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Não só em Moçambique mas a nível global, os últimos anos têm sido marcados por inesperados eventos climáticos extremos, tais como a ocorrência de ondas de calor intenso, secas cíclicas, inundações, cheias e ciclones tropicais de magnitudes nunca antes registadas e com impactos devastadores. Em Moçambique, o destaque vai para a recente ocorrência dos ciclones Idai e Kenneth que afectaram o país de forma assoladora, com impactos enormes nas províncias de Sofala e Cabo Delgado onde, respectivamente, entraram no continente. Estranhamente, os dois ciclones ocorreram no espaço de 2 meses, tendo o Idai ocorrido em Março e o Kenneth em Abril do corrente ano. Estes dois eventos climáticos extremos foram considerados os piores ciclones tropicais registados a nível do continente Africano e de todo o Hemisfério Sul, tendo causado a morte de mais de 1000 pessoas e deixado centenas de outras desaparecidas, bem como milhares de casas e outras infraestruturas sociais destruídas.

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Embora Idai e Kenneth tenham incidido principalmente nas duas províncias supracitadas, estes ciclones também se fizeram sentir tanto em outras províncias de Moçambique, como nos países vizinhos da região como o Malawi, o Zimbabwe ou a África do Sul. Sem quaisquer dúvidas, eles são indício inequívoco das mudanças climáticas.

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O Ciclone Idai resultou de uma depressão tropical formada junto à costa de Moçambique no dia 4 de Março, tendo atingido terra e enfraquecido no final desse mesmo dia. Foi após esse aparente enfraquecimento que, volvidos alguns dias, voltou a intensificar-se – atingindo a sua intensidade máxima a 14 de Março, com ventos de cerca de 195 km/h e uma pressão central mínima de 940 hPa. Subsequentemente, perde força ao reaproximar-se da costa e, no dia 15 de Março, toca terra firme perto da Beira, com a classificação de ciclone tropical intenso. O resultado foi calamitoso: perda de vidas humanas, destruição de várias infraestruturas, morte de milhares de animais e destruição de diversos outros meios de subsistência, afectando mais de um milhão de pessoas.

Dois meses depois, embora significativamente menos devastador que o seu antecessor, registando ventos de 215 km/h, o Ciclone Kenneth torna-se o ciclone tropical mais intenso a atingir Moçambique.

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Os dois eventos, caracterizados por ventos fortes e chuvas torrenciais que causaram graves inundações, afectaram cerca de 3 milhões de pessoas de uma região compreendida por 4 países: Moçambique, Malawi, Zimbabwe e Tanzânia. A cidade da Beira foi a mais afectada, sendo que mais de 90% da cidade foi destruída pelo Idai, considerado o mais calamitoso ciclone do século. Sabe-se que só em Moçambique, as inundações causadas por estas depressões tropicais, mataram e feriram centenas de pessoas, tendo igualmente destruído centenas de milhares de casas, hospitais, salas de aulas, pontes e estradas. As inundações devastaram ainda milhares de hectares de culturas alimentares. Estima-se que serão necessários um pouco mais de 3 bilhões de dólares americanos em ajuda humanitária, incluindo para a reconstrução das infraestruturas destruídas por conta do ciclone nas províncias de Sofala e Cabo Delgado.

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Apesar dos dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) mostrarem haver registo da ocorrência de calamidades similares às dos últimos anos nas décadas de 80, 90 e 2000, o diferencial na presente década é o facto destas calamidades estarem a ocorrer com maior frequência e intensidade. Os ciclones Idai e Kenneth e seus impactos são um exemplo claro disso e prova de que as mudanças climáticas são uma realidade.

Estudos mostram ainda que a exposição ao risco dos desastres naturais em Moçambique poderá aumentar de forma significativa ao longo dos próximos anos como resultado das mudanças climáticas, sendo que o clima será ainda mais extremo, com períodos de seca mais quentes e longos, e com chuvas mais imprevisíveis, havendo riscos ainda mais altos de fracas colheitas. Estima-se igualmente que aumente a proporção dos ciclones tropicais intensos e prevê-se que Moçambique passe por mudanças em termos de disponibilidade de água, e que até 2050 grande parte do país sofra maior pressão por falta de água (devido à procura aumentada do recurso, por um lado, e à redução das chuvas, por outro), algo que já se sente actualmente, sendo que o abastecimento de água é condicionado, pois o seu fornecimento é feito apenas em regime intercalado em quase todo território nacional. Ficar 24 horas sem água não é incomum para a maioria dos moçambicanos, o que torna a vida das pessoas – sobretudo de famílias de baixa renda – ainda mais dura.

Este cenário retrata o quão urgente é a tomada de decisões e medidas que visem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, pois, tendo em conta a tendência e a previsão de aumento de tais eventos extremos e tendo em conta que Moçambique é um dos países mais vulneráveis aos mesmos, haverá um momento em que não poderemos mais nos adaptar a estas mudanças. Isto, caso não sejam tomadas medidas que visem a redução drástica de emissões, com vista a garantir que o aumento da temperatura média global não ultrapasse os 1,5ºC, conforme recomendam os vários estudos científicos e projecções.

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Importa referir que o aumento (em intensidade e frequência) de eventos climáticos extremos como ciclones tropicais, cheias, inundações e secas, associado a fracas políticas na área de mudanças climáticas, irá aumentar significativamente a vulnerabilidade da população devido à redução de activos que garantem a sua subsistência, tais como: serviços de saúde e saneamento, abastecimento de água e infraestruturas. Tal afectará também a produção de alimentos, minando assim a possibilidade de melhoramento das condições de vida da maioria do moçambicanos.

Mais, a magnitude dos impactos das mudanças climáticas sobre Moçambique (conforme nos provaram o Idai e o Kenneth) dependerá da capacidade do país em termos de mitigação e adaptação. Por seu turno, isto dependerá em grande parte do curso de desenvolvimento socioeconómico e tecnológico que o país seguirá e do quadro de planificação para os próximos 10 anos. Contudo, a vulnerabilidade do país só aumenta, pois o Governo, ao invés de tomar medidas que visem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, apenas concentra o seu limitado esforço em acções de adaptação, por um lado, e promove acções que contribuem para o aumento da emissão de gases de efeito de estufa – tais como a exploração e queima de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo) – ignorando os impactos que estas têm sobre o clima, por outro. A queima de combustíveis fósseis é a principal causa da crise climática e planetária que assola o mundo.

Neste momento, precisamos com urgência de uma resposta efectiva por parte do governo, de modo a resolver o problema das mudanças climáticas e seus impactos, ou pelo menos reduzir a vulnerabilidade do país. E para o efeito, é necessário que haja um foco institucional sistemático sobre esta matéria. Considerando os impactos que as mudanças climáticas terão na população, nos ecossistemas e na economia, uma resposta institucional requererá uma revisão do quadro legal que determine os papéis e as competências, incluindo a informação. À medida que os efeitos das mudanças climáticas se intensificam, pode-se esperar que essas condições climáticas extremas nos visitem com mais frequência.

A devastação causada pelos dois ciclones é mais um alerta, não só para Moçambique, mas para que o mundo inteiro implemente medidas ambiciosas de mitigação das mudanças climáticas, com vista a uma transição energética radical, por forma a reduzir de forma drástica a emissão dos gases de efeito de estufa.

É fundamental que os planificadores e tomadores de decisão, tanto a nível nacional como sectorial, sejam capazes de fazer uma análise do nosso grau de vulnerabilidade à variabilidade climática, dadas as actuais estratégias de desenvolvimento e programas sectoriais; que analisem de que forma estes programas impactam sobre as vulnerabilidades da população e do país; e que examinem as opções para a minimização dos riscos e a melhoria das capacidades de resposta.

Estudos mostram ainda que, se as tendências de subida de temperatura média global que se verificam hoje prevalecerem nos próximos anos – o que é mais do que provável – até 2050 poderá registar-se um aumento de 2ºC à média global. Para Moçambique, isso significará um aumento de cerca de 4ºC. Esta subida de temperatura, por sua vez, significará precipitação pouco frequente mas em volumes muito elevados. Ou seja, teremos chuvas de maior intensidade e com muito poder destrutivo por um lado, e secas mais intensas, mais frequentes e extensas, por outro. Para mais, Moçambique tornar-se-á mais susceptível a ciclones, que se prevê que venham a ser mais frequentes, intensos e consequentemente mais destrutivos.

O facto da cidade da Beira localizar-se na costa e estar abaixo do nível das águas do mar é, por si só, um garante de que, em caso de ciclones, os danos serão indubitavelmente mais devastadores. As mudanças climáticas têm vindo a agravar as inundações costeiras aquando da ocorrência de ciclones. Normalmente, os danos causados pelos ciclones tropicais vêm de ventos excessivamente fortes, que danificam directamente a infraestrutura construída e o ambiente natural; e de inundações costeiras causadas por tempestades e chuvas fortes que frequentemente as acompanham.

Devido às mudanças climáticas, as tempestades têm ocorrido numa atmosfera mais energética e carregada de humidade, o que propicia o seu nível de destruição e, consequentemente, aumenta os seus custos sociais. Além de causarem danos a propriedades, infraestruturas e de ceifarem vidas humanas, os ciclones tropicais também afectam sobremaneira a saúde das pessoas, aumentando o risco de eclosão de doenças como a cólera e malária e causando ainda doenças de foro psicológico. Após ciclones como os que afectaram Moçambique no primeiro semestre deste ano, é normal que sobreviventes e outros afectados venham a padecer de depressões, fruto de stress emocional, o que sem dúvida afecta negativamente a capacidade de resiliência de indivíduos e comunidades afectadas, colocando mais carga física, emocional e financeira nos seus esforços de recuperação.

Segundo o secretário-geral da ONU António Guterres, que visitou o país recentemente, “Moçambique tem direito a exigir da comunidade internacional solidariedade e apoio em caso de desastres naturais”. Guterres apelou igualmente que a comunidade internacional prestasse mais apoio ao país e concretizasse as ajudas prometidas o mais rápido possível, sublinhando que os fundos postos à disposição de Moçambique, por si só, não chegam para suportar a reconstrução que deve ser feita.

Neste sentido e reconhecendo a solidariedade e o apoio já recebido da comunidade internacional, é imperioso que os países ricos (principais emissores de gases de efeito de estufa) façam a parte que justamente lhes compete para resolver o problema das mudanças climáticas. Afinal, este problema é inegável resultado do seu egoísta trajecto rumo ao progresso económico e “desenvolvimento” de que hoje disfrutam. Que paguem a sua dívida climática para que os países mais pobres e em vias de desenvolvimento – que apesar de serem responsáveis por ínfima parte das emissões que estão a despoletar esta mudança climática são, por triste ironia, os mais vulneráveis às suas consequências – possam aumentar a sua capacidade de resposta, adaptação e resiliência a eventos climáticos extremos. E sem condicionalismos, pois não se trata de um empréstimo, mas sim do pagamento ao resto do planeta da dívida que contraíram em seu nome.

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Intervenção de Justiça Ambiental (JA) na reunião anual da Eni

14 de junho de 2019 – Roma

Eu represento uma organização chamada Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique em Maputo. Eu viajei um longo caminho para fazer algumas perguntas à Eni … Vou fazer perguntas mais específicamente sobre o trabalho na Área 1 e Área 4 da Bacia do Rovuma em Moçambique, realizado em terra e no mar, que inclui o Projecto Coral de Gás Natural Flutuante e o Projecto de Gás Natural Líquido de Moçambique, e a exploração de petróleo e gás no mar, no Bloco ER236 ao largo da costa sul de Durban, na África do Sul.

Queremos dar um contexto às partes interessadas:

Embora a extração em Moçambique ainda não tenha começado, este projeto já retirou terras a milhares de comunidades nativas e removeu-as à força de suas casas. Trabalhamos e visitamos com mais regularidade as aldeias de Milamba, de Senga e de Quitupo. O projeto retirou as terras agrícolas das pessoas e, no seu lugar, entregou-lhes terras compensatórias que estão longe de suas casas e, em muitos casos, não são aráveis. As comunidades pesqueiras que vivem a 100 metros do mar estão agora a ser deslocadas 10 km para o interior da costa.

Além disso, o barulho da perfuração afugentará os peixes da área de pesca regular, e a perfuração e a dragagem elevarão a lama do fundo do mar, o que irá reduzir e visibilidade e tornar a pesca ainda mais difícil.

Há pouca ou nenhuma informação sobre o tipo de compensação que as pessoas vão receber. As comunidades julgam que a forma como a compensação das pessoas foi determinada e avaliada é ridícula. Por exemplo, a empresa avalia a terra de alguém contando seus bens e compensando-os financeiramente por esses bens. Outra forma é contar o número de palmeiras que uma pessoa tem em suas terras. A maioria das pessoas recebeu um tamanho padrão de terra de 1 hectare. Isto é, independentemente de terem atualmente 1 hectare, 5 hectares ou mesmo dez hectares.

Cerca de 80% dos moçambicanos não têm acesso à eletricidade e precisam de energia para viver com dignidade. Apesar desta taxa de eletricidade incrivelmente baixa, os projetos de Gás Natural Liquefeito (GNL) não ajudarão Moçambique e seu povo com os seus recursos. Em vez disso, o GNL será processado e exportado para outros países, em particular a Ásia e a Europa.

Os projectos terão um enorme impacto negativo no ambiente local, destruindo áreas de recifes de corais imaculados, mangais e tapetes de ervas marinhas, incluindo a flora e fauna ameaçadas no Arquipélago das Quirimbas, uma Biosfera da UNESCO.

Moçambique é um país que já está a enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Nos últimos dois meses, dois ciclones atingiram duramente o país, como vimos mais recentemente com o Ciclone Idai e o Ciclone Kenneth que juntos mataram mais de 600 pessoas e afetaram pelo menos 2 milhões. O EAIA admite que a contribuição dos gases de efeito estufa do projeto será considerável para as emissões de carbono de Moçambique.

Este projecto irá necessitar de um enorme investimento do governo moçambicano, que seria melhor gasto em programas sociais e no desenvolvimento de energias renováveis. O projecto em si irá exigir um investimento de até US $ 30 bilhões. Este projeto irá desviar fundos que deveriam ser destinados à educação e outras necessidades sociais, incluindo US $ 2 bilhões que o Banco Mundial estima ser necessário para reconstruir o país após os ciclones, a fim de construir e manter a infraestrutura necessária para os projetos de gás.

No último ano e meio, tem havido uma série de ataques a comunidades na região do gás, que muitas comunidades acreditam estar vinculadas aos projetos de gás porque só começaram quando as empresas de gás se tornaram visíveis. A fim de garantir a segurança das empresas de gás e dos empreiteiros, os militares foram implantados na área e mantém uma forte presença, e várias empresas estrangeiras de segurança privada foram contratadas pelas empresas neste local.

ÁFRICA DO SUL

Embora sejam muitas as violações ambientais e de direitos humanos contra as pessoas da Costa Sul, a questão específica que gostaria de levantar é a da falta de participação pública significativa com as comunidades afetadas, que foram totalmente excluídas do processo.

Exclusividade de reuniões:

A Eni realizou um total de 5 reuniões. Três destes encontros foram em hotéis e clubes de elite, em áreas de classe média de Richards Bay, de Port Shepstone e de Durban. Isso é muito pouco representativo da grande maioria das pessoas que serão afetadas, muitas das quais vivem em extrema pobreza: comunidades como a Baía de Kosi, Baía de Sodwana, de Santa Lúcia, de Hluluwe, de Mtubatuba, de Mtunzini, de Stanger, de Tongaat, de La Mercy, de Umdloti, de Verulam, de Umhlanga, de Durban Central, de Bluff, de Merebank, de Isipingo, de Amanzimtoti, de Illovu, de Umkomaa, de Ifafa Beach, de Scottsburgh, de Margate, de Mtwalume, de Port Edward e de cidades circunvizinhas como Chatsworth, Inanda, Umlazi, PhoEnix e KwaMakhuta. Isto é uma flagrante exclusão social e discriminação.

Durante a realização das duas ditas reuniões de participação pública com comunidades mais pobres, em fevereiro e em outubro de 2018, com a participação da Eni e de consultores de Gestão de Recursos Ambientais, a maioria das pessoas afetadas não foi convidada. Estas reuniões foram coordenadas por Allesandro Gelmetti e por Fabrizio Fecoraro, realizaram-se numa pequena sala sem cadeiras. Eni não convidou qualquer funcionário do governo.

[O chefe da ligação medial do grupo da Sasol, o Sr. Alex Anderson, confirmando a reunião, disse: “A Eni, a nossa parceira, é a operadora e a entidade que gere esse processo. A Sasol está empenhada em manter um compromisso aberto e transparente com todas as partes interessadas neste projeto, pois é um processo contínuo ao longo do próximo ano. Valorizamos o envolvimento e os comentários que recebemos, para que consideremos as preocupações das partes interessadas no desenvolvimento do projeto. ”]

A Eni diz que deixou disponível o EAIA finalizado em 5 bibliotecas, para as partes interessadas lerem. No entanto, essas bibliotecas são difíceis de aceder para a maioria das comunidades afetadas, e uma das bibliotecas, a biblioteca de Port Shepstone, na verdade estava fechada para reformas nessa época.

QUESTÕES:

A Sociedade Civil em Moçambique:

A resposta à nossa pergunta não responde e eu gostaria de reformulá-la.

  • A Eni está a trabalhar com alguma organização moçambicana como parte do seu envolvimento na comunidade e quais são estas?

  • A Eni está a trabalhar com quaisquer organizações, moçambicanas e de outros lugares, que NÃO sejam pagas pela empresa?

Re florestamento:

Eu gostaria de citar um artigo de David Sheppard e Leslie Cook a 15 de Março de 2019 na Financial Times – A Eni irá plantar uma vasta floresta num esforço para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que diz:

  • Plantando árvores que absorvem CO2 da atmosfera, empresas como a Eni estão a tentar compensar a poluição que suas operações tradicionais criam”.

  • A gigante energética italiana Eni vai plantar uma floresta 4 vezes maior que o País de Gales, como parte dos planos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”

1. Eni questiona a veracidade do artigo do Financial Times

A Eni diz que já iniciou o processo de contrato com os governos dos países da África Austral, onde esses projetos florestais serão realizados.

  1. A empresa avaliou se existem efetivamente 81.000 hectares de terras não utilizadas para este projeto?

  2. A Eni já realizou alguma reunião de participação pública com as comunidades que vivem na terra que será usada?

  3. Quem está a fazer esta avaliação (EAIA) e quando começará?

  4. Quantas comunidades e pessoas serão afetadas?

Estudo de Impacto Ambiental (EAIAs):

  1. No caso da Área 1, a Eni respondeu que a Anadarko tem a responsabilidade de levar a cabo o processo de consulta pública em curso com as comunidades de Cabo Delgado, que será para o EAIA conjunto. A Eni confirma então que está a confiar numa outra empresa para garantir que o seu próprio projecto preenche os requisitos para um EAIA?

  1. Ainda sobre a Área 1, o último EIA foi realizado em 2014? Por que a Eni confia numa avaliação de impacto que já foi elaborada há 5 anos?

  1. A Eni respondeu que apenas concluiu o seu EIA em 2014, mas já tinha começado estudos sísmicos em 2007 e preparado para exploração em 2010. Além disso, a Eni apenas recebeu a sua licença do governo de Moçambique em 2015. Isto representa um total de 8 ano que começou os estudos sísmicos antes de obter a licença. Porque é que a Eni iniciou estudos que afetam o meio ambiente e as pessoas antes de concluir um EAIA?

Descarbonização:

Esta pergunta não foi suficientemente bem respondida: perguntei por que razão a estratégia de descarbonização da Eni não se alinha com as suas acções em Moçambique, onde a EAIA diz, e cito do Capítulo 12: “O projecto deverá emitir cerca de 13 milhões de toneladas de CO2 durante toda a operação de 6 comboios de GNL ”.

Até 2022 “o projecto aumentará em 9,4% o nível das emissões de GEE de Moçambique”

A duração do impacto é considerada permanente, já que a ciência indicou que a persistência do dióxido de carbono na atmosfera varia entre 100 e 500 anos e, portanto, continua além da vida do projeto”.

Pergunto novamente: como isso se alinha à estratégia de descarbonização da Eni?

Segurança privada:

  1. Que empresa de segurança privada está a Eni a usar em Moçambique e na África do Sul?

  2. Qual foi o processo legal que a empresa realizou na contratação destas empresas de segurança privada?

  3. Se não há qualquer empresa registada localmente, que processo legal a Eni realizou para as trazer para Moçambique e para a África do Sul?

Empreteiros:

  1. A Eni irá fornecer-nos uma lista de todos os seus empreteiros em Moçambique e na África do Sul?

  2. Se não, por que não?

Empregos na África do Sul:

O Senhor não respondeu a nossa pergunta –

  • Quantos empregos irá a Eni criar na sua operação da África do Sul?

  • Quantos destes empregos serão pagos pela Eni?

Contracto

Pergunto em nome da Aliança Ambiental Comunitária do Sul de Durban. A organização solicitou que a Eni disponibilizasse o contracto assinado com o Departamento de Assuntos Ambientais e a Agência de Petróleo da África do Sul, que dá permissão à Eni para realizar testes sísmicos. A Eni respondeu não, porque o direito ao documento pertence a um contratado.

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JA! provoca tumulto na Reunião Geral Anual (AGM) da Eni

Na quarta feira, dia 14 de Maio, a JA! participou na Reunião Geral Anual (AGM) da Eni, em Roma, gigante italiana de petróleo e de gás, onde colocamos o CEO da Eni, Sr. Claudio Descalzi, a Presidente Emma Marcegaglia e o conselho de directores na ribalta em frente de cerca de 50 accionistas, ao colocar questões com as quais eles realmente não queriam lidar, questões sobre seu trabalho com o gás em Moçambique e o petróleo na África do Sul. Esta foi a primeira vez que estivemos na Reunião Geral Anual da Eni, com a ajuda dos nossos parceiros italianos, Re: Common.

A reunião começou às 10h e foi até as 21h do mesmo dia, excepcionalmente tarde. Depois de termos enviado as perguntas por escrito duas semanas antes, recebemos as respostas por escrito em italiano, literalmente, quando entramos na reunião, e tivemos que estudá-las enquanto a reunião já estava em andamento, para ver o que tinham ou não respondido satisfatoriamente, antes que nos fosse dada a oportunidade de falar.

Foram dados à JA! 10 minutos para fazer a sua intervenção. Em primeiro lugar, apresentamos o contexto sobre como o projecto Coral de gás natural líquido da Eni estava a ameaçar a flora e a fauna e a forçar as pessoas a saírem de suas terras antes do início das operações, bem como a exploração de petróleo no Bloco ER236, na costa sul de Durban, que está a afectar a subsistência de pelo menos 20 comunidades de pescadores, tendo depois feito uma enxurrada de perguntas em torno de duas questões, que anteriormente não tinham sido respondidas de forma adequada pelo CEO Descalzi.

Embora tenhamos feito muitas perguntas cobrindo uma série de tópicos, as principais questões que levantamos foram:

  • Porque é que a Eni começou a operar em Moçambique em 2006, quando só recebeu a sua licença em 2015, e só completou a sua avaliação de impacto ambiental (AIA) em 2014? (A AIA foi feita em conjunto com a Anadarko);

  • Porque é que o projecto de gás da Eni em Moçambique vai libertar gases com efeito de estufa que aumentará as emissões de carbono de Moçambique em 9,4% até 2022, quando o foco principal para os próximos dez anos é a “descarbonização”?;

  • Por que a Eni, ao fazer a sua AIA ignorou as comunidades pobres e marginalizadas da costa sul de Durban, ao mesmo tempo em que apenas se envolvia com as comunidades ricas dos clubes de campo e hotéis de luxo?

O CEO Descalzi foi extremamente condescendente nas suas respostas, dizendo que a Eni não havia feito nenhuma “perfuração” na África do Sul, então ele “não tem certeza sobre a remoção forçada de comunidades de pescadores que você (Sra. Ilham) está a falar”. Ele também interrompeu a JA, para dizer que a Eni não está envolvida na Área 1, então a AIA é para Moçambique. Mas isso é uma mentira, já que o logotipo da Eni está na primeira página da AIA. Ele não respondeu às perguntas sobre o início das operações da Eni em Moçambique, antes de receberem a sua licença. Ele também alegou que o processo de reassentamento, onde sabemos que as comunidades estão a ser removidas à força em Moçambique, está alinhado com a AIA. Ele disse que as respostas para as outras perguntas estavam no documento de respostas escritas, que será divulgado no próximo mês.

Após o término da AGM, o Sr. Descalzi procurou o representante da JA! e agradeceu a JA! pelas perguntas, a que a JA! respondeu que nenhuma das perguntas feitas havia sido suficientemente respondida e que as suas chamadas respostas eram “ofensivas”, uma vez que contradiziam o que a JA! observou no local, e que nos é dito pelas comunidades afetadas. A JA! disse, que ele está basicamente a dizer que somos ignorantes ou mentirosos.

Ficou claro que nós, e nossos parceiros Re: Common tivemos um impacto sobre o Sr. Descalzi – pela forma como este respondeu as nossas perguntas, em que ele se atrapalhou e disse “Estou bem cozido”, um ditado italiano que significa que ele estava extremamente cansado. O facto de ele ter procurado a Sra. Ilham antes que mais alguém o fizesse, e ofereceu a ela seus dados de contato pessoais. Agora vamos ver o que acontece.

A JA! Publicará um comunicado com mais detalhos,com as perguntas feitas e as respostas verbais de Sr. Descalzi, bem como uma análise. É importante notar que Eni e o Sr. Descalzi, juntamente com a Shell, são actualmente réus num processo judicial, onde são acusados de um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, supostamente por ter pago US $ 1,3 bilhão em subornos a políticos nigerianos, para a compra de um campo de petróleo na Nigéria. Vamos ver agora, se ele irá manter sua palavra e vai dar pessoalmente respostas completas às nossas perguntas, como ele se ofereceu a fazer, enquanto nos lembramos. Podemos confiar em um dos homens mais corruptos do mundo?

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O Mundo deverá lembrar-se…

O Mundo deverá lembrar-se: As conversações de Lima nada fizeram para impedir a crise climática

As conversações da ONU sobre mudanças climáticas em Lima chegaram ao fim. Em vez de terminarem Sexta-feira à tarde, tiveram lugar até às 4 da manhã de Domingo. As negociações estiveram bem perto de ser interrompidas diversas vezes em virtude da perseverança dos países em desenvolvimento em não permitir que os países desenvolvidos controlassem o rumo e as decisões em cima da mesa. Eventualmente, chegou-se a “consenso”. Mas não se enganem, o que foi acordado em Lima nada vai contribuir para deter as mudanças climáticas.
O texto final aprovado foi impulsionado pelos interesses dos países ricos e desenvolvidos e pelas corporações. Este texto contrasta fortemente com a verdadeira liderança e inspiração demonstrada em Lima pelos movimentos sociais, organizações e comunidades que estão na linha da frente, a sofrer já os impactos da mudança climática.

Os países ricos e desenvolvidos vieram a Lima determinados a assegurar que o resultado das conversações reflectisse os seus interesses económicos a curto prazo, como se a crise climática realmente não importasse. O resultado carece de coragem, justiça e solidariedade para com os milhares de milhões de pessoas afectadas pelas mudanças climáticas.

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Ativistas gritavam “não há justiça, não há acordo” 2 horas antes de o texto final terrível foi aprovado. Fotografia do Yumi Sato

Este ano, enquanto decorriam as negociações, as Filipinas foram mais uma vez fustigadas por um evento climático extremo e comunidades mundo a fora continuam a pagar com as suas vidas e meios de subsistência pelo excessivo carbono produzido por outros. As decisões de Lima falharam para com os povos e o planeta, num momento em que soluções reais são mais urgentes e necessárias do que nunca.

As conclusões nada dizem sobre a necessidade de reduzir drasticamente as emissões antes de 2020, sem a qual colocamo-nos em risco de um ainda maior aumento de temperatura e colapso climático. As conclusões omitem a responsabilidade histórica. A obrigação urgente dos países desenvolvidos fornecerem financiamento climático é flagrantemente ausente. O texto cria uma arquitectura que irá condenar-nos a uma negociação já sentenciada em Paris. Isto é completamente inaceitável. Os governos dos países desenvolvidos precisam encontrar urgentemente a coragem necessária e a vontade política para lidar com a dimensão desta emergência planetária.

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Protesto dentro COP 20 exigindo o fim da energia suja. Fotografia do Luka Tomac

Mas longe das salas de negociação, as pessoas continuam a mobilizar-se e a construir um movimento duradouro para implementar soluções reais para a crise climática. A Justiça Ambiental foi lá observar e estabelecer alianças com movimentos e organizações. A Cúpula dos Povos sobre a Mudança Climática – que corria paralelamente às negociações da ONU – reuniu movimentos e organizações sociais do Peru, da América Latina e de todo o Mundo. Eles trocaram experiências e continuaram a trabalhar para gerar o impulso necessário para a transformação, para enfrentar as raízes da crise climática e criar um Mundo melhor, mais limpo e mais justo.

A 10 de Dezembro, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, quase 20 mil pessoas marcharam num enorme protesto (a Marcha em Defesa da Mãe Terra).

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Milhares marcham na histórica Plaza San Martin, no centro de Lima, exigindo justiça climática. Fotografia do Luka Tomac

De agricultores a mineiros, ambientalistas e estudantes; os manifestantes pediram justiça e soluções reais para a crise climática, incluindo reduções drásticas e imediatas das emissões de carbono, o fim dos combustíveis fósseis e do desmatamento, a construção de soluções de energia renovável de propriedade comunitária, e a protecção dos nossos sistemas agroecológicos  de soberania alimentar.

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Sem falsas soluções! Sem REDD! Exige do 10 de dezembro Dia dos Direitos Humanos de março, em Lima. Fotografia do Babawale Obayanju

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