Declaração de Imprensa do Dia Mundial da Água 2023

22 de Março de 2023


Nossa água, nosso direito: os africanos pedem aos líderes que “acelerem a
mudança” para longe da falsa solução de privatização da água no Dia Mundial da
Água

Em comemoração ao Dia Mundial da Água 2023, a sociedade civil, os trabalhadores e os
ativistas comunitários que lideram a Coalizão Nossa Água, Nossa Direito (OWORAC)
pedem aos líderes locais, nacionais e regionais que prestem atenção às lições da história
abandonando de uma vez por todas a falsa solução de privatização da água sob qualquer
pretexto.


A OWORAC (sigla em inglês) – composto por ativistas e sindicalistas em Camarões,
Gabão, Gana, Quênia, Moçambique, Nigéria, Senegal e Uganda, entre outros países
africanos – condena o aumento alarmante dos esforços neocoloniais para entregar o
controle de serviços essenciais a corporações multinacionais que buscam para explorar
nossa necessidade de água para lucrar.
O tema do Dia Mundial da Água deste ano é “Acelerando a Mudança”. É bastante claro,
a partir de décadas de experiências fracassadas com a privatização da água, que
devemos acelerar a mudança desse modelo de exploração para a propriedade e
controle públicos. Devemos também acelerar os investimentos públicos e garantir a
responsabilidade dos funcionários públicos que têm a obrigação de servir aos interesses
das massas, não de poucos privilegiados.

Esta semana, enquanto os governos, a sociedade civil e o sector empresarial se reúnem
na cidade de Nova York para a Conferência das Nações Unidas sobre a Água, a realidade
diária da crise da água é sentida por centenas de milhões em todo o continente africano.
O papel contínuo das corporações de privatização da água e seus representantes na
definição da agenda e das prioridades da Conferência da Água da ONU e da Água da
ONU de forma mais ampla minam a legitimidade desses espaços. O envolvimento da
AquaFed, a organização que representa esta indústria abusiva no cenário mundial, na
coordenação do Dia Mundial da Água é totalmente inapropriado e deve terminar. Prevenir
a captura corporativa é essencial para que o continente cumpra o Objetivo de

Desenvolvimento Estratégico 6, que defende a disponibilidade e gestão sustentável de
água e saneamento para todos até o ano 2030.


Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental (JA!) em Moçambique referiu que:
“É urgente que se evite a cooptação destes espaços de tomada de decisões pelas
grandes empresas, que vêem a água como um recurso económico e não como um direito
humano. O envolvimento de empresas e corporações que focam os seus objectivos no
lucro mancham o processo e abrem espaço para a privatização de ainda mais recursos
naturais, que pode ocorrer também na forma de poluição, vedações e limitações no
acesso a rios e cursos de água, e controlo de fontes de água das populações locais. A
água deve ser vista como um bem comum, essencial à vida, e não como um recurso ao
serviço do lucro de algumas empresas poderosas!”

O OWORAC, lançado em outubro de 2021 em resposta ao aprofundamento da crise
global da água e ao capitalismo de desastres para os quais a pandemia abriu as portas,
detalhou os impactos mundiais reais da privatização da água nas comunidades em seu
relatório África deve levantar e resistir à privatização da água. Relatos perturbadores dos
abusos de corporações multinacionais como Veolia e Suez, ambas membros da AquaFed,
levaram comunidades em todo o continente a rejeitar a privatização da água em suas
diversas formas, incluindo as chamadas “parcerias público-privadas”.

Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo de Responsabilidade Corporativa e Participação
Pública da África (CAPPA), falando em nome do OWORAC, disse:

“O tema da comemoração do Dia Mundial da Água deste ano reforça a necessidade de
governos a procurar soluções comprovadas para a crise da água no continente dentro do
reino de opções democráticas controladas pela comunidade e financiadas publicamente.
A privatização da água é um fracasso opção que apenas coloca os lucros acima das
pessoas.”

Sani Baba, secretário regional para África e países árabes da federação sindical global
Public Services International (PSI), disse:

“A privatização da água rouba das comunidades o direito à vida e ao bem-estar, da
mesma forma que rouba dos trabalhadores o direito ao trabalho decente. Os governos
africanos devem se recusar a ceder aos ditames do Banco Mundial e de outras
instituições que desejam colonizar nossos recursos hídricos”.

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Mano Azagaia – Até sempre!

Ontem, dia 14 de Março, teve lugar no Conselho Municipal da Cidade de Maputo a cerimónia de despedida do mano Azagaia. O conselho municipal e arredores ficaram inundados de pessoas, desde familiares, amigos, colegas e fãs para prestar a sua última homenagem, até alguns dos próprios “vampiros” lá estiveram para se certificar que o “incomodo” partiu… Mas estes últimos foram surpreendidos, pois Azagaia partiu, mas antes de o fazer tocou fundo em cada um de nós, acordou em muitos a voz que tem sido calada pela opressão e pela intimidação e todos entoavam…povo no poder…povo no poder… povo no poder…

Foi uma cerimónia muito emocionante, as inúmeras imagens a circular na internet demonstram claramente o quanto Edson da Luz, Azagaia, era amado e admirado por tantos, de todas as idades, cores, estratos sociais… Azagaia cantava as vergonhosas verdades do nosso país consciente das consequências mas pronto a dar a cara pelo que acreditava! Azagaia cantava o que todos nós sentimos num momento em que cada vez temos menos espaço para manifestar as nossas inquietações, a nossa revolta a assistir os “vampiros” a afundar o país que tanto amamos! Azagaia é povo!

O povo juntou-se à família e aos amigos, seguiu o cortejo fúnebre ao longo de todo o trajecto. O povo assustou o sistema, os “vampiros” ficaram incomodados com tanto “povo” junto, tantos a cantar “povo no poder”. E quando os “vampiros” se enchem de medo, medo do povo, medo do povo unido e de olhos abertos usam das suas armas e poder para nos calar! E mais uma vez a Unidade de Intervenção Rápida surge com todo o seu aparato militar, carros blindados e armados até aos dentes, apenas para impedir a passagem do cortejo fúnebre. Esta UIR serviu apenas para travar e manchar um momento tão difícil e doloroso, obrigar a esposa, filhas e familiares a parar, a travar as lágrimas e engolir o choro, para sair dos carros e implorar perante estes que a deixassem enterrar o seu marido! Que demonstração tão vergonhosa de força bruta, de intimidação ao povo, de completa falta de “educação” e carácter! A quem serve esta unidade? Que situação neste cortejo merecia este aparato? Quando o povo se junta seja lá para o que for, neste caso para chorar e despedir-se do seu irmão, a UIR sai para a rua para travar, para oprimir, para mostrar que quem manda é que tem as armas!

E onde estão eles quando somos assaltadas, violadas, assassinadas? Onde está a UIR quando tantos e tantos moçambicanos são raptados? Quando clamamos pela ajuda da Polícia nunca os vemos, não tem meios, não tem combustível, não tem recursos humanos suficientes para garantir a nossa segurança mas sempre tem para garantir a nossa opressão. Quando o povo se junta, a UIR está sempre pronta! Juntamo-nos para celebrar a vida e obra do Azagaia, para chorar a sua morte e lá vem eles, com as suas armas, blindados, arrogância e força bruta… Vieram para fazer o quê? Garantir a segurança e manutenção do poder dos “vampiros”?

Estamos mais uma vez indignados com a actuação das forças policiais! Mas mais ainda com quem dá as ordens para que estes “cobardes armados” actuem contra o povo!

Eu falo em nome da declaração universal dos direitos humanos

Falo em nome da constituição que rege os moçambicanos

Eu nem sequer sou formado em direito

mas sei que me manifestar neste país é meu direito

contra policia violenta, disparo o artigo quarenta

se a lei não representa eu preparo o oitenta

depois o trinta e cinco, quarenta e oito, quarenta e três

aprendam de uma vez estado não são só vocês

ilustres funcionários com interesses partidários

Perto de exonerá-los por esse tipo de comentários

Capaz de provocar uma febre nacional

Imaginem se se convocar uma greve geral

Haverá tanta policia, para tanta justiça?

Gás lacrimogéneo para tanto oxigénio?

Haverá tanta água, para tanta mágoa?

Até quando a ditadura numa nação democrata? “ Azagaia, MIR Música de Intervenção Rápida

A opressão nunca conseguiu suprimir nas pessoas o desejo de viver em liberdade” – Dalai Lama

Apenas a opressão deve temer o exercício pleno das liberdades” – José Julián Martí Pérez

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Líderes das comunidades da região de Mphanda Nkuwa recebem ‘ordens superiores’ para não serem capacitados sobre os seus direitos

O ambiente é de medo e indignação, nas comunidades que terão que ser reassentadas se o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa for implementado. Após a grave situação em Dezembro do ano passado, em que foram feitas ameaças e acusações infundadas aos membros das comunidades de Chirodzi-Nsanangue e Chococoma por terem participado num Workshop da Justiça Ambiental (JA!) em Maputo, desta vez são os líderes locais que estão a ser intimidados para que não autorizem quaisquer reuniões desta organização Moçambicana nas suas comunidades.

Em Janeiro deste ano, uma equipa da JA! esteve a trabalhar no distrito de Marara, como parte do seu trabalho contínuo de monitoria dos impactos dos megaprojectos e capacitação das comunidades locais sobre diversos temas. No entanto, em alguns dos locais onde esteve a trabalhar, deparou-se com várias tentativas de sabotar e impedir o trabalho que tem vindo a fazer há mais de 22 anos. Os líderes das comunidades de Chirodzi-Nsanangue e Chococoma informaram à JA! que receberam orientações da Chefe da Localidade de Chococoma para não deixar a comunidade reunir-se com esta organização, deixando claro que temiam as consequências que poderiam sofrer caso não cumprissem estas ordens. A comunidade, por outro lado, manifestou-se indignada com estes acontecimentos, e pediu que a JA! desse continuidade aos trabalhos, especificando os assuntos a respeito dos quais gostariam de ser capacitados.

A equipa da JA! decidiu então questionar a Chefe da Localidade a respeito das alegações dos líderes, que se recusou a prestar quaiquer informações, e afirmou apenas que cumpre orientações que lhe chegam do Chefe do Posto Administrativo de Chococoma, seu superior hierárquico. O Chefe do Posto, por sua vez, também chutou a bola para a frente, afirmando que este assunto ‘‘está lá em cima’’ e que não poderia carimbar qualquer papel ou credencial da Justiça Ambiental, pois tinha recebido ordens superiores para não o fazer. Tudo indica que esta instância superior é o Administrador do Distrito de Marara, que se manifestou indisponível para receber a JA, e que por sua vez também estará, muito provavelmente, a receber ‘‘ordens superiores’’.

É sempre bom relembrar que nenhuma organização ou associação legalmente registada precisa de autorização do governo para trabalhar em qualquer ponto do país. No entanto, por uma questão de protocolo e respeito, as equipas da Justiça Ambiental a trabalhar nas zonas rurais costumam apresentar-se às autoridades locais, sempre que possível.

Até 2022, estas visitas à Administração do Distrito de Marara não criavam qualquer turbulência. Desde que os ventos da barragem de Mphanda Nkuwa chegaram ao local, em meados de 2022 (entre 2019 e 2022, o assunto era debatido apenas em Maputo e a nível internacional), tudo mudou. Ameaças e intimidações às comunidades que terão que concordar em sair das suas terras para dar lugar ao megaprojecto, além da disseminação de informações falsas sobre a JA! começaram a acontecer recorrentemente, tanto em público, como dirigidas especificamente a membros da comunidade que sejam mais vocais ou críticos ao projecto.

Está bastante claro o que incomoda tanto às autoridades locais: é que o trabalho da JA! tem-se focado em capacitações em torno dos direitos sobre a terra, direitos humanos, liberdade de expressão e opinião, legislação sobre reassentamento, acesso à justiça, e estudos sobre os impactos climáticos, ambientais, sociais e económicos das mega-barragens. Naturalmente que, para convencer centenas de famílias a deixarem as suas terras à beira do rio, abandonarem as suas machambas férteis, e abdicarem dos seus vastos terrenos para pastagem do gado, é conveniente que estas famílias pensem que não têm poder de decisão e muito menos direitos por reivindicar. É conveniente que aceitem casas de reassentamento mal construídas, e que não exijam muito dinheiro de compensação, afinal o governo tem se gabado perante investidores internacionais que é muito fácil e lucrativo fazer negócios no nosso país. Neste sentido, o trabalho da JA é uma pedra no sapato do governo e dos investidores internacionais. O Administrador do Distrito de Marara chegou a dizer, num encontro com a JA, que não podemos ir lá falar sobre direitos, sobre leis, ou mencionar os impactos de outros megaprojectos. ‘‘Não devemos nos focar no passado e sim no presente. O projecto da barragem não deve ser crucificado pelos pecados dos anteriores projectos de carvão da Jindal, não podemos ser pessimistas e pensar que vão acontecer aqui em Marara’’, acrescentou na altura.

Infelizmente, todas as pistas indicam que a barragem de Mphanda Nkuwa está a seguir pelo mesmo caminho sinuoso que levou tantos outros megaprojectos a falhar no nosso país. O Gabinete de Implementação (GMNK) continua a ignorar as cartas da Justiça Ambiental a pedir os termos de referência dos estudos necessários e demais informações relevantes, fugindo desavergonhadamente do escrutínio público. A justificativa para uma barragem desta envergadura, com esta magnitude de impactos, sem que se tenha equacionado outras opções, continua fraquíssima. A crescente repressão e as tentativas de silenciar vozes críticas indicam que não há interesse em ouvir e lidar com as legítimas preocupações das comunidades locais, e que o projecto está disposto a atropelar a lei e os direitos humanos. A barragem de Mphanda Nkuwa reúne todos os ingredientes para um megaprojecto igual aos outros que temos visto em Moçambique: altamente lucrativo para as nossas elites nacionais e para as grandes empresas transnacionais, e uma desgraça para milhares de pessoas, justamente aquelas que mais precisam desse desenvolvimento que nunca chega. E nunca chegará, se continuarmos a fazer o bolo com os mesmos ingredientes.

É por estes e tantos outros motivos que a JA submeteu, em Dezembro último, uma petição com mais de 2.600 assinaturas à Assembleia da República para travar o controverso projecto de Mphanda Nkuwa, a respeito da qual ainda não temos resposta. É por estes motivos também que a JA seguirá firme e comprometida a trabalhar como sempre trabalhou, a denunciar e expôr os impactos de um modelo de desenvolvimento que não nos serve, e a trabalhar em conjunto com todos aqueles que têm o compromisso de construir um país democrático e para todos, no qual todos tenhamos voz, direitos e dignidade.

Para mais informações sobre a petição ou sobre os estudos realizados sobre os impactos do projecto de Mphanda Nkuwa, visite www.justica-ambiental.org ou entre em contacto pelo jamoz2010@gmail.com / +258 84 3106010.

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Encurralados – Como quebrar uma comunidade que resiste?

O caso de Quitupo

O caso de Quitupo

Localizada no distrito de Palma, na província nortenha de Cabo Delgado, a aldeia de Quitupo é uma das 63 aldeias do distrito1. Em 2010, com a descoberta de quantidades comerciáveis de gás natural na Bacia do Rovuma a aldeia de Quitupo passou a fazer parte das comunidades afectadas pelo projecto da fábrica de liquefacção do gás natural, a ser construída pela Total em Palma. Na fase inicial do projecto, as consultas públicas em Quitupo foram das mais acesas que já se viram na história dos megaprojectos em Moçambique. A comunidade de Quitupo não facilitou a vida aos investidores do gás.

Na época, decorria o ano de 2013, o processo estava nas mãos da Anadarko, que encontrou uma população minimamente informada sobre os seus direitos, e que vezes sem conta abandonava os encontros com a empresa quando não encontrava respostas satisfatórias às suas preocupações.

A comunidade confrontava a empresa, bem como ao governo, sobre a autenticidade das actas das consultas comunitárias que facilitaram o processo de aquisição do DUAT da Anadarko na ordem dos 7 mil hectares. A comunidade de Quitupo chegou a solicitar apoio técnico e assessoria jurídica de emergência a organizações da sociedade civil como ao Centro Terra Viva (CTV) e ao Iniciativa para Terras Comunitárias (ITC) com as quais já vinham trabalhando no âmbito de capacitação legal. Os chefes das aldeias não reconheceram as assinaturas das supostas actas das consultas comunitárias2 e reivindicaram que assinaram uma lista de presenças de uma reunião em que foram convocados simplesmente para informá-los de que investidores estavam interessados em trabalhar no distrito, oferecer emprego e desenvolver as comunidades.

Cerca de 7 mil hectares foram cedidos ao projecto sem o conhecimento e consentimento das comunidades. Claramente o processo foi cravado de irregularidades e ilegalidades gritantes que deviam envergonhar o governo que muito se esforçou para evitar que tais irregularidades sejam tornadas públicas. As organizações da sociedade civil envolvidas no processo foram apelidadas de contra o desenvolvimento entre outros adjectivos nada abonatórios3. Numa clara tentativa de desacreditar e desmerecer o excelente trabalho que foi feito em prol das comunidades.

Numa tentativa desesperada de provar que o processo decorreu dentro de trâmites legais o então Ministério para a coordenação da acção ambiental (MICOA), através da Direcção Nacional de Avaliação de Impacto Ambiental (DNAIA) entidade responsável por emitir as licenças ambientais, chegou a participar de um encontro provavelmente organizado por sugestão da consultora ambiental responsável por produzir o estudo de impacto ambiental, onde foram convidadas as organizações da sociedade civil e demais interessados a estar nesta reunião que teve lugar em um dos hotéis de luxo da cidade de Maputo. Numa clara tentativa de provar transparência do projecto, as OSC’s foram chamadas para que todas as questões que colocavam fossem esclarecidas, mas ainda assim não foi possível esclarecer em que condições foi atribuído o DUAT sem que a licença ambiental tenha sido tramitada, desta reunião ficou claro que o processo não cumpriu com etapas legalmente estabelecidas. A dada altura não se conseguia distinguir na reunião quem pertencia ao governo e quem pertencia à empresa, dada a necessidade de ambas as partes justificarem e fundamentarem as violações às leis aprovadas e reconhecidas pelo próprio governo.

Durante as consultas em Quitupo, os mapas apresentados pela Total eram completamente rejeitados pelas comunidades. As pessoas diziam que os mapas pouco lhes importavam porque não os sabiam ler, queriam era que lhes mostrassem no terreno os limites do projecto4. A população não se deixava intimidar pelas botas e pelos óculos escuros das equipas técnicas da Anadarko, e nem pelas falas do então administrador do distrito, nem mesmo pelos discursos elaborados dos directores provinciais do ambiente e dos recursos minerais. Estes últimos, tiveram que participar nos encontros para tentar apaziguar os ânimos das comunidades. Nada disto conseguiu convencer a comunidade de Quitupo que precisavam de transferir os seus cemitérios, perder as suas áreas de pesca e de agricultura para priorizar a exploração de gás natural.

Este processo mostrou a força de uma comunidade unida e consciente dos seus direitos, e que exigia negociar nos seus próprios termos. Lamentavelmente, às nossas comunidades nunca lhes é dada a oportunidade de dizer NÃO, é lhes incutido desde cedo que se o governo quer o governo faz, e que se o governo é o nosso pai a ele devemos respeito mesmo que isso signifique passar por cima do respeito que também merecemos. Por outro lado, é-lhes impingido o sentimento de eterna vassalagem a quem nos libertou do colonialismo, daí que não se deve questionar as decisões tomadas e somente aceitá-las. No entanto, a razão pela qual toda esta situação ficou ultrapassada foi quando se decidiu de forma astuta criar os famosos ‘‘comités de reassentamento’’, os grupos que iriam representar os interesses das comunidades nos encontros com o projecto, e desta forma evitar as “confusões” que se viam nas reuniões iniciais. Estes comités eram inicialmente compostos por pessoas influentes e respeitadas pelas comunidades e tinha o papel de mediadores dos processos de assinatura de acordos entre os membros das comunidades e a empresa.

A verdade é que a ideia de criação destes comités veio acompanhada por uma subtil gentileza de pagar um subsídio aos membros das referidos comités, a módica (para pessoas que vivem no limiar da pobreza) quantia de 7 mil meticais mensais, pagos pela Anadarko. Rapidamente, muitas das preocupações apresentadas pelas comunidades nas reuniões iniciais deixaram de ser preocupação, sem que nunca tenham sido devidamente acauteladas.

Estes comités após receberem alguns subsídios da empresa, começaram a deixar de representar de facto os interesses das comunidades, um dos primeiros passos foi a exclusão dos membros do comité que não deixavam de colocar questões consideradas do passado, especialmente as relacionadas com a apresentação das actas de consulta comunitária para aquisição de DUAT, novas áreas de pesca e de transferência dos túmulos.

Para além da exclusão de pessoas do comité que não se deixavam manipular, começaram a surgir denúncias sobre a inoperância dos comités diante das inúmeras reclamações apresentadas pelos afectados económica e fisicamente. Especialmente se existiam querelas internas típicas de pequenos vilarejos, algumas pessoas nem sequer se dirigiam aos comités porque sentiam que se tem problemas pessoais com um dos membros do comité o seu assunto nem sequer avançava até a empresa para que possam ser utilizados os canais disponibilizados para a apresentação de reclamações e reposição de direitos que muitas vezes se comprovava necessário .

A Justiça Ambiental espantada com o número de casos de reclamações que o nosso ponto focal recebia chegou a tentar contactar o comité, em Agosto de 2019 para perceber melhor o que se passa. Nos espantamos que para receber uma organização da sociedade civil o comité tenha solicitado a apresentação de uma credencial do governo e que devíamos estar acompanhados por um membro do governo e nesse momento percebemos que estes comités não mais estavam ao serviço do povo que os indicou para representá-los, o que para o povo moçambicano, infelizmente não mais se trata de uma novidade.

De maneira pouco clara, e a moda moçambicana foram abafados os comentários sobre a legalidade das actas das consultas comunitárias que facilitaram a cedência de terra a multinacional americana. O projecto avançou, no processo de reassentamento iam sendo tomadas todas as medidas para que a transferência das famílias iniciasse dentro do planificado, quando em 2016 a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), requereu ao Tribunal Administrativo5, a declaração de nulidade do documento que foi emitido após as actividades do projecto terem iniciado.

Porém, mais uma vez o governo e as instituições que os representa sai em defesa do projecto6, o Tribunal administrativo aparentemente sem analisar a essência do requerimento, limitou-se a justificar que as comunidades estão satisfeitas com o reassentamento e com as compensações, sem no entanto, referir-se à ilegalidade do DUAT.

O projecto original da Anadarko, hoje pertencente à Total, previa o reassentamento de cerca de 733 famílias de Quitupo. O processo de reassentamento das comunidades arrancou em Julho de 2019 onde os primeiros reassentados foram os habitantes da aldeia de Milamba. As 33 famílias daquela aldeia foram as primeiras a receber as casas construídas pela Anadarko. O processo de reassentamento em Quitupo arrancou em Março de 2020, mas apenas 161 famílias da comunidade foram reassentadas, tendo a maioria permanecido na aldeia aguardando pela sua vez. Enquanto decorria o processo de reassentamento, começou a ser erguida uma cerca nos supostos limites da área da fábrica, deixando a comunidade de Quitupo encurralada e sem permissão para desenvolver actividades de agricultura e pesca dentro da área com a cerca. A comunidade neste momento é obrigada a ter que sair dos limites da cerca para procurar alternativas a sua sobrevivência em áreas onde lhes seja permitido fazer machambas ou para pescar em Senga, Maganja, Monjane, Macala e Palma sede.

Questionados sobre a necessidade de apoio as comunidades que permanecem em Quitupo sem meios de subsistência e sem apoio da empresa enquanto esperam o dia do seu reassentamento a equipa da Total respondeu que não havia muito a ser feito e que não estão a dar nenhum apoio e nem permitem que sejam usadas a terra dentro da cerca para evitar conflitos futuros com as comunidades pois receiam que a qualquer momento as actividades retomem e se as famílias tiverem culturas nas machambas irão exigir compensação pela perda, enquanto que os processos de compensação já foram feitos em Quitupo e as pessoas já tinham sido compensadas pelas suas perdas, inclusive mostraram-se abertos a receberem propostas para solucionar o problema que reconhecem que a comunidade esta a ter que enfrentar com a construção desta cerca.

A construção desta cerca despertou muita preocupação por parte das comunidades, que aos poucos viam o seu maior receio concretizar-se: a perda total das suas terras.

No entanto, após o ataque em Palma no dia 24 de Março de 2021, a empresa Total que lidera o consórcio Mozambique LNG suspendeu as suas actividades emitindo uma declaração de força maior, suspendendo assim também o processo de reassentamento em curso. Esta paralisação colocou pelo menos 572 famílias da comunidade de Quitupo a viverem cercadas e encurraladas dentro da sua própria aldeia. Estas famílias para além de perderem as suas terras, ainda não receberam as prometidas terras de compensação, aliás, está claro que o grande calcanhar de Aquiles dos megaprojectos em Moçambique são as terras de compensação para as machambas e a gigante Total também está sem muito espaço de manobra para garantir terras às comunidades reassentadas. As poucas que conseguiram terra de compensação em Senga e em Macala, estão em conflito com as comunidades hospedeiras que queixam-se de irregularidades no processo de compensações. As famílias que permanecem em Quitupo vivem um cenário de total incerteza, uma vez que nem casa sabem se irão receber dado que parte das casas ainda estão em fase de construção, e nas actuais casas sentem-se limitados de fazer melhorias desde que foi declarada a moratória em 2017.

A Total declarou Força Maior7 na sequência dos ataques ocorridos em Palma no pretérito dia 24 de Março de 2021, que supõe a ocorrência de eventos não previstos. Apesar de nos parecer um pouco simplista a explicação do ataque a vila de Palma ser considerado imprevisível, numa região onde já ocorrem ataques há 5 anos, onde um dos ataques ocorreu em 2019 a mais ou menos 7km do acampamento da Total. O facto é que declarada a força maior foram suspensas as actividades em Palma, o que inclui o processo de reassentamento e enquanto a Total decide se é ou não seguro voltar para Afungi, as famílias de Quitupo e outras famílias já reassentadas na Vila de Quitunda em situação semelhante, sem terra, sem compensação (especialmente devido a situações de reclamações) e sem apoio, não têm opção senão buscar outras formas de sobreviver e de garantir uma alimentação adequada para as suas famílias, sem falarmos do cenário de constante insegurança em que vivem.

Após mais de 2 anos desde que perderam as suas terras, e mais de 1 ano desde que passaram a viver cercadas, as famílias da comunidade de Quitupo não viram nem vêem os alegados benefícios dos projectos de exploração de gás em Cabo Delgado. As suas desconfianças e resistência tinham razão de ser, e apesar da sua união e coragem, ainda assim foram encurraladas por um modelo de desenvolvimento que despreza os direitos e vontades do povo, e abre a porta escancarada para as grandes empresas transnacionais.

Foto do EIA

1https://www.cabodelgado.gov.mz/por/Ver-Meu-Distrito/Distrito-de-Palma/O-Distrito/Divisao-administrativa

2https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2013/09/comunidade-reage-mal-na-consulta-p%C3%BAblica-de-projeto-da-anadarko-no-norte-de-mo%C3%A7ambique.html

3 https://verdade.co.mz/projecto-de-exploracao-de-gas-natural-em-palma-por-alda-salomao/

4 https://www.youtube.com/watch?v=aa1ry6tzKWA

5https://oam.org.mz/comunicado-de-imprensa-primeira-seccao-do-tribunal-administrativo-nega-julgar-o-merito-da-causa-sobre-a-declaracao-de-nulidade-do-duat-atribuido-a-exploracao-exclusiva-pela-anadarko-no-contexto-do/

6https://verdade.co.mz/governo-de-guebuza-atribuiu-duat-de-palma-ilegalmente-e-mais-de-dois-mil-mocambicanos-aguardam-pela-solucao-do-executivo-de-nyusi/

https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2018/12/anadarko-nega-viola%C3%A7%C3%A3o-da-lei-na-obten%C3%A7%C3%A3o-de-terra-para-projecto-de-g%C3%A1s-natural.html

7https://totalenergies.com/media/news/press-releases/total-declares-force-majeure-mozambique-lng-project

Petição para travar o projecto da barragem de Mphanda Nkuwa entregue à Assembleia da República

A organização Moçambicana Justiça Ambiental (JA!) entregou na última quarta-feira (21 de Dezembro) uma petição com mais de duas mil e seiscentas assinaturas de cidadãs e cidadãos Moçambicanos para exigir que se trave imediatamente o avanço do controverso projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, proposta para o Rio Zambeze.

Os termos em que foi concebido, e nos quais tem avançado, o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa não vai de acordo com os objectivos fundamentais do Estado Moçambicano consagrados no artigo 11o da Constituição da República, sobretudo no que respeita os direitos humanos e o desenvolvimento equilibrado. Além do mais, este projecto acarreta elevadíssimos riscos ambientais, ecossistémicos, climáticos, sísmicos, sociais e económicos, que ainda não foram devidamente avaliados e estudados pelo governo de Moçambique. Não obstante estes riscos, e os inúmeros pedidos de esclarecimento e de informação enviados pela Justiça Ambiental ao governo e ao Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK), o projecto tem estado a avançar, nesta sua nova fase, desde 2018, de forma acelerada e sem o devido escrutínio público.

Além do mais, o projecto está ainda em violação dos artigos 21º, 22º e 24º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que estabelecem o direito dos povos à livre disposição, proibição de privação do uso de recursos naturais; direito à escolha do modelo de desenvolvimento económico, social e cultural no respeito estrito de suas liberdades e identidade; e direito a um ambinte equilibrado e propício ao seu desenvolvimento.

Importa referir que, embora o projecto esteja a avançar nesta nova etapa há 4 (quatro) anos, ainda não foi realizada nenhuma consulta pública deste projecto, nem nenhuma consulta com as comunidades locais que serão directa e indirectamente afectadas pelo mesmo. Isto está em clara violação de várias directrizes e princípios assumidos pelo país a respeito da protecção e promoção do direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI).

Os mais de 2.600 Moçambicanos e Moçambicanas exigem, com esta petição, que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo e que o governo de Moçambique esclareça cabalmente os contornos, objectivos e racional por detrás deste projecto “prioritário”, incluindo:

• De onde vem o investimento e qual a contrapartida?

• Por que é que este projecto é uma prioridade para o País, tendo em conta os nossos níveis

de pobreza e desigualdade; que milhares de crianças não têm lugar na escola, e que ainda

não há serviços de saúde adequados para todos?

• A que se deve a insistência neste projecto, que já foi abandonado tantas vezes? Que outros

interesses existem por detrás de um projecto desta envergadura?

• Foram equacionadas outras alternativas energéticas? Se sim, quais?

• Quem será responsável por indemnizar as comunidades que vivem há 20 anos com o seu

futuro hipotecado, sem poder investir na sua comunidade e em infra-estruturas

necessárias, por medo de perderem os seus investimentos, uma vez que em 2000 foram

aconselhadas pelo governo a não construir nenhuma nova infraestrutura?

• Qual o real propósito da barragem e que hipotéticas mais-valias julgam que traria para o

País a curto e longo prazo, incluindo como planeiam rentabilizá-la?

Exigimos também a elaboração de estudos cientificamente válidos e imparciais que respondam a todas estas questões levantadas desde a aprovacao do estudo de impacto ambiental em 2011 como:

• A indefinição sobre o regime de fluxo em que a barragem irá operar (base-load ou mid-

merit);

• A indefinição sobre a área escolhida para reassentamento das comunidades directamente

afectadas;

• A pobre análise de sedimentos elaborada com dados insuficientes, que não permite uma

análise científica válida;

• A fraca análise sismológica, sem dados concretos e com resultados e conclusões que

contrariam outros estudos de especialistas de renome;

• A fraca análise aos potenciais impactos das mudanças climáticas e mudanças na demanda

de água a montante da barragem, que irá afectar a viabilidade económica do projecto;

• O facto de não terem sido consideradas e tampouco seguidas as directrizes da Comissão

Mundial de Barragens, particularmente no que se refere aos direitos e justiça sociais e

ambientais, entre outras;

• As alternativas energéticas viáveis para o país, comparando e analisando os benefícios e

impactos de cada uma;

• A forma como o projecto irá garantir que os benefícios gerados não serão apropriados por uma pequena elite política e económica nacional, e pelas grandes companhias ransnacionais.

Exigimos ainda que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo em torno de soluções energéticas limpas, justas e acessíveis a todos os Moçambicanos e Moçambicanas, de forma a enveredarmos por um desenvolvimento sustentável que garanta a protecção dos importantes ecossistemas que garantem a vida no planeta.

A Justiça Ambiental apela ainda que este assunto seja tratado em carácter de urgência, tendo em conta o crescente e preocupante cenário de intimidação e ameaças que temos observado no contexto do nosso trabalho no Distrito de Marara, incluindo acusações de terrorismo, exigência de “autorização para trabalhar no local”, e indicação de que as comunidades locais não devem receber capacitações legais sobre os seus direitos ou informações sobre os impactos das barragens. Vários membros das comunidades que terão de ser reassentadas para dar lugar a este megaprojecto também têm reportado ameaças, intimidações e ‘avisos’ para que não se pronunciem contra o projecto.

Além das assinaturas recolhidas no Distrito de Marara, na Cidade de Maputo e um pouco por todo o país, mais de 70 organizações não-governamentais nacionais, regionais e internacionais assinaram também a petição em formato online, em solidariedade.

É hora de dizermos BASTA a um modelo de desenvolvimento que enriquece as nossas elites e as grandes empresas transnacionais, às custas da maioria da população e da natureza. Vamos juntos exigir projectos de energia limpa, descentralizada e que beneficie o povo Moçambicano!

Leia o texto integral da petição na página da Justiça Ambiental: https://justica-ambiental.org/2020/12/16/salve-o-rio-zambeze-da-barragem-de-mphanda-nkuwa/

#MphandaNkuwaNão

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Comunidades ameaçadas pela barragem de Mphanda Nkuwa acusadas de ‘terroristas’ por terem viajado para um Workshop em Maputo

Apelidar de ‘terroristas’ é a mais recente forma de intimidar, ameaçar, e deter arbitrariamente as pessoas que tenham posições contrárias ao governo. Isto está a acontecer em vários pontos do país, e em particular no distrito de Marara, província de Tete, onde o governo pretende construir a barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, um projecto altamente controverso que nunca respondeu às inúmeras questões ambientais, sociais, económicas e climáticas que têm sido levantadas por organizações da sociedade civil e especialistas de Moçambique e outros países.

Recentemente, de 22 a 25 de Novembro, a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) organizou o seu 6o Workshop de Maputo sobre Impunidade Corporativa e Direitos Humanos, que reuniu representantes de várias organizações da sociedade civil, do governo, académicos, advogados, activistas e pessoas afectadas por megaprojectos de várias províncias do país. Da província de Tete, em particular, vieram vários participantes provenientes do distrito de Marara, incluindo o líder da comunidade de Chirodzi-Nsanangue, uma das comunidades em risco de ser reassentada se a proposta barragem de Mphanda Nkuwa fôr construída. Enquanto esteve fora da sua comunidade, o líder recebeu várias chamadas de membros da comunidade a alertá-lo que as autoridades locais estavam muito desagradadas por este ter-se deslocado a Maputo e que estavam a mobilizar a comunidade para eleger um novo líder.

Uns dias após regressar a casa, o líder de Chirodzi-Nsanangue recebeu uma notificação para se apresentar no Comando Distrital de Marara a fim de prestar declarações. Chegando ao Comando, o líder ficou retido durante 10 horas, foi-lhe negado o direito de ser acompanhado pela advogada que estava no local, foi acusado de ser terrorista e foi interrogado a respeito da sua viagem a Maputo pela Comandante Distrital de Marara, por um agente da SERNIC e um representante do Ministério da Defesa. Por fim, pediram-lhe que listasse o nome de todos os membros da sua comunidade que haviam se deslocado a Maputo para participar no Workshop. O líder foi solto por volta das 18h30, sem qualquer esclarecimento adicional.

A equipa da JA! que se encontrava no local a acompanhar os acontecimentos foi igualmente acusada de terrorismo, e informada que não deve fornecer informações às comunidades locais a respeito dos impactos das barragens, ou de problemas causados por outros megaprojectos no país. Tudo isto aparenta ser uma estratégia para intimidar os membros das comunidades que serão afectadas pela proposta barragem de Mphanda Nkuwa e impedi-los de defenderem os seus direitos.

Alguns dias depois, as 10 outras pessoas de Chirodzi e Chococoma que haviam participado no Workshop foram também notificadas para comparecerem no Comando Distrital de Marara no dia 08 de Dezembro, incluindo o ponto focal da JA! na comunidade, para que também fossem interrogados.

Um grande movimento de solidariedade para com os membros das comunidades que estavam sob ameaça emergiu, de diversas partes do país e de outros países. Quando os 10 membros das comunidades chegaram ao Comando Distrital de Marara no dia 08, este assunto estava a circular amplamente nas redes sociais e na rádio. Eles foram interrogados no Comando, mas desta vez, não foram feitas ameaças além da presença intimidadora de agentes policiais armados. O ponto focal da JA! foi interrogado separadamente, em seguida foi-lhe pedido que saísse da sala, e os outros membros da equipa da JA! no local não foram autorizados a entrar. Todos foram dispensados algumas horas depois.

Importa referir que estas situações não são casos isolados, e surgem na sequência de uma série de outras intimidações e restrições que têm sido feitas à equipa da JA! no âmbito do seu trabalho no Distrito de Marara. Por várias ocasiões, a Comandante Distrital de Marara e os Chefes do Posto Administrativo e da Localidade de Marara exigiram à JA! as suas credenciais e prova de comunicação prévia com a PRM, algo que não é exigido por lei. Além disso, vários outros membros da comunidade de Chirodzi-Nsanangue que têm levantado críticas ou questões a respeito da barragem têm reportado crescentes intimidações e ameaças desde Agosto de 2022, momento em que o governo, seus parceiros e empresas interessadas começaram a frequentar a área nesta nova etapa do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa.

Exigimos um esclarecimento do Comando Distrital de Marara, do SERNIC, do Ministério da Defesa e do Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa a respeito destas intimidações às comunidades que são ameaçadas pelo projecto de Mphanda Nkuwa: afinal é assim que se obriga o povo a aceitar os projectos de ‘desenvolvimento’?

Exigimos um pronunciamento por parte dos assessores do governo, financiadores e potenciais investidores do projecto de Mphanda Nkuwa, como o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a Associação Internacional de Hidroelectricidade (IHA), a Agência Norueguesa de Desenvolvimento (NORAD), o Reino da Noruega, o Governo da Suíça, a União Europeia (UE): estão dispostos ter o vosso nome num projecto que já está a contribuir para a violação de Direitos Humanos e liberdades fundamentais das comunidades locais?

Para mais informações, contacte: jamoz2010@gmail.com

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Processo de Reassentamento da Comunidade de Isoa – Kenmare

É sobejamente sabido que o projecto de exploração de areias pesadas da Kenmare no distrito de Larde é dos mega projectos mais antigos em Moçambique, no entanto, a presença desta multinacional no distrito de Larde em pouco tem contribuído para a melhoria de vida das comunidades afectadas pela extracção de minerais tais como o titânio e zircão nas terras das muthianas.

Em Julho deste ano a Kenmare publicou o seu relatório de contas relativo ao primeiro semestre de actividades, e no mesmo o seu Director administrativo Michael Carvill regozijou-se por ter registado um aumento de 51% dos seus dividendos intermédios no primeiro semestre em relação a igual período do ano passado.

O incremento do lucro da Kenmare deverá estar relacionado também à expansão das áreas de exploração de areias pesadas que neste momento se estende até as aldeias de Isoa. A comunidade de Isoa está sendo alvo de um processo de reassentamento, do qual pelo menos 84 famílias serão deslocadas dentro de alguns meses para a nova vila de reassentamento em Naholoco, processo este que decorre desde 2019, altura em que a comunidade foi oficialmente informada sobre a necessidade de ser transferida. Apesar dos processos de consulta pública não terem tido desfechos consensuais, uma vez que as comunidades não têm ainda esclarecidas as questões relacionadas às compensações de culturas, nova área de machambas e não estarem de acordo com a compensação para as novas famílias.

Todas estas questões tem sido um processo de resolução bastante moroso, diferente do processo de construção das casas que avança a largos passos para o fim, por tratar-se de um interesse que somentebeneficia a própria Kenmare.

Há cerca de 15 anos que a Kenmare tem vindo a explorar areias pesadas em Moma, no entanto o impacto social positivo da presença da multinacional naquele ponto do País, é praticamente nula pois pode-se notar uma clara falta de conexão entre o projecto e as economias que a rodeiam. A Kenmare é uma ilha no distrito de Larde, naquele distrito não existe sequer uma bomba de combustível, ou um banco, a via de acesso de Nampula a Larde é bastante precária, para não falarmos da ponte de conexão entre a Vila de Topuito e a sede do distrito de Larde que faz parte de mais uma das promessas feitas sem intenção de cumprir por parte dos governos que por lá passaram.

Mphanda Nkuwa, a caça às bruxas e um governo sem ouvidos

Após a sua fase ‘fantasma’ entre 2018 e 2021, período em que o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK) já havia sido criado mas ninguém o encontrava (nem o próprio MIREME), ao longo do último ano, o GMNK tem feito questão de comunicar efusivamente vários avanços do projecto. A maioria destas notícias dizem respeito a novos parceiros, potenciais financiadores, e concursos para estudos necessários às diferentes etapas do projecto. O Jornal Notícias de 14 de Setembro de 2022 trouxe, no entanto, uma reportagem inédita sobre um tema que até então tinha sido tratado como tabu pelo nosso governo: a opinião das comunidades locais a respeito do projecto.

Intitulado ‘Comunidades dizem sim a Mphanda Nkuwa’, o artigo do Notícias relata que a população de Chirodzi-Nsanangue, uma das localidades que será reassentada para dar lugar ao projecto, vê com bons olhos a construção desta barragem. Várias informações contidas nesta notícia, e numa reportagem semelhante feita pela TVM no dia 07 do mesmo mês, levantam algumas questões que merecem ser debatidas e problematizadas.

Uma visita de médico

O artigo e a reportagem acima referidos foram produzidos no âmbito da primeira reunião do GMNK (acompanhados pelos seus consultores) com a comunidade de Chirodzi desde a revitalização do projecto em 2018.

Coincidência ou não, esta visita do GMNK a Chirodzi surge poucas semanas depois do evento de lançamento do estudo ‘Barragem de Mphanda Nkuwa: um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique’, que teve lugar no dia 21 de Julho, evento durante o qual o Director do GMNK foi questionado por alguns membros da comunidade que procuraram saber por que razão ainda não tinha sido realizada nenhuma reunião com as comunidades locais desde a revitalização do projecto. O Director Carlos Yum foi igualmente questionado, nesta mesma ocasião, por membros das comunidades locais a respeito dos benefícios do projecto para as comunidades locais, a respeito da manutenção das suas actividades de subsistência (pesca, pecuária e agricultura) e a respeito da terra que seria disponibilizada para o seu reassentamento. Algumas das respostas dadas pelo Director do GMNK foram consideradas ‘desrespeitosas’ pelas pessoas que assistiam ao evento, por ter afirmado que as populações locais não se devem focar apenas nos benefícios individuais, e sim acreditar nos benefícios ‘macroeconómicos’ que o projecto irá trazer para o país. A maioria das questões colocadas pelas comunidades locais foi respondida de forma evasiva, ambígua ou pouco clara pelo Director, desperdiçando uma oportunidade de finalmente esclarecer algumas das questões que têm afligido estas pessoas.

Esta menção aos benefícios macroeconómicos do projecto e a desconsideração pelas inquietudes das populações locais alinha-se com um conceito que tem sido apresentado por vários estudiosos e especialistas, em que chamam de ‘zonas de sacrifício’ àquelas regiões que são fustigadas por elevados impactos ambientais e sociais devido à existência de indústrias poluidoras ou outros megaprojectos, projectos estes que costumam ser justificados por um alegado ‘bem maior’ que supostamente beneficiará o país como um todo. Alguns sociólogos têm observado que a existência de zonas de sacrifício é tornada possível por uma cultura de vulnerabilização dos direitos humanos e ambientais de populações marginalizadas ou desfavorecidas, através da qual fica evidente que algumas pessoas têm direitos e privilégios, e outras sofrem os impactos.

Voltando à reunião do dia 07, importa referir que esta realizou-se em pleno feriado do dia da Vitória, num dia de festa na comunidade, o que por si só já é bastante inusitado. A JA! esteve presente na reunião que não durou mais que 15 minutos, e consistiu na fala de apenas uma pessoa, o representante do GMNK. Das várias comunidades que serão afectadas pelo projecto, apenas a comunidade de Chirodzi-Nsanangue (sede) estava presente, e não foram convidadas outras comunidades (tampouco os seus líderes), como os Bairros 1 a 6 de Chirodzi, Chococoma, Luzinga, entre outras. Não foi dado espaço para perguntas, comentários ou questões que a comunidade pudesse ter, nem tampouco foram recolhidas as suas preocupações: ninguém teve direito a falar além do GMNK. Conforme observámos no terreno, e segundo relatos que recebemos de vários membros da comunidade, esta primeira visita do GMNK a Chirodzi parecia ter apenas dois objectivos: informar a comunidade que o projecto está a avançar a todo o vapor; e produzir reportagens para dizer ao resto do país que as comunidades apoiam o projecto.

O cerco à sociedade civil

Tanto o artigo do Notícias como a reportagem da TVM, meios de comunicação conhecidos por estarem alinhados aos interesses e agenda do nosso governo, afirmaram ainda haver algumas ONGs que têm estado a instrumentalizar as comunidades para que não aceitem o projecto de Mphanda Nkuwa.

Ora, a Justiça Ambiental está a trabalhar há 22 anos com comunidades na região, com visitas e actividades regulares mesmo em fases ‘adormecidas’ do projecto, e nunca tivemos conhecimento ou nos cruzámos com tais organizações. É realmente deplorável que algumas organizações da sociedade civil tenham tendência a lidar com as comunidades locais como se fossem sua propriedade, falando em seu nome e controlando as suas opiniões, mas não tinhamos conhecimento de que isto pudesse estar a acontecer em Chirodzi.

No entanto, esta perseguição a organizações que criticam projectos ditos de desenvolvimento já é bem conhecida. São referidas como organizações anti-patrióticas, anti-desenvolvimento, ou mesmo terroristas. Agora, o governo prepara-se para fechar ainda mais o cerco à sociedade civil, tentando aprovar uma lei altamente controversa que atribui ao governo excessivos poderes, incluindo o de extinguir organizações sem fins lucrativos por não apresentarem relatórios das suas actividades. É fácil de imaginar que tipo de organizações seriam as primeiras a sofrer tais represálias.

É que certas verdades a respeito destes megaprojectos – os seus impactos no meio ambiente, as péssimas condições em que costumam ser reassentadas as comunidades locais, ou como as promessas de emprego acabam por nunca se concretizarem – não convém (ao governo) que sejam ditas em voz alta. E se as pessoas descobrem que as palavras ditas nas consultas comunitárias só servem para as convencer a aceitar o projecto? Pior, e se decidem se organizar para que o projecto avance apenas mediante as suas exigências, respeitando as suas vontades, e garantindo que estas se beneficiam verdadeiramente dele?

Comunidades acusam de manipulação de informação

Estando presente na região desde 2000, e tendo cultivado uma relação de amizade e solidariedade com estas comunidades que se manteve mesmo quando o projecto parecia ter sido engavetado, a JA! tem recebido inúmeros pedidos de apoio, capacitação legal e aconselhamento por parte das pessoas que temem pela perda das suas terras com a chegada da barragem. A actuação da JA! nesta e em outras comunidades ameaçadas ou afectadas por megaprojectos tem-se baseado na partilha de informações e intercâmbio de experiências sobre os impactos ambientais e sociais deste tipo de projectos, em acções de empoderamento e capacitação legal para que as comunidades sejam capazes de defender os seus direitos e negociar os termos em que concordam (ou não) em ceder as suas terras, e em actividades que buscam elevar a voz e dar a conhecer as inquietudes das comunidades locais através de entrevistas, vídeos e artigos.

Quando o Jornal Notícias de 14 de Setembro chegou a Chirodzi e arredores, causou muita indignação no seio da comunidade. A equipa da JA começou a receber telefonemas, SMS e vídeos de vários membros das comunidades a expressar o seu descontentamento pela informação ali retratada, e a acusar o Notícias de manipular a informação, de espalhar mentiras e de não ter perguntado à comunidade o que realmente pensa do projecto. Várias famílias de dois dos bairros ameaçados pela barragem juntaram-se num abaixo assinado onde pedem para que algum meio de comunicação que seja íntegro, imparcial e independente do governo se dirija a Chirodzi e demais comunidades com o objectivo de colher as opiniões reais das comunidades. Esta avalanche de indignação parece confirmar o que a JA! observou no terreno: que não houve interesse por parte do GMNK em ouvir e dar a conhecer a opinião real das comunidades locais a respeito deste projecto.

Direitos, justiça e caminhos para a paz

Não nos importa trazer para aqui os inúmeros riscos e potenciais impactos que temos vindo a apontar ao longo dos últimos 22 anos, e que têm sido negligenciados em todas as etapas do projecto. Nem tampouco cabe à JA! esclarecer se a comunidade está a favor ou contra o projecto. Cabe-nos, sim, como organização da sociedade civil, apresentar a nossa posição, fundamentá-la e trazê-la para debate no espaço público, com o governo, com os actores envolvidos, com as comunidades locais, pressionando por respostas e políticas que respondam aos problemas que enfrentamos como sociedade.

A pergunta que se coloca neste momento é outra: por que razão o governo insiste em não ouvir as comunidades locais, que serão afectadas pelo projecto de Mphanda Nkuwa? Por que insiste em menosprezar as suas preocupações, e mascará-las com um grande aparato mediático, para dar a entender que o projecto está a avançar com o apoio local? Se as comunidades locais colocarem as suas exigências e demandas que devem ser atendidas para o avanço do projecto, estas serão respeitadas e cumpridas? E se as comunidades disserem que se opõem ao projecto nos seus moldes actuais, e reivindicarem o seu direito a dizer que não, o governo estará disposto a ouvi-las?

Acreditamos que o exercício do diálogo, e uma ampla participação da sociedade civil neste tipo de questões, podem contribuir para começarmos a enveredar por um modelo de desenvolvimento que atenda às necessidades e vontades da maioria da população, e consequentemente reduza as tensões sociais e as guerras que temos no nosso país, provocadas também pela exclusão da maioria da população dos processos de tomada de decisão.

O caminho que temos vindo a percorrer, como país, não serve nem beneficia o povo. O ataque às organizações da sociedade civil e a qualquer voz crítica reflecte a falta de compromisso que o nosso governo tem com a democracia e com a ampla participação pública. É urgente traçarmos novos caminhos, que nos conduzam à paz e a um projecto de país do qual tenhamos orgulho – algo radicalmente diferente do que vivemos hoje.

*Este artigo foi originalmente publicado no Jornal Savana de 30 de Setembro de 2022

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA NA SEMANA DE ACÇÃO DA ÁFRICA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA 2022

Comunidades africanas levantam suas vozes contra a privatização da água

As comunidades afectadas e aquelas sob ameaça de privatização da água em toda a África pediram aos governos africanos que abandonem a privatização da água e devolvam os sistemas de água privatizados às localidades para uma gestão acessível e equitativa. Comunidades locais na Nigéria, Moçambique, Senegal, Gana, Camarões, Quênia, Gabão, Uganda e uma série de outros países africanos estão fazendo disso sua demanda principal ao marcar a segunda edição da Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, que acontece de 11 -14 de Outubro de 2022 para coincidir com as reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

As comunidades, trabalhando em colaboração com a sociedade civil e grupos trabalhistas sob a égide da “Coligação, Nossa Água, Nosso Direito” estão a realizar reuniões municipais, compromissos comunitários, colectivas de imprensa, marchas de protesto, reuniões com formuladores de políticas e uma série de compromissos para enfatizar sua oposição aos esquemas de privatização da água e à mercantilização da água, promovidos pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais, que continuam a privar as comunidades de seu direito à existência. Em algumas comunidades, o preço da água está fora do alcance dos habitantes locais, forçando mulheres e raparigas a caminharem quilómetros, inclusive expondo-as a perigos para obter água para necessidades básicas.

As comunidades, trabalhando em conjunto com a sociedade civil e sindicatos de trabalhadores, insistem que, embora a água continue sendo uma das necessidades mais fundamentais para a vida, corporações gigantes como Veolia e Suez, apoiadas por instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial, estão explorando essa necessidade básica tentando privatizar a água em todo o continente africano, ameaçando deixar milhões de pessoas em comunidades sofrendo sem água.

Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo de Responsabilidade Corporativa e Participação Pública da África (CAPPA), explicando o significado da comemoração de 2022, disse:

“Quando as comunidades forem privadas de um direito básico que garante sua existência e o vínculo que as manteve conectadas à sua cultura e espiritualidade por gerações, acabará por deixar de existir. É por isso que as comunidades estão a liderar o movimento de resistência ao que as corporações como a Veolia e instituições do Banco Mundial estão comercializando no continente africano. Mas a mensagem é clara. Não queremos que os nossos sistemas de água sejam privatizados”

Sobre os impactos da privatização da água nas comunidades, Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental – Friends of the Earth Moçambique disse:

Se o governo decidir usar a água para construir uma barragem, ou desviar um curso natural da água para alguma empresa de agronegócio, ou de mineração de carvão e de outros tipos de recursos naturais e esta empresa precisar de uma grande quantidade de água, o governo permitirá, infelizmente, prioriza-se sempre o crescimento económico, o lucro e as corporações. As grandes empresas têm sempre a vantagem sobre as necessidades de sobrevivência das nossas comunidades. Pessoas, ecossistemas e biodiversidade não têm os mesmos direitos que as corporações, por isso consideramos ter chegado o momento das comunidades dizerem BASTA à privatização da água nas suas diferentes formas de actuação.”

A primeira Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, realizada de 11 a 15 de Outubro de 2021, foi liderada pela sociedade civil e grupos trabalhistas no continente. O ponto alto foi o lançamento de um relatório – África Precisa Levantar-se e Resistir a Privatização da Água – que detalha como a privatização se tornou a ameaça mais potente ao direito humano à água dos africanos. Ele cita os fracassos da privatização da água nos Estados Unidos, Chile e França como lições para os governos africanos sendo pressionados pelo Banco Mundial e uma série de instituições financeiras multilaterais a seguir o caminho da privatização. As versões em português e francês do relatório serão divulgadas em uma coletiva de imprensa em 11 de Outubro, onde histórias e realidades das comunidades africanas serão apresentadas em vídeos para iniciar a semana de acção.

Uma das principais demandas das comunidades é que seus governos suspendam os planos de privatização e, em vez disso, invistam em sistemas públicos de água que incluam participação pública significativa na governação da água, com foco particular nas perspectivas daqueles que normalmente ficam de fora dos processos de tomada de decisão, incluindo, mas não limitado a mulheres, pessoas de baixa renda e comunidades rurais.

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Parem com o Gás no Continente!- COMUNICADO DA CONFERÊNCIA OILWATCH AFRICA, 2022

A Oilwatch África (OWA) realizou a Conferência e Reunião Geral Anual de 2022 em Acra, Gana, entre 8 e 12 de Agosto. O tema do encontro anual foi “Parem com o Gás no continente: Canais de Descontentamento.” A Conferência teve apresentações e a representação de OSC’s, activistas, académicos, jornalistas, pescadores e Eco-defensores, de comunidades afectadas por combustíveis fósseis por todo o continente. A Conferência providenciou também mais uma oportunidade de aprofundar a missão da OWA, como uma rede de pessoas e organizações para a construção de solidariedade em prol do fim da expansão das actividades de gás e petróleo, devido aos seus impactos negativos nas pessoas e meio-ambiente em África.

Algumas das principais observações feitas pelos delegados incluíram os seguintes aspectos:

  • Que a actual corrida aos recursos de petróleo, gás e minerais de África, equivale a uma perpetuação dos modelos extractivos de exploração colonial, o mesmo modelo que condenou o continente ao comércio predatório de escravos, seguido da violação maciça de recursos agrícolas e florestais, antes da actual iteração com o foco nos minerais e combustíveis fósseis.
  • Que o argumento de que a África merece utilizar os seus recursos naturais para suficiência energética e desenvolvimento, oculta o facto de que a extracção dos recursos naturais tem sido historicamente orientada para a exportação, em benefício das necessidades de consumo do Hemisfério Norte e dificilmente aponta para as necessidades do continente Africano. E, que a retórica dos líderes Africanos de que os combustíveis fósseis poderiam ser utilizados pelo continente como um combustível de transição “menos prejudicial”, é uma ilusão, porque o gás contribúi massivamente para alterações climáticas, devido ao seu teor de metano.
  • Que o financiamento e desenvolvimento contínuo de grandes projectos de gasodutos, tais como o projecto do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), o Projecto de Gasoduto da África Ocidental WAGP, e o Gasoduto Trans-Sahariano, entre outros, constituem uma agressão aos Direitos da Terra das comunidades e, representam perturbações maciças dos meios de subsistência, conflitos, violações dos Direitos Humanos e degradação ambiental em todo o continente.
  • Que a tendência actual em que as companhias multinacionais de petróleo e gás vendem as suas acções, em activos de petróleo e gás em terra e se deslocam para fora dos países Africanos, ou para mais longe da costa, equivale a uma renúncia à responsabilidade por danos históricos causados pelas suas actividades nesses mesmos países.
  • Que o Acordo de Paris e a sua meta de 1.5 graus celcius, impulsionado pelas chamadas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND), é uma enorme traição para África, uma vez que o continente aquece cerca de 50% acima da média global, o que significa que, seguindo as CND’s, no melhor dos cenários, África está literalmente condenada a arder.
  • Que África é rica em energias renováveis e que obtém a crescente competitividade das tecnologias de energia limpa e o potencial de fazer avançar a sua transição energética por uma via de carbono zero. A propósito, África tem o potencial solar mais elevado do mundo, mas é actualmente responsável por apenas um.
  • Que os países industrializados têm demonstrado insinceridade ao gastar, sistemáticamente, cerca de 2 triliões de dólares anuais em equipamento militar e de guerra, ao mesmo tempo que arrastam o passo quanto aos compromissos climáticos, especialmente o do financiamento da adaptação.
  • Que as normas emergentes de política global e regional, em torno de uma chamada revolução da economia azul, constituem uma enorme ameaça para os recursos marítimos e aquáticos das comunidades costeiras africanas, assim como para o meio-ambiente do continente e, irão incentivar ainda mais a pesca ilegal e excessiva nas suas águas.
  • Que tem havido um aumento da vitimização dos Eco-defensores, em todo o continente, pelas companhias petrolíferas e seus colaboradores estatais, e que este clima repressivo tem sido agravado nos últimos tempos pela proliferação das chamadas reformas regulatórias do petróleo e gás (como a Lei da Indústria Petrolífera da Nigéria de 2021) que diminuem o espaço cívico, ao constranger a voz e a agência das comunidades afectadas pela extracção, na tomada de decisões relacionadas com os seus recursos naturais e ambiente.

A Oilwatch Africa denunciou os esforços para encurralar África no caminho da exploração dos combustíveis fósseis, para satisfazer as necessidades energéticas das nações poluentes e para alimentar a ganância da indústria dos combustíveis fósseis. Para assegurar uma transição justa e justiça climática segura para os nossos povos, a conferência fez as seguintes exigências:

1. Deve haver uma interrupção de todas as novas actividades de exploração e extracção de carvão, petróleo ou gás em África, em consonância com os imperativos da transição energética. Exigimos, especificamente, a paralisação dos planos de exploração e expansão de petróleo na bacia da Virunga na RDC, na região de Keta no Gana, no Delta do Okavango no Botswana, na Bacia do Rio Orange na Namíbia, e a paralisação de todos os planos para o Projecto de Gasoduto da África Ocidental, o Projecto de Gasoduto Trans-Sahariano, e o Projecto de Gasoduto da África Oriental, entre outros.

2. Que os governos Africanos devem aproveitar o acolhimento da COP27, este ano, para exigir medidas de grande alcance no que diz respeito à adaptação climática e ao financiamento, incluindo cortes nas fontes das emissões.

3. Os governos Africanos devem exigir, dos países industrializados poluidores, uma dívida climática anual de 2 triliões de dólares, sendo este o montante que actualmente gastam em equipamento militar e guerra, anualmente. Isto pagará por perdas e danos e servirá como reparação parcial dos danos históricos.

4. Que as multinacionais de petróleo e gás, que actualmente planeam alienar e escapar à responsabilidade pelos seus danos históricos às comunidades Africanas (como a Shell e a Exxon Mobil no Delta do Níger da Nigéria), devem restaurar o ambiente e compensar as comunidades pelo ecocídio cometido nos seus territórios, antes da sua saída.

5. Os Estados Africanos devem desenvolver planos de transição de energia centrados em África, tanto onde estes ainda não existem, como onde já existem, para integrar tais planos em planos nacionais de desenvolvimento mais amplos, de modo a tomar conhecimento do enorme potencial renovável da África.

6. Os países Africanos e a União Africana, devem ter cautela com a chamada economia azul, e devem sobretudo denunciar, incondicionalmente, todas as tentativas de normalizar a Exploração Mineira do Fundo do Mar (DSM) dentro do continente.

7. Instituições Financeiras Internacionais, incluindo o Banco Africano de Desenvolvimento e agências de crédito à exportação, devem cortar todos os financiamentos a projectos de combustíveis fósseis, em África.

  1. Governos Africanos e organizações internacionais, devem respeitar o Direito à Vida, dos Direitos Humanos e dos Eco-defensores no continente, que são cada vez mais reprimidos.

Adoptado a 11 de Agosto de 2022, pelos membros e organizações da Oilwatch África:

1. Costa do Marfim

2. República Democrática do Congo

3. Gana

4. Quénia

5. Moçambique

6. Nigéria

7. Senegal

8. África do Sul

9. Sul do Sudão

10. Suazilândia/Eswatini

11. Chade

12. Togo

13. Uganda

Organizações / Redes:

1. FishNet Alliance (Aliança FishNet)

2. Policy Alert (Alerta Política)

3. We the People (Nós o Povo)

4. Peace Point Development Foundation (Fundação para o Desenvolvimento do Ponto de Paz)

5. Oilwatch Gana

6. Oil Change International (Troca de Petróleo Internacional)

7. Host Communities Network, Nigeria (Rede de Comunidades Anfitriãs, Nigéria)

8. Environmental Rights Action/Friends of the Earth Nigeria (Acção de Direitos Ambientais/Amigos da Terra Nigéria)

9. Kebetkache Women Development Centre (Centro de Desenvolvimento da Mulher, Kebetkache)

10. Foundation for Development in the Sahel (FDS) (Fundação para o Desenvolvimento no Sahel (FDS))

11. Health of Mother Earth Foundation (Fundação Saúde da Mãe Terra)

12. Africa Institute for Energy Governance (AFIEGO) (Instituto Africano de Governação da Energia (AFIEGO))

13. Jeunes Volontaires pour l’Environnement (JVE) (Jovens Voluntários pelo Ambiente)

14. Justiça Ambiental (JA)

15. Ground Work

16. Friends of Lake Turkana (Amigos do Lago Turkana)

17. Femmes Solidaire (FESO) (Mulheres em Solidariedade)

18. Centre for Research and Action on Economic, Social and Cultural Rights (CRADESC) (Centro de Investigação e Acção sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CRADESC))

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