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Sistema de Abastecimento de Água em Moçambique: Sucessivas tentativas de privatização do Sector e o Aumento das desigualdades Sociais

Em Moçambique a água não é propriedade privada do capital, porém os encaminhamentos legais apontam para essa tendência, apesar de Moçambique ser um país com diferentes fontes de água doce, os desafios de acesso à água tratada e canalizada para o consumo humano ainda constitui um grande constrangimento para uma maior abrangência dos serviços de abastecimento. No entanto, diante do período de crise de reprodução do valor em que vivemos actualmente, as soluções encontradas pelo sistema capitalista que nos rodeia passam sempre pela continuidade do processo de acumulação desenfreada e a mercantilização sobre todos os aspectos da vida social.

No nosso país em 1995 foi aprovada a Política Nacional de Água assinalando os primeiros passos rumo a privatização dos sistemas existentes na época, o que se veio a concretizar em 1998 com a privatização do sector público de abastecimento de água urbano. Através da criação do órgão criado entre 1998 e 1999, denominado Fundo de Investimento para o Abastecimento de Água (FIPAG) ao qual compete a função de atrair e gerir investimentos para a reabilitação e expansão do património de água em Moçambique e também da gestão, monitoramento e garantia do cumprimento das obrigações contratuais do operador privado em Moçambique.

Foi nestes moldes que o processo de mudança organizacional no sector público de abastecimento de água passou de gestão estatal para uma de cariz essencialmente privado (Rebelo, A.2005), gerido através da transformação da empresa estatal Aguas de Moçambique, SARL em uma empresa de gestão delegada através da cessação de exploração e de gestão, mais virada ao mercado que não requer mais cidadãos, mas sim apenas fornecedores e clientes (Zavale,2013). Já nessa época reconhecia-se o sistema de abastecimento como deficitário, daí a necessidade de uma reestruturação estabelecida através de uma parceria-público-privada (PPP) legalmente instituída em 1999.

Todo este processo foi alavancado a partir das inúmeras reformas feitas em Moçambique através do Banco Mundial que chegou a injectar 36 milhões de dólares para a melhoria dos sistemas de abastecimento de água e não só. No entanto, as experiências à volta da privatização do sector da água não tem sido positivas, quer na Europa, América ou em África, uma vez que estas tem despoletado problemas tais como: redução de postos de trabalho, diminuição de direitos e de vínculos laborais o que influencia na qualidade dos serviços prestados.

E a experiência de Moçambique não tem sido diferente, após tentativas falhadas nos últimos 20 anos, o nosso país prepara-se para uma nova era da privatização do sector da água.

Comecemos por analisar a primeira fase deste processo, em que a adesão de Moçambique ao sistema de privatização, no modelo público-privado visava a plena recuperação de custos, porém passos foram dados no sentido do estabelecimento de uma estrutura tarifária que procurava promover o equilíbrio entre os clientes com capacidade de pagamento e os sem capacidade para tal através de um sistema de subsídios cruzados onde os que supostamente tem mais recursos pagam a mais para cobrir os custos dos que tem menos recursos. Porém, o sistema de subsídios cruzado é aplicado nos locais onde os sistemas públicos de abastecimento de água conseguem fornecer o serviço. Com o crescimento populacional, novos centros habitacionais foram surgindo através de iniciativas individuais dos cidadãos face aos desafios da falta de habitação, os moçambicanos passam a privilegiar a auto-construção, fora das áreas urbanas. Assim, com vista a responder as necessidades de abastecimento de água nas novas áreas de expansão urbana, surgem de forma independente pequenos provedores privados que investem em sistemas de conexão ao lençol freático para responder as suas necessidades individuais e num sistema de apoio aos vizinhos surge uma oportunidade de negócio, e é desta forma que as alternativas de estratégia hídricas passam para incluir prestadores de serviços independentes de uma forma espontânea e sem nenhuma planificação (Matsinhe,2008). As razões para isso, foram durante muito tempo a falta de legislação e de um quadro administrativo que possa ser utilizado para conceder licenças ou regular suas actividades, o que contribui para que as suas tarifas sejam mais altas do que as tarifas normais principalmente nas cidades de Maputo e Matola o que não permite que o sistema de subsídios cruzados abranja um segmento da sociedade que busca alternativas habitacionais fora do centro da cidade.

Por outro lado, os investimentos levados a cabo pelo Fundo de Investimento para o Abastecimento de Água (FIPAG) com vista a melhoria dos serviços de abastecimento por terem em vista a recuperação dos custos de investimento tem como alvo preferencial as áreas onde as condições económicas dos clientes propiciem um rápido retorno dos gastos e onde exista uma economia de escala suficiente para gerar sustentabilidade financeira o que acentua as desigualdades sociais entre pobres e ricos que tem prioridade no acesso a água devido a capacidade de pagar pelas facturas (Uandela, 2018). Ao longo dos anos, no âmbito da implementação do Quadro da Gestão Delegada dos sistemas principais de abastecimento de água, investimentos significativos foram realizados nas

principais cidades, resultando na melhoria da qualidade e na extensão dos serviços para as áreas periféricas. Porem, os gestores dos sistemas (sejam eles públicos ou privados) não possuíam as capacidades necessárias nem a possibilidade de desenvolver sinergias com estruturas de suporte a nível mais alto, ou seja, as instituições existentes para a gestão dos serviços são descontínuas e, não se reforçam mutuamente.

Apesar destas mudanças no sistema de provimento de agua às populações, persistem as desigualdades flagrantes nos serviços de abastecimento de água e saneamento entre as pessoas que vivem nas zonas rurais e as que vivem nas zonas urbanas, razão pela qual até 2015, 49% da população moçambicana continuava sem acesso a água potável de acordo com o UNICEF. Aumentando assim o fosso de desigualdade social entre ricos e pobres potenciado pelo processo de privatização que apesar de longo e complexo e sem resultados que respondam as necessidades de uma população cada vez mais crescente.

Apesar de um progresso considerável registado ao longo dos anos, pouco menos que a metade dos moçambicanos tem acesso ao abastecimento de água melhorado e menos de um quarto (um em cinco) usa o saneamento melhorado.

Diante das falhas registadas para que o nível de cobertura de abastecimento de água em Moçambique se torne mais alargado e responda às reais necessidades da população urbana e rural, novas estratégias são avaliadas mas sempre com foco na privatização e não na construção de sinergias que permitam uma gestão pública e participativa. Neste âmbito, em 2021 foi lançado um programa de investimentos destinado a reforçar a expansão da rede de abastecimento de água nos próximos 10 anos, uma iniciativa orçada em 1,8 mil milhões de dólares. Que visa alcançar o objectivo de fornecer água a 80% da população urbana que corresponde a 5,1 milhões de pessoas, e para tal vai necessitar de 941 milhões de dólares, diante da falta deste montante para a implementação deste programa foram criadas as sociedades comerciais regionais que poderão ser adjudicadas através de concurso público, que numa primeira fase, será gerida a 100% pelo FIPAG, que venderá as suas acções até ao limite de 49% ao sector privado. Por outro lado, as concessões ao privados incluem na zona urbana o uso do sistema pré-pago da água que basicamente cancela a possibilidade de acesso à água ao pobres e dificulta o acesso às famílias não muito abastadas.

Os processos de privatização onde quer que sejam implementados valorizam sempre o princípio de maximização de lucros, descurando a real importância da água como um bem universal e como um direito humano. Por outro lado, nas zonas rurais tem-se notado um aumento de projectos de exploração de recursos naturais. Aliás, nos últimos tempos Moçambique entrou na lista dos países ricos em recursos naturais tais como carvão, ouro, areias pesadas, grafite, diamantes, gás natural entre outros. A exploração dos mesmos requer o uso excessivo de água, o que tem contribuindo para a privatização e poluição dos cursos naturais de água e como consequência há cada vez mais restrição do acesso para as comunidades que só possuíam estas fontes naturais muitas vezes impróprias para o consumo devido a falta de sistemas de canalização e tratamento. A poluição química e bloqueio protagonizadas por grandes corporações multinacionais, indústrias extrativas e de processamento, que não respeitam os padrões normativos ambientais constitui igualmente um nó de estrangulamento para as autoridades resolverem.

Lamentavelmente, a posição geográfica do nosso país coloca-nos igualmente numa situação de vulnerabilidade climática, daí sermos dos países mais propensos a catástrofes naturais que colocam-nos também com dificuldades na disponibilidade de água adequada ao consumo humano e aumentam o risco de ocorrência de doenças hídricas.

Sendo assim, diante do acima exposto precisamos chamar atenção às lideranças para os desafios de privatização em um país onde as carências de diferentes níveis ainda são alarmantes. Não podemos incorrer no risco de privatizar a terra, a água ou até mesmo o ar que são dos poucos recursos que ainda restam aos pobres para que possam ter uma sobrevivência condigna. Busquemos um desenvolvimento inclusivo e sustentável que não se deixa engolir pela acumulação de lucros sem olhar para as reais necessidades das camadas mais desfavorecidas para as quais as políticas públicas devem ser desenhadas. Apesar do licenciamento ambiental para exploração de recursos ser acompanhado de estudos de ar e de água, os quais se encontram sob a alçada de autoridades competentes, percebe-se um distanciamento das autoridades que gerem o ar e água no que concerne a monitoria, avaliação e fiscalização de impacto dos tipos de uso e de gestão da água e da poluição do ar e também da água . Apesar das auditorias periódicas aos usos de terra no âmbito dos EIA’s não se fazem sentir as actualizações relativas ao uso intensivo, a poluição química, desvio de cursos e até mesmo a proibição as comunidades de ter acesso a um bem comum. O facto de nenhum tipo de responsabilização ser atribuída as multinacionais diante de denúncias feitas demonstra uma violação das leis e dos direitos das comunidades e uma grave negligencia diante da soberania do Estado.

A privatização da água e o controlo corporativo ameaçam a paz e a estabilidade das comunidades, proclama a OWORAC no Dia Mundial da Água

Enquanto o mundo comemora o Dia Mundial da Água 2024, a Coligação Nossa Água, Nosso Direito em África (OWORAC) encoraja os governos a todos os níveis a comprometerem-se a cumprir o direito humano à água potável. A OWORAC, um grupo das organizações da sociedade civil, activistas, comunidades locais e os sindicalistas de toda a África, continuam a insistir que todas as formas de privatização da água e de controlo corporativo dos serviços de água sejam rejeitadas, por estes representarem ameaças fundamentais ao objetivo comum de acesso universal à água.

O tema deste ano, “Água para a Paz”, sublinha o reconhecimento global da água como um factor crítico para a paz e a segurança colectiva em todo o mundo. O acesso fiável a água potável, segura e acessível é essencial para a estabilidade das comunidades. Isto constitui, especialmente, uma verdade para as mulheres e as raparigas em toda a África, cuja realidade e segurança diária é profundamente ligada à disponibilidade dos serviços da água e do saneamento.

“Da Europa para a América do Norte e aqui mesmo em África, a privatização da água e o controlo corporativo da água falharam completamente com as comunidades”, diz Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo da Responsabilidade Corporativa e da Participação Pública da África (CAPPA). “O foco implacável na maximização dos lucros para alguns deixou o resto de nós para trás. O flagelo da privatização é um perigo directo para o progresso socioeconómico do povo africano e deve ser enfaticamente rejeitado de uma vez por todas.”

É inaceitável que a propagação do dispendioso serviço de água, os abusos laborais, os despedimentos e o abandono das infra-estruturas que frequentemente se seguem à privatização seja permitida. No entanto, apesar das evidencias esmagadoras dos danos que a privatização da água inflige às comunidades em todo o mundo, ainda continuado a ser aceitado pelos decisores.

De facto, algumas das instituições que estão a organizar as comemorações do Dia Mundial da Água este ano – como a Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa – promovem activamente o perigoso modelo de “parceria público-privada” de controlo empresarial através de fóruns e workshops anuais. “É vergonhoso que os governos e as instituições internacionais continuem a investir dinheiro, recursos e tempo na abordagem antipessoal e centrada no mercado para a prestação de serviços de água, que falhou repetidamente”, afirma Sani Baba Mohammed, Secretário Regional dos Serviços Públicos Internacionais para a África e os Países Árabes.

“Os trabalhadores são alguns dos mais afectados por estes fracassos, tanto como aqueles cuja segurança e meios de subsistência são ameaçados por cortes imprudentes, como membros das próprias comunidades que servem.”

Portanto, a OWORAC aproveita esta ocasião do Dia Mundial da Água para reafirmar as suas exigências para que os governos e os povos Africanos rejeitem a privatização da água e as chamadas “parcerias público-privadas” como soluções falsas para os desafios reais que enfrentamos. Os governos devem dedicar os fundos públicos para o serviço público e não para incentivos que atraiam as oportunistas. E, ainda mais importante, devem garantir uma participação pública significativa das comunidades, da sociedade civil e dos trabalhadores nas decisões que afectam o direito humano fundamental das pessoas à água.

Seguem abaixo as citações adicionais dos parceiros da OWORAC:

No Dia Mundial da Água, o Centro Africano de Advocacia (ACA) reitera o apelo da OWORAC para uma abordagem centrada nas pessoas para a gestão da água. A água é mais do que um bem de consumo, é a base para a paz, a saúde e o desenvolvimento sustentável em África. Exortamos os decisores a dar prioridade aos investimentos em infra-estruturas públicas de água e a empoderar as comunidades a serem administradoras dos seus recursos hídricos. Só assim poderemos conseguir “Água para a Paz” – um tema que requer tanto o acesso como a propriedade da comunidade.

Sandra Ndang, Oficial de Advocacia, Centro Africano de Advocacia, Camarões

Quer seja engolida ou aplicada na pele, a paz que apresenta ao coração e à pele não tem preço. Deixe que essa paz chegue a todos os seres humanos em todo o mundo.

Geoffrey Kabutey Ocansey, Coordenador, Rede de Cidadãos da Água – Gana

O acesso à água potável é uma componente essencial da paz sustentável no mundo. Todos devem trabalhar para preservar a qualidade dos recursos hídricos e torná-los baratos e acessíveis a todas as comunidades, especialmente as mais desfavorecidas.

Oumar Ba, Sindicato Autónomo dos Trabalhadores das Águas do Senegal

Os Camaroneses, em particular o sindicato SYNATEEC, que têm lutado incansavelmente durante vários anos contra a privatização da água potável nos Camarões, encorajam as autoridades camaronesas a continuar a apoiar a empresa de água (CAMWATER) nos seus esforços para melhorar a sua gestão, bem como o acesso das populações à água potável em qualidade e quantidade. O acesso à água de qualidade não é apenas um direito humano, mas contribui também para a paz nas comunidades e para o desenvolvimento social.

Chief Godson EWOUKEM, SYNATEEC – Sindicato Nacional Autônomo dos Trabalhadores da Energia, da Água e das Minas das Camarões

É lamentável que os governos e as instituições financeiras promovam a exclusão através de investimentos que resultam na privatização da água e que desfavorecem aos pobres do seu direito fundamental à vida. Apelamos aos governos para abandonar o incentivo à privatização que aumenta a desigualdade e agrava as tensões sociais.

Anabela Lemos, Justica Ambiental, Amigos da Terra Moçambique

COMUNICADO

Dia Internacional das Florestas: em Volta da Nova Lei Florestal

Celebra-se hoje dia 21 de Março o Dia Internacional das Florestas, uma data instituída pela resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2012, com o objectivo de consciencializar sobre a importância das florestas para a manutenção ecológica, social, cultural e económica das gerações actuais e futuras. Segundo a Global Forest Resources Assessment 2020i a área florestal tende a diminuir em todo mundo, com perda em cerca de 170 milhões de hectares de florestas nos últimos 30 anos, sendo que actualmente as florestas ocupam uma área em cerca de 4,06 mil milhões de hectares, o equivalente a 31% da superfície terrestre do globo.

Em Moçambique a área de floresta é estimada em cerca de 34 milhões de hectares, o equivalente a cerca de 43% do território nacional, no entanto, tem reduzido significativamente ao longo dos anos, com uma perda anual média de cerca de 267 029 hectares por ano, entre 2003-2016ii. As acções do Homem são as principais causas da perda de floresta em Moçambique e em todo mundo com grandes impactos sobre os ecossistemas, biodiversidade, meios de subsistência e agravamento da crise climática. Este cenário obriga a uma mudança de atitude, que deve incluir para além de medidas concretas de recuperação de áreas florestais, a implementação efectiva e o cumprimento de todos os procedimentos e normas previstas na legislação sobre a gestão florestal e não necessariamente uma reforma no quadro politico-legal.

Este ano, importa salientar que foi recentemente aprovada a Lei Florestal, Lei N0 17/2023, de 29 de Dezembro, que estabelece os princípios e normas básicas sobre a protecção, conservação e utilização dos recursos florestais. O processo de revisão da Lei de Florestas e Fauna Bravia foi bastante criticado por organizações da sociedade civil, pelo deficiente e pouco abrangente processo de consulta pública, pela limitada partilha de informação e por algumas propostas de revisão desajustadas e com implicações adversas tanto na conservação como na manutenção das florestas nativas bem como na vida das comunidades rurais que dependem directamente das florestas.

A lei florestal recentemente aprovada, traz também alguns aspectos bastantes inovadores para uma gestão efectiva do património florestal, entre estes a integração de alguns princípios fundamentais como a da continuidade ecológica dos serviços, da participação EFECTIVA das comunidades locais e da precaução, prevenção e mitigação de impactos ambientais negativos. Estes princípios incluídos na Lei podem permitir uma melhor gestão de riscos ambientais na biodiversidade e nos ecossistemas, garantir a participação efectiva e o reconhecimento do importante papel das comunidades locais, além de contribuir para a priorização do equilíbrio ecológico, uma vez que a tomada de decisões deve considerar a interacção entre os diferentes ecossistemas e a sua continuidade. A inclusão destes elementos reflecte uma certa evolução e preocupação em assegurar a efectiva participação das comunidades locais, particularmente através da inclusão do consentimento livre, prévio e informado (CLPI) no processo de tomada de decisão, uma abordagem que se espera que venha a reduzir os conflitos com as comunidades locais, pois estas detêm o direito a recusar-se a ceder a sua terra para dar lugar a investimentos ou qualquer outra decisão que possa afectar as suas terras, territórios ou meios de subsistência.

Por outro lado, apesar das inovações, a nova lei de floresta procura claramente acomodar interesses alheios às necessidades reais de Moçambique, na medida em que promove e incentiva a mercantilização da natureza, promove a comercialização de créditos de carbono provenientes das áreas de concessões florestais e de plantações de monocultura de árvores, supostamente de compensação, uma iniciativa imposta pelo ocidente para continuar a poluir com recurso aos combustíveis fosseis. A lei recentemente aprovada estabelece incentivos para o estabelecimento de plantações florestais, a vários níveis, que são na sua maioria investimentos privados, no entanto, não estabelece qualquer incentivo ou facilidades para iniciativas comunitárias, desde a criação de concessões florestais comunitárias, a por exemplo iniciativas de repovoamento e conservação florestal comunitária. Esta abordagem revela uma clara orientação para uma economia de mercado, priorizando o extractivismo verde através da exploração florestal, da expansão de plantações industriais de monocultura para fins comerciais, e da ampliação dos mercados de carbono tanto no que se refere às florestas nativas como às plantações de monocultura.

É importante salientar que a corrupção está instalada a vários níveis no sector, e é o que tem caracterizado negativamente o sector florestal em Moçambique nos últimos anos. No entanto, a recente lei não aborda de forma clara, incisiva e directa este aspecto, protegendo de certa forma os prevaricadores crónicos do sector e perpetuando as actos de corrupção no mesmo.

É fundamental uma profunda reflexão, sobre em que medida a revisão da Lei garante a proteção, conservação, manutenção e uso sustentável dos recursos florestais do país. E por fim questionamos, qual será o custo da implementação desta nova Lei Florestal e como será coberta esta despesa?

Neste dia, aproveitamos para reiterar a importância da preservação e conservação das nossas florestas nativas. Plantações de monocultura NÃO SÃO florestas!

Maputo, 21 de Março de 2024

JUSTIÇA AMBIENTAL (JA!)

Rua Willy Waddington Bairro da Coop Nr. 102 – Cidade de Maputo – Moçambique

Contactos: +258 823061275 / 843106010/ 21496668 ; E-mail: jamoz2010@gmail.com

i https://www.fao.org/3/ca8753en/ca8753en.pdf

ii MITADER (2018). Inventário Florestal Nacional. MITADER. Maputo. 118p

O que os olhos não veem o coração não sente

Em defesa do desenvolvimento sustentável, na Justiça Ambiental sempre procuramos ver o conceito de igualdade em grande escala, e assim, valorizar e assegurar os direitos das futuras gerações a um ambiente saudável e seguro. Por esta razão é que sempre advogamos contra a falsa narrativa do desenvolvimento baseada no extractivismo, que só aumenta as desigualdades sociais, a corrupção e os impactos ambientais, especialmente em contexto de aumento da frequência e da intensidade das ocorrências climáticas. Desde o boom dos recursos naturais no inicio da primeira década dos anos 2000 em Moçambique, que mantemos o nosso posicionamento, não contra o desenvolvimento, mas sim contra o extractivismo que só impulsiona a corrida desenfreada pela acumulação de capital nas mãos das elites empresariais e políticas.

Desde a criação da JA que advogamos por um modelo de desenvolvimento que não é baseado no capital e até bem poucos anos esta era uma opinião só da JA que chegou a ser apelidada de radical e contra o desenvolvimento, mas entre as várias reflexões sobre a bênção ou maldição dos recursos, nunca foi dúvida para nós que a extracção de petróleo e gás nunca foram um bom pressagio principalmente para países africanos, com estados frágeis como Moçambique.

Antes mesmo que um pingo de gás tenha sido exportado, os impactos nefastos da sua extracção já se faziam sentir nas comunidades afectadas e no país . Nas nossas visitas de campo as comunidades eram advertidas para não ouvirem as nossas “agitações” porque vem de pessoas de Maputo que não querem ver Cabo Delgado desenvolver como Maputo, mas sempre explicamos que o que nos fazia chegar a aqueles locais era a nossa preocupação como moçambicanos sobre os impactos não só a nível local mas sobre os impactos a nível nacional. E não demorou para que o escândalo das dívidas ocultas viesse à tona.

Lamentavelmente, a eclosão do conflito em Cabo Delgado tem feito com que as pessoas percebam da forma mais cruel que os benefícios do gás estão longe de mudar para melhor a vida dos milhares de moçambicanos que vivem em Cabo Delgado. A classe empresarial, que sempre olhou com bons olhos as oportunidades financeiras que a extracção poderia trazer, para além de se terem debatido por meses sobre o conteúdo local, sem nunca chegar-se a conclusões claras ou de facto benéficas para o empresariado local, hoje veem os seus negócios completamente afectados pela falta de acessibilidade aos locais e pela falta de clientela entre outros vários factores.

Razão pela qual no dia 20 de Fevereiro, o presidente da Confederação da Associações Económicas de Cabo Delgado, Mamudo Irachi, manifestou um sentimento que a nosso ver não é só o dele, mas de todo o moçambicano que tem vivido na pele as consequências de um conflito sangrento que eclodiu como um dos impactos impulsionados pela geração de expectativas de desenvolvimento trazidas pela extracção de gás e da riqueza que desta actividade poderia advir. O distanciamento da CTA central diante das declarações do presidente da CTA provincial são perfeitamente percebidas, para quem não vive de perto o terror que se vive em Cabo Delgado, com seus negócios protegidos e perto daqueles que tomam as decisões e que teimam em afirmar que a situação está sob controle, como se os milhares de deslocados estejam simplesmente a fugir de suas casas sem razão.

Quem nasceu e cresceu em Cabo Delgado, sabe que os números de mortos e de deslocados de guerra não são só números, mas sim nomes e rostos de amigos e até familiares que passam a depender de ajuda humanitária. Veem todos os dias a crueldade desta guerra com seus olhos, e sentem em seus corações suas vidas serem tragadas pelo sangue derramado nas estradas e aldeias da província. Distanciar-se do posicionamento do presidente do CTA em Cabo Delgado, é demonstrar falta de empatia pelos que vivem naquela província, demonstra frieza com a vida e foco no lucro. É caso para se dizer que o que os olhos não veem o coração não sente, uma vez que em Maputo a vida continua e os negócios avançam “normalmente”.

A retoma do projecto de exploração de gás na Bacia do Rovuma contribuem para o agravamento das tensões no teatro operativo norte, agravam os problemas na vida das comunidades e no contexto político, económico e social do nosso país. O reassentamento forçado, a perda de meios de subsistência, as violações dos direitos humanos e os conflitos fazem da nossa luta uma causa justa pela vida e pela paz.

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Dia Internacional de Acção contra as Barragens, pelos Rios, pela Água e pela Vida

Hoje, 14 de Março de 2024, dia internacional de acção contra as barragens, pelos rios, pela água e pela vida, a Justiça Ambiental junta-se às comunidades que vivem ao longo do Rio Zambeze para celebrar este que é o quarto rio mais longo de África!

Sabias que o dia 14 de Março foi celebrado pela primeira vez em 1997, em Curitiba – Brasil, durante o primeiro encontro internacional de pessoas afectadas por barragens? Desde então que é celebrado todos os anos em todos os continentes, por milhares de pessoas que defendem os rios e a vida no planeta.

Sabias que os rios são essenciais à sobrevivência das espécies e à manutenção dos ecossistemas? Os rios e seus deltas são os motores biológicos do planeta, são habitats ricos em biodiversidade. Abrigam uma variedade impressionante de espécies de plantas e animais aquáticos, muitos dos quais não são encontrados em nenhum outro lugar.

Sabias que os rios são a base de sustento de milhões de pessoas que vivem nas suas margens? A pesca e a agricultura nas margens dos rios são os principais meios de subsistência e de geração de renda de muitas famílias rurais em todo o mundo, com técnicas e tradições milenares que são passadas de geração em geração.

Sabias que os rios são uma das principais fontes de água doce do planeta? Fornecem água potável para biliões de pessoas em todo o mundo. Mas a água é um recurso vulnerável e finito, que deve ser protegido.

Sabias que os rios desempenham um papel crítico no controlo de cheias, ajudando a regular o fluxo de água durante períodos de chuvas intensas? Ao contrário do que algumas pessoas pensam, as barragens hidroeléctricas não ajudam a controlar cheias ou secas, pelo contrário, têm a tendência de exacerbá-las, como se verifica há anos a jusante da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, no Rio Zambeze. Todos os anos, populações ribeirinhas perdem as suas culturas e bens, não pelo pulsar natural do rio que inclui períodos de secas e cheias, mas pelas descargas da barragem e o fluxo artificial que esta causa.

Sabias que os rios têm uma enorme influência no clima local? Ajudam a moderar a temperatura e a humidade ao longo das suas margens, não só em áreas selvagens e rurais, mas também em áreas urbanas. Os rios são um elemento chave também na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

Sabias que os rios promovem o bem-estar humano, a cultura e a qualidade de vida? É perto dos rios onde povos e civilizações sempre se instalaram, onde celebramos os nossos rituais e práticas tradicionais, convivemos e relaxamos. Rios atravessam fronteiras, línguas, culturas. Os rios conectam-nos, as barragens dividem-nos!

Sabias que os rios são dos habitats naturais mais ameaçados no planeta? Os rios são ecossistemas frágeis e que devem ser protegidos. Um terço das espécies de água doce estão em risco de desaparecerem para sempre. A poluição e as barragens são dois dos factores que mais contribuem para este declínio.

Sabias que a preservação dos rios é fundamental para manter viva a história e a cultura de muitos povos? Muitos povos têm a sua cultura intrinsecamente ligada ao rio que os banha, e os rituais tradicionais não só dependem da proximidade ao rio como são, muitas vezes, uma forma de reverenciá-lo e protegê-lo. Um destes povos ribeirinhos é o povo nyungwe, que vive nas margens do Zambeze em Moçambique.

Sabias que as barragens hidroeléctricas não são energia limpa? Ao contrário do que é promovido pela indústria de barragens, estas infraestruturas emitem grandes quantidades de metano (um gás de efeito de estufa potente), devido à acumulação de matéria orgânica nos seus reservatórios, que acaba por se decompor. Sem a barragem, esta matéria orgânica fluiria livremente até ao delta, contribuindo para a sua fertilidade. Além das emissões, as barragens são também um meio de expansão progressiva de espécies invasoras (como algas tóxicas e parasitas), alterando o equilíbrio ecossistémico do rio.

Sabias que alguns dos países que mais contruíram barragens, estão neste momento a demoli-las? Um total de 2.119 barragens já foram removidas nos Estados Unidos da América desde 1912, com 80 a serem removidas só em 2023! Esta iniciativa visa restaurar o fluxo natural dos rios e proteger o seu precioso ecossistema. Infelizmente, muitos dos países que estão empenhados em demolir barragens nos seus territórios, promovem a sua construção em outros países, como é o caso da França.

Sabias que os rios são um bem comum? Os rios fazem parte do património da humanidade. Não pertencem a ninguém, nem a nenhum Estado – os Estados são apenas guardiães desse património. Ao mesmo tempo, os rios pertencem a todas e todos nós!

Hoje e sempre, reiteramos a nossa luta em defesa de rios saudáveis e que fluem livremente: NÃO à barragem de Mphanda Nkuwa! Pela sobrevivência do Rio Zambeze, seus ecossistemas e suas gentes!

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Dia Internacional da Mulher

Hoje, 8 de Março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher, celebra-se a mobilização política, as muitas lutas e conquistas femininas ao longo do último século. Apesar de importantes conquistas, o dia deve continuar a ser um importante momento de reflexão e de luta contínua: contra o patriarcado, contra o capitalismo, contra a violência baseada no género e contra todas as formas de opressão e discriminação que ainda persistem.

De acordo com um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP, 2023) mais de metade da população moçambicana é composta por mulheres, destas cerca de 85,4% estão disponíveis para o mercado de trabalho. No entanto, destas, mais de 90% encontram-se no sector informal, agrícola e comercial, com um elevado grau de precariedade, empregos temporários, baixo nível de protecção social e legal, rendimentos baixos e instáveis.

Este cenário resulta de vários factores, mas principalmente do baixo acesso das meninas e mulheres à educação, da persistente manutenção do papel tradicional da mulher como sendo subserviente ao homem. Apesar dos vários instrumentos e iniciativas que visam a protecção e emancipação das mulheres e a promoção da igualdade de direitos e deveres, até hoje a sociedade moçambicana não reserva os mesmos direitos para homens e mulheres. Verifica-se ainda um alarmante índice de violência contra a mulher, enraizado no entendimento social do papel de submissão e sujeição da mulher.

As guerras, os conflitos armados, os deslocamentos forçados, os eventos climáticos extremos, a perda de terra e de meios de subsistência, afectam as mulheres e raparigas de forma diferenciada e mais acentuada, pela vulnerabilidade provocada pelo papel que normalmente desempenham. Este é o cenário que se vive em Moçambique. Por um lado, o conflito em Cabo Delgado tem sido particularmente cruel e impactante sobre as mulheres e crianças, o número de deslocados por este conflito aumenta a cada dia e não há ainda solução à vista nem tão pouco parece haver vontade política para prestar a devida assistência e cuidados aos deslocados. Por outro, e directamente ligado a este, a aposta no desenvolvimento extractivista e nos megaprojectos liderados por empresas transnacionais não tem contribuído para redução da pobreza, não tem contribuído para melhores condições de vida para a população, e tem na realidade agravado a vulnerabilidade e a situação de pobreza de grande parte da população, particularmente mulheres e grupos mais vulneráveis, levando a deslocamentos forçados, perda de terra e meios de subsistência, violência e assédio sexual.

Que o Dia Internacional das Mulheres sirva para uma profunda reflexão, que não seja usado uma vez mais para cerimónias vazias de sentimento, vazias de justiça que servem apenas para fazer de conta que os inúmeros desafios que as mulheres enfrentam todos os dias em todo o mundo estão realmente na agenda global. Celebramos o dia em solidariedade com todas e tantas mulheres deslocadas por guerras e conflitos alimentados pela ganância de alguns, em solidariedade com todas as mulheres que lutam hoje e sempre por manter os seus territórios e meios de subsistência!!!

“Que nada nos limite,

que nada nos defina,

que nada nos sujeite.

Que a liberdade seja

Nossa própria substância”

Simone de Beauvoir

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Financiamento público Sul-Africano do Projecto de Gás Natural Liquefeito de Moçambique

O relatório analisou o papel das instituições financeiras de desenvolvimento Sul-Africanas no apoio a um projecto que já teve graves impactos sociais e ambientais negativos e que é improvável que traga grandes benefícios económicos a Moçambique.

O relatório afirma que, se certos riscos económicos se concretizarem, “Moçambique provavelmente cairá numa espiral de dívida, que fará com que não seja capaz de cumprir com as suas obrigações no pagamento da dívida ou de obter novos fundos porque os custos dos empréstimos, são simplesmente, demasiado elevados. Levando provávelmente a um incumprimento da sua dívida soberana, com consequências catastróficas para o cidadão comum Moçambicano”.

O Projecto Moçambique GNL é o maior investimento estrangeiro em Moçambique e um dos maiores em África. Está situado na parte mais a Norte de Moçambique, na Província de Cabo Delgado, actualmente em conflito. Teve início em 2010, quando foram encontradas valiosas reservas de gás em alto mar na Bacia do Rovuma, numa área demarcada designada por Área 1. Para além dos direitos em alto mar, foram também atribuídos ao Projecto cerca de 7.000 ha em terra na Península de Afungi para operações, habitação e indústrias de apoio. O Projecto Moçambique GNL é detido por sete empresas, sendo que a empresa francesa TotalEnergies detém a maior quota de 26,5% e actua como operadora do projecto desde 2019.

Ao longo do desenvolvimento do projecto, têm sido levantadas preocupações sobre se este trará benefícios reais para a população e a economia de Moçambique. Os impactos devastadores já são evidentes e prevê-se um agravamento.

Já são visíveis os vários impactos e implicações económicas relacionados com o projecto. O relatório refere-se a provas da “maldição prévia à exploração dos recursos” e, especificamente, ao “escândalo da dívida oculta” de Moçambique, e à corrupção. São levantadas preocupações significativas relativamente aos benefícios esperados do projecto, nomeadamente:

– As receitas fiscais provenientes da extração de gás são muito sobrestimadas pelo governo Moçambicano e é provável que estas receitas só se verifiquem depois de 2040;

-É improvável que o gás seja um combustível de transição eficaz por uma série de razões, que afectarão a procura e o preço;

-Os acordos de Resolução de Litígios entre Investidores e Estados (ISDS) colocam Moçambique em risco devido ao compromisso de cobrir os custos dos projectos ou compensar a perda de receitas sob certas condições. Em particular, limitam a capacidade de Moçambique de introduzir regulamentos mais rigorosos ou adoptar políticas mais favoráveis ao clima;

– O Tratado bilateral de investimento com a França inibe a adopção de políticas favoráveis ao clima em Moçambique.

“É também de notar que não há garantias de que os preços do GNL se mantenham a um nível que torne a extracção economicamente viável. Assim, as flutuações do preço do gás não só ameaçam os investimentos em si, mas também a estabilidade macroeconómica de todo o país, dada a escala dos investimentos, os ganhos esperados e o reembolso da dívida. Além disso, se a procura de gás diminuir por não ser utilizado como “combustível de transição”, é provável que as receitas previstas sejam inferiores, ou mesmo irrisórias em relação às previstas.”

O relatório apresenta uma visão geral dos danos/impactos/alterações já irreversíveis na paisagem e nas estruturas sociais da região. Os impactos sociais incluem: expropriação de terras; insurreição violenta; militarização; e opressão mediática e civil. Preveem-se impactos ambientais locais e globais consideráveis, incluindo um impacto pior do que o previsto nas emissões de carbono.

“O projecto TotalEnergies GNL em Moçambique ilustra perfeitamente como a contínua busca imprudente de combustíveis fósseis é uma maldição para aqueles que têm de viver com as consequências – a nível regional, nacional e internacional.”

Significativamente, as próprias reservas de gás de Moçambique não estarão disponíveis para o desenvolvimento do seu próprio povo e economia. Tal como referido no relatório, 90% do gás produzido destina-se à exportação através de acordos de longo prazo: “De facto, o projecto foi, em certa medida, financeiramente desarticulado através da assinatura de numerosos acordos de compra com grandes empresas mundiais de petróleo e gás.”

Anteriormente, previa-se que o projecto produzisse a partir de 2024, mas foi interrompido em abril de 2021 devido à violência na região. A insurreição violenta surgiu na província de Cabo Delgado em 2017 e mais de 3000 pessoas foram mortas e, mais de um milhão de pessoas foram deslocadas entre 2017 e 2021. As raízes do conflito são complexas e a exploração de gás exacerbou as tensões pré-existentes.

Num ataque devastador à Vila de Palma em Março/Abril de 2021, centenas, se não milhares, de pessoas foram mortas e dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas. A TotalEnergies declarou força maior no projecto Moçambique GNL e encerrou-o efectivamente. As forças militares e de segurança destacadas por Moçambique e por outros países da SADC trouxeram alguma estabilidade à região, mas também introduziram novas vagas de brutalidade contra civis. Em abril de 2023, o Presidente de Moçambique declarou que era seguro retomar as operações e, no final de 2023, a TotalEnergies declarou a sua intenção de retomar as operações no início de 2024.

É neste momento, e à luz dos atrasos e dos graves impactos do projecto, que se apela aos institutos Sul-Africanos de financiamento do desenvolvimento, para que reconsiderem o seu apoio ao projecto.

A Área 1 da Bacia do Rovuma é propriedade de um consórcio de empresas.

ProprietárioQuota-parte
TotalEnergies (França)26.50
ENH (Moçambique)15
Mitsu (Japão)20
ONGC Videsh Ltd (India)10
Beas Mozambique Rovuma Energy Ltd (India)10
BPRL Ventures Mozambique BV (India)10
PTTEP Mozambique Area 1 Limited (Tailandia)8.5

“A TotalEnergies anunciou em 2020 que foram angariados 14,9 mil milhões de dólares para o projecto em financiamento da dívida proveniente de oito agências de crédito à exportação, 19 bancos comerciais e do Banco Africano de Desenvolvimento (400 milhões de dólares) e do DBSA.” Destes, 1,035 mil milhões de dólares foram comprometidos por bancos comerciais Sul Africanos, sendo o Standard Bank South Africa “o maior credor comercial individual do projecto”.

Três instituições públicas Sul-Africanas forneceram financiamento ao projecto em 2019 e 2020, num total de 1 220 mil milhões de dólares:

– Corporação de Desenvolvimento Industrial (IDC);

– Banco de Desenvolvimento da África Austral (DBSA); e

– Corporação de Seguros de Crédito à Exportação da África do Sul (ECIC)

Empresa públicaMontante investido $ milhõesData do investimento
Banco de Desenvolvimento da África Austral120Julho 2020
Corporação de Desenvolvimento Industrial300Agosto 2019
Corporação de Seguros de Crédito à Exportação da África do Sul8002020

Cada um dos três institutos Sul-Africanos de financiamento do desenvolvimento aplicam directrizes/quadros/códigos de conduta rigorosos na sua tomada de decisões sobre os projectos que financiam. No entanto, o relatório argumenta que: “Dadas todas as questões económicas, sociais, políticas e ambientais pré-existentes em Cabo Delgado antes dos investimentos terem sido feitos, e os numerosos riscos económicos, sociais, políticos e ambientais associados ao investimento, parece altamente improvável que a decisão de investir na TotalEnergies GNL tenha sido consistente com as normas que alegadamente orientam as decisões de investimento das IFDs Sul-Africanos.”

O relatório recomenda: “As IFDs que continuam a financiar o projecto devem reavaliar urgentemente o seu apoio à luz dos actuais factores económicos, políticos e sociais de conflito na região.”

O relatório apela às IFDs Sul-Africanas que:

– “assumam compromissos concretos no sentido de cessar novos investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis e em todas as actividades associadas”;

– “levem muito mais a sério as suas responsabilidades em termos de responsabilidade pública e abandonem a sua cultura de secretismo”;

– “redirecionem o seu financiamento do GNL para apoiar o fornecimento de centrais de energia renovável à escala dos serviços públicos em Moçambique. Devem ser explorados modelos de propriedade comunitária”.

O relatório apela também aos países do Norte Global para que “parem com qualquer exploração e extracção de combustíveis fósseis nos seus respectivos territórios”,

O relatório é publicado pela Fair Finance Southern Africa: https://www.fairfinancesouthernafrica.org/mozambique-gas-case-study/

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Biliões de dólares em risco: resolução de litígios investidor-Estado (ISDS) no sector de combustíveis fósseis em Moçambique

Publicado por Columbia Center on Sustainable Investment, Fevereiro de 2024

Salvatore e Gubeissi, “Biliões de dólares em risco: resolução de litígios investidor-Estado (ISDS) no sector de combustíveis fósseis em Moçambique”, Janeiro de 2024, Columbia Center on Sustainable Investment

Principais conclusões

Moçambique é dotado de vastos recursos naturais não explorados, particularmente gás e carvão. A aposta do país no crescimento económico baseado nos combustíveis fósseis acarreta riscos económicos significativos e afasta investimentos no enorme potencial de energias renováveis do país.

Moçambique enfrenta um risco económico substancial devido à sua exposição a reivindicações de resolução de litígios investidor-Estado (ISDS) por parte de investidores estrangeiros nos sectores do carvão, petróleo e gás. As cláusulas que oferecem protecções aos investimentos nos acordos e contratos internacionais de investimento do país, combinadas com o ISDS, expõem Moçambique a passivos financeiros de vários milhares de milhões de dólares. Mesmo estimativas conservadoras mostram que as potenciais responsabilidades ISDS de projectos de petróleo e gás cobririam quase uma década das despesas do governo de Moçambique com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Os acordos internacionais de investimento de Moçambique e os contratos de petróleo, gás e carvão disponíveis ao público permitem que os investidores estrangeiros contornem o sistema judicial nacional e apresentem queixas multimilionárias ao abrigo do ISDS contra o Estado Moçambicano. Estas acções podem resultar em custos significativos para o país e têm também um efeito inibidor considerável sobre qualquer nova regulamentação de interesse público em áreas como a saúde, o ambiente, os direitos da comunidade ou a protecção do trabalhador. O ISDS pode minar as tentativas de avançar com legislação que almeje abandonar os combustíveis fósseis e atingir os ODS. Este regime pode, por conseguinte, contribuir para manter o país numa economia com elevado teor de carbono.

Além disso, várias cláusulas de estabilização nos contratos analisados prendem as operações a regimes legais e fiscais específicos durante o período de vigência dos contratos. As cláusulas de estabilização protegem os investimentos de alterações regulamentares inesperadas ou de novas regras fiscais. Se um Estado anfitrião introduzir essas alterações, as cláusulas de estabilização permitem que os investidores exijam medidas ou compensações que garantam a mesma rentabilidade na ausência de tais alterações. Estas cláusulas exacerbam assim os limites – e o efeito inibidor – da regulamentação de interesse público dos Estados.

Moçambique e outros países podem tomar medidas para remover o ISDS dos seus contratos e tratados, substituindo este mecanismo por mecanismos alternativos de resolução de litígios. Podem também tomar medidas para terminar os acordos de investimento em vigor. Os países de origem dos investidores estrangeiros em Moçambique têm a responsabilidade de apoiar tais acções, especialmente porque eles próprios vêm retirando o ISDS dos seus tratados.

Para ter acesso a este estudo completo, na versão original em inglês, por favor acesse ao site:

Brevemente a versão em português estará disponível

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Contratos de combustíveis fósseis expõem Moçambique a um risco financeiro de vários biliões de dólares

Justiça Ambiental! (Amigos da Terra Moçambique), Amigos da Terra Europa, Milieudefensie (Amigos da Terra Holanda) e Amigos da Terra EUA.

                  Comunicado de imprensa

Perante sinais claros de que a TotalEnergies está prestes a reiniciar o desenvolvimento do seu enorme projecto de GNL na província de Cabo Delgado, em Moçambique, um novo relatório aponta para a forma como os contratos com empresas como a TotalEnergies e a ENI estão a expor o povo e o governo de Moçambique a um risco financeiro de vários milhares de milhões de dólares, ao mesmo tempo que bloqueiam o caminho do país para a transição energética e o desenvolvimento. As empresas têm direito a reclamar milhares de milhões em compensações quando o governo toma medidas de interesse público que afectam os lucros dessas empresas, como o aumento do salário mínimo, a introdução de normas ambientais ou de saúde ou o aumento dos impostos sobre as empresas.

As empresas de combustíveis fósseis têm apregoado os benefícios dos grandes projectos de petróleo e gás para Moçambique, mas um novo relatório escrito pela Universidade de Columbia, encomendado pela Justiça Ambiental! (Amigos da Terra Moçambique), Amigos da Terra Europa, Milieudefensie (Amigos da Terra Holanda) e Amigos da Terra EUA mostra como a aposta de Moçambique no crescimento económico baseado em combustíveis fósseis traz riscos económicos significativos e afasta investimentos do enorme potencial de energia renovável do país. Isto acontece num país que já está a lutar para suportar os custos dos danos causados pelas inundações, secas e ciclones ligados às alterações climáticas.

Moçambique enfrenta um risco financeiro estimado em 29 mil milhões de dólares devido à possibilidade dos investidores estrangeiros em combustíveis fósseis, como a TotalEnergies e a ENI, processarem directamente o Estado através da problemática resolução de litígios investidor-estado (ISDS). Este montante equivale a quase uma década de despesas do governo Moçambicano nos domínios da pobreza, saúde e educação. Embora se afirme que Moçambique pode utilizar os lucros dos seus projectos de combustíveis fósseis para pagar o desenvolvimento, outra nova pesquisa mostra que Moçambique não deverá beneficiar financeiramente dos projectos de GNL até finais da década de 2030, altura em que a procura global de gás terá provavelmente diminuído e os lucros serão muito baixos. A Agência Internacional de Energia confirma que Moçambique “pode ter dificuldade em gerar qualquer rendimento real” a partir de novos projectos de combustíveis fósseis.

Os acordos internacionais de investimento de Moçambique e os contratos de petróleo, gás e carvão disponíveis ao público permitem que os investidores estrangeiros contornem o sistema judicial nacional e apresentem queixas multimilionárias ao abrigo do ISDS contra Moçambique. Estas acções podem resultar em custos significativos para o país e também têm um efeito inibidor sobre novas regulamentações de interesse público em áreas como a saúde, o ambiente, os direitos comunitários ou a protecção laboral. O ISDS pode minar as tentativas de adoptar legislação significativa para abandonar os combustíveis fósseis e atingir os objectivos de desenvolvimento sustentável.

Daniel Ribeiro, da Justiça Ambiental/Amigos da Terra Moçambique disse:

“Estes riscos financeiros apenas adicionam mais combustível ao fogo criado pelos grandes projectos de gás em Moçambique. Estes projectos contribuíram para a insegurança e violência na região e deslocaram as comunidades locais. Agora é claro que os argumentos económicos para a sua continuação não resistem a um exame minucioso. Moçambique deve pôr fim a estes projectos tóxicos”.

O relatório observa que os países europeus já tomaram medidas para limitar a sua própria exposição ao ISDS. Moçambique pode seguir o exemplo e tomar medidas para remover o ISDS dos seus contratos e tratados, substituindo este por mecanismos alternativos de resolução de litígios. Podem também tomar medidas para terminar os acordos de investimento em vigor. Além disso, Moçambique deve reexaminar se os custos destes projectos valem os riscos e considerar o cancelamento dos mesmos.

Os antecedentes e o contexto desta questão podem ser encontrados na Avaliação da diligência devida em matéria de Direitos Humanos do Projecto Moçambique GNL da TotalEnergies (Julho de 2023) e no relatório Alimentando a crise em Moçambique (Maio de 2022).

Para ter acesso a este estudo completo, na versão original em inglês, por favor acesse ao site:

Brevemente a versão em português estará disponível

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Turbulência Total: revelando o interesse da Coreia do Sul na crise climática e humanitária de Moçambique

Screenshot

Publicado por Solutions For Our Climate (SFOC), janeiro de 2024.

Kim & Oh, ‘Total Turmoil: Unveiling South Korea’s Stake in Mozambique’s Climate and Humanitarian Crisis’, January de 2024, Solutions For Our Climate (SFOC)

O relatório identifica a participação de empresas sul-coreanas nos projectos de gás natural liquefeito (GNL) de Moçambique e expõe os riscos e falhas do projecto que afectam a viabilidade económica e a correcção ética do projecto. É publicado pela Solutions For Our Climate (SFOC).

O SFOC identificou a participação significativa de empresas sul-coreanas nos projectos de GNL de Moçambique, uma vez que desempenham papéis fundamentais em toda a cadeia de valor do negócio de GNL de Moçambique. Com uma participação de 10% no bloco Área 4, a Korea Gas Corporation (KOGAS) tem feito investimentos substanciais na exploração e desenvolvimento de projetos. Notavelmente, os principais construtores navais coreanos estão activamente envolvidos em projectos da Área 1 e da Área 4. Espera-se que a Samsung Heavy Industries forneça navios offshore de produção de GNL para dois dos quatro projectos de campos de gás em Moçambique. Entretanto, três construtores navais coreanos prevêem fornecer um total de 23 transportadores de GNL para transportar o volume de GNL produzido. Seis transportadores de GNL já foram construídos e estão em utilização para transportar volumes de GNL do campo Coral Sul da Área 4, enquanto 17 frotas para o projecto da Área 1 Mozambique LNG aguardam a assinatura do contrato final. Consequentemente, os financiadores públicos sul-coreanos envolveram-se nos projectos de gás de Moçambique, fornecendo um apoio financeiro total de 3,22 mil milhões de dólares às empresas coreanas envolvidas nestas iniciativas. Os projectos de GNL em Moçambique enfrentam riscos significativos, principalmente em duas áreas principais. Em primeiro lugar, os processos de reassentamento deficientes das comunidades locais perto das instalações de GNL resultaram em deslocalizações forçadas, compensações inadequadas e na perda de meios de subsistência, especialmente entre as comunidades piscatórias. Em segundo lugar, existem preocupações climáticas substanciais associadas a estes projectos, uma vez que se espera que contribuam significativamente para as emissões de gases com efeito de estufa quando se considera todo o ciclo de vida do projecto. Um relatório independente da Friends of the Earth e da New Economics Foundation estimou que o projecto Mozambique LNG por si só poderia gerar 3,3 a 4,5 mil milhões de toneladas de equivalentes de CO2, ultrapassando as emissões anuais de todos os países da UE. O envolvimento das partes interessadas sul-coreanas nos projectos de GNL suscita preocupações alarmantes. Ao fornecerem apoio financeiro aos projectos de GNL em Moçambique, as instituições financeiras públicas não conseguiram avaliar adequadamente os riscos para os direitos humanos, climáticos, ambientais e de segurança associados aos projectos, de acordo com as directrizes internacionais e internas. A Samsung Heavy Industries enfrenta críticas pelo seu envolvimento em controversos projectos de GNL em Moçambique, o que potencialmente entra em conflito com as suas iniciativas de sustentabilidade e compromissos ESG. Além disso, a viabilidade económica de novos projectos de gás na bacia da Área 4 de Moçambique, onde a Korea Gas Corporation detém uma participação de 10%, é questionável devido a factores como a baixa rentabilidade, a instabilidade regional, o declínio da procura de gás e a feroz concorrência no mercado.

Algumas recomendações importantes para as partes interessadas relevantes são:

1. Os financiadores públicos devem retirar o seu apoio financeiro aos projectos de gás em Moçambique e aderir à Parceria para a Transição de Energia Limpa (CETP) para acabar com o investimento em combustíveis fósseis.

2. Os financiadores públicos devem estabelecer processos de avaliação de direitos humanos, impacto ambiental e segurança.

3. A KOGAS deverá considerar a alienação da sua participação na Área 4.

4. A indústria de construção naval sul-coreana deve abandonar o negócio dos combustíveis fósseis.

Para ter acesso a este estudo completo, na versão original em inglês, por favor acesse ao site:

https://forourclimate.org/en/sub/data/mozambique_climate_crisis

Brevemente a versão em português estará disponível

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