Financiamento público Sul-Africano do Projecto de Gás Natural Liquefeito de Moçambique

O relatório analisou o papel das instituições financeiras de desenvolvimento Sul-Africanas no apoio a um projecto que já teve graves impactos sociais e ambientais negativos e que é improvável que traga grandes benefícios económicos a Moçambique.

O relatório afirma que, se certos riscos económicos se concretizarem, “Moçambique provavelmente cairá numa espiral de dívida, que fará com que não seja capaz de cumprir com as suas obrigações no pagamento da dívida ou de obter novos fundos porque os custos dos empréstimos, são simplesmente, demasiado elevados. Levando provávelmente a um incumprimento da sua dívida soberana, com consequências catastróficas para o cidadão comum Moçambicano”.

O Projecto Moçambique GNL é o maior investimento estrangeiro em Moçambique e um dos maiores em África. Está situado na parte mais a Norte de Moçambique, na Província de Cabo Delgado, actualmente em conflito. Teve início em 2010, quando foram encontradas valiosas reservas de gás em alto mar na Bacia do Rovuma, numa área demarcada designada por Área 1. Para além dos direitos em alto mar, foram também atribuídos ao Projecto cerca de 7.000 ha em terra na Península de Afungi para operações, habitação e indústrias de apoio. O Projecto Moçambique GNL é detido por sete empresas, sendo que a empresa francesa TotalEnergies detém a maior quota de 26,5% e actua como operadora do projecto desde 2019.

Ao longo do desenvolvimento do projecto, têm sido levantadas preocupações sobre se este trará benefícios reais para a população e a economia de Moçambique. Os impactos devastadores já são evidentes e prevê-se um agravamento.

Já são visíveis os vários impactos e implicações económicas relacionados com o projecto. O relatório refere-se a provas da “maldição prévia à exploração dos recursos” e, especificamente, ao “escândalo da dívida oculta” de Moçambique, e à corrupção. São levantadas preocupações significativas relativamente aos benefícios esperados do projecto, nomeadamente:

– As receitas fiscais provenientes da extração de gás são muito sobrestimadas pelo governo Moçambicano e é provável que estas receitas só se verifiquem depois de 2040;

-É improvável que o gás seja um combustível de transição eficaz por uma série de razões, que afectarão a procura e o preço;

-Os acordos de Resolução de Litígios entre Investidores e Estados (ISDS) colocam Moçambique em risco devido ao compromisso de cobrir os custos dos projectos ou compensar a perda de receitas sob certas condições. Em particular, limitam a capacidade de Moçambique de introduzir regulamentos mais rigorosos ou adoptar políticas mais favoráveis ao clima;

– O Tratado bilateral de investimento com a França inibe a adopção de políticas favoráveis ao clima em Moçambique.

“É também de notar que não há garantias de que os preços do GNL se mantenham a um nível que torne a extracção economicamente viável. Assim, as flutuações do preço do gás não só ameaçam os investimentos em si, mas também a estabilidade macroeconómica de todo o país, dada a escala dos investimentos, os ganhos esperados e o reembolso da dívida. Além disso, se a procura de gás diminuir por não ser utilizado como “combustível de transição”, é provável que as receitas previstas sejam inferiores, ou mesmo irrisórias em relação às previstas.”

O relatório apresenta uma visão geral dos danos/impactos/alterações já irreversíveis na paisagem e nas estruturas sociais da região. Os impactos sociais incluem: expropriação de terras; insurreição violenta; militarização; e opressão mediática e civil. Preveem-se impactos ambientais locais e globais consideráveis, incluindo um impacto pior do que o previsto nas emissões de carbono.

“O projecto TotalEnergies GNL em Moçambique ilustra perfeitamente como a contínua busca imprudente de combustíveis fósseis é uma maldição para aqueles que têm de viver com as consequências – a nível regional, nacional e internacional.”

Significativamente, as próprias reservas de gás de Moçambique não estarão disponíveis para o desenvolvimento do seu próprio povo e economia. Tal como referido no relatório, 90% do gás produzido destina-se à exportação através de acordos de longo prazo: “De facto, o projecto foi, em certa medida, financeiramente desarticulado através da assinatura de numerosos acordos de compra com grandes empresas mundiais de petróleo e gás.”

Anteriormente, previa-se que o projecto produzisse a partir de 2024, mas foi interrompido em abril de 2021 devido à violência na região. A insurreição violenta surgiu na província de Cabo Delgado em 2017 e mais de 3000 pessoas foram mortas e, mais de um milhão de pessoas foram deslocadas entre 2017 e 2021. As raízes do conflito são complexas e a exploração de gás exacerbou as tensões pré-existentes.

Num ataque devastador à Vila de Palma em Março/Abril de 2021, centenas, se não milhares, de pessoas foram mortas e dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas. A TotalEnergies declarou força maior no projecto Moçambique GNL e encerrou-o efectivamente. As forças militares e de segurança destacadas por Moçambique e por outros países da SADC trouxeram alguma estabilidade à região, mas também introduziram novas vagas de brutalidade contra civis. Em abril de 2023, o Presidente de Moçambique declarou que era seguro retomar as operações e, no final de 2023, a TotalEnergies declarou a sua intenção de retomar as operações no início de 2024.

É neste momento, e à luz dos atrasos e dos graves impactos do projecto, que se apela aos institutos Sul-Africanos de financiamento do desenvolvimento, para que reconsiderem o seu apoio ao projecto.

A Área 1 da Bacia do Rovuma é propriedade de um consórcio de empresas.

ProprietárioQuota-parte
TotalEnergies (França)26.50
ENH (Moçambique)15
Mitsu (Japão)20
ONGC Videsh Ltd (India)10
Beas Mozambique Rovuma Energy Ltd (India)10
BPRL Ventures Mozambique BV (India)10
PTTEP Mozambique Area 1 Limited (Tailandia)8.5

“A TotalEnergies anunciou em 2020 que foram angariados 14,9 mil milhões de dólares para o projecto em financiamento da dívida proveniente de oito agências de crédito à exportação, 19 bancos comerciais e do Banco Africano de Desenvolvimento (400 milhões de dólares) e do DBSA.” Destes, 1,035 mil milhões de dólares foram comprometidos por bancos comerciais Sul Africanos, sendo o Standard Bank South Africa “o maior credor comercial individual do projecto”.

Três instituições públicas Sul-Africanas forneceram financiamento ao projecto em 2019 e 2020, num total de 1 220 mil milhões de dólares:

– Corporação de Desenvolvimento Industrial (IDC);

– Banco de Desenvolvimento da África Austral (DBSA); e

– Corporação de Seguros de Crédito à Exportação da África do Sul (ECIC)

Empresa públicaMontante investido $ milhõesData do investimento
Banco de Desenvolvimento da África Austral120Julho 2020
Corporação de Desenvolvimento Industrial300Agosto 2019
Corporação de Seguros de Crédito à Exportação da África do Sul8002020

Cada um dos três institutos Sul-Africanos de financiamento do desenvolvimento aplicam directrizes/quadros/códigos de conduta rigorosos na sua tomada de decisões sobre os projectos que financiam. No entanto, o relatório argumenta que: “Dadas todas as questões económicas, sociais, políticas e ambientais pré-existentes em Cabo Delgado antes dos investimentos terem sido feitos, e os numerosos riscos económicos, sociais, políticos e ambientais associados ao investimento, parece altamente improvável que a decisão de investir na TotalEnergies GNL tenha sido consistente com as normas que alegadamente orientam as decisões de investimento das IFDs Sul-Africanos.”

O relatório recomenda: “As IFDs que continuam a financiar o projecto devem reavaliar urgentemente o seu apoio à luz dos actuais factores económicos, políticos e sociais de conflito na região.”

O relatório apela às IFDs Sul-Africanas que:

– “assumam compromissos concretos no sentido de cessar novos investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis e em todas as actividades associadas”;

– “levem muito mais a sério as suas responsabilidades em termos de responsabilidade pública e abandonem a sua cultura de secretismo”;

– “redirecionem o seu financiamento do GNL para apoiar o fornecimento de centrais de energia renovável à escala dos serviços públicos em Moçambique. Devem ser explorados modelos de propriedade comunitária”.

O relatório apela também aos países do Norte Global para que “parem com qualquer exploração e extracção de combustíveis fósseis nos seus respectivos territórios”,

O relatório é publicado pela Fair Finance Southern Africa: https://www.fairfinancesouthernafrica.org/mozambique-gas-case-study/

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