“Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro.” Provérbio Indiano
O lixo está a ocupar a cidade de Nampula, sob o olhar indiferente das autoridades municipais. A situação arrasta-se há bastante tempo, e nos últimos meses tem vindo a agravar-se, o lixo cresce e vai ocupando ruas, bairros, mercados e assim a cidade. A situação preocupa sobremaneira os munícipes que veem se obrigados a viver rodeados de lixo e receiam o agravamento de doenças diarreicas, em particular a cólera, já com casos registados, incluindo uma morte no início do mês passado.
O estado de degradação, saneamento inadequado e/ou inexistente e a imundicie em quase todos os mercados da cidade, em particular o mercados de Peixe, dos Belenenses, Waresta, 25 de Junho, vulgo Matadouro constituem verdadeiros atentados à saúde pública. Para além do potencial impacto na saúde pública, o lixo constitui igualmente um grave problema ambiental, particularmente nas zonas urbanas, uma vez que quando descartado sem tratamento pode contaminar os solos, o ar e a água, causar inundações, promover a proliferação de vetores de doenças, entre outros problemas.
Os Municipes de Nampula apelaram, sem sucesso, às autoridades municipais para uma resolução rápida e sustentável da situação, de modo a devolver a beleza da cidade e garantir o bem estar de todos.
Soube se ainda que a Associação dos Munícipes da Cidade de Nampula (AMUCINA), uma associação local, afirma que a edilidade que já se mostrou incapaz de resolver a situação também não se mostra aberta a aceitar apoio desta associação na limpeza e remoção dos resíduos sólidos na cidade.
Carlos Francisco, presidente da associação, considera lastimável a situação actual de salubridade, e explica em 2021, a sua associação elaborou e submeteu um projecto ao Conselho Municipal da Cidade de Nampula, que visava apoiar o munícipio na limpeza da cidade, mas a sua proposta foi até ao momento ignorada.
Actualmente, o Conselho Municipal da Cidade de Nampula reconhece a sua incapacidade na remoção e gestão de resíduos sólidos, ao nível da cidade, e sem apresentar qualquer plano refere que continua a empreender esforços para o efeito, e aponta o roubo de contentores e a deposição desregrada do lixo como principais factores para o actual estado de imundicie evidente em vários pontos da cidade.
Na cidade de Nampula produz-se diariamente cerca de um milhão e cinquenta metros cúbicos de lixo diverso. O Governo de Moçambique reconhece que a gestão de lixo representa ainda um enorme desafio e que não dispõe de recursos financeiros para dar resposta à questão. No entanto, este desafio não se resolve apenas com recursos financeiros. É urgente e imprescindivel investir muito mais na educação no geral mas particularmente na educação ambiental e civica.
É igualmente urgente e incontornável apostar na separação, aproveitamento e gestão de lixo, pois grande parte do lixo produzido, cerca de 60% corresponde a lixo orgânico que pode ser aproveitado.
O Dia da Terra foi instituído como resultado de um movimento de protesto ambiental que ocorreu no dia 22 de Abril de 1970 nas cidades de Washington, Nova York e Portland, liderado pelo activista ambiental e senador Gaylord Nelson (1916-2005). O protesto contou com a participação de cerca de 20 milhões de pessoas, na sua maioria estudantes e jovens, que foram às ruas para reclamar contra os derramamentos de petróleo, a poluição e contaminação dos rios e a destruição ambiental. Esta acção foi fundamental para a aprovação de leis que protegem o meio ambiente, e para alertar para a necessidade da conservação do ambiente e recursos naturais.
Mais tarde, em 2009, foi aprovada nas Nações Unidas a proposta do estado da Bolívia de renomear o Dia da Terra para Dia Internacional da Mãe Terra, como forma de quebrar o paradigma de que a Terra pertence à humanidade.
Desde então, o Dia Internacional da Mãe Terra é celebrado um pouco por todo mundo, como uma ocasião para avaliarmos os problemas ambientais e reflectirmos sobre o impacto da humanidade no planeta. No entanto, apesar dos enormes esforços de muitos, os problemas ambientais tem vindo a agravar-se de forma alarmante, devido essencialmente à ganância do Homem materializada nos modelos de “desenvolvimento” extractivistas que insistem em ignorar tantas e tão graves evidências de que estamos a destruir e a matar por completo a nossa Mãe Terra.
Há 53 anos atrás, já se sabia destes impactos, já se sabia que a Humanidade estava a consumir os recursos naturais e a destruir a natureza a um ritmo muito maior do que aquele que a Terra precisa para se restaurar e regenerar. E como estamos hoje?
Hoje enfrentamos uma multiplicidade de crises globais – da climática à alimentar, da crise de biodiversidade às pandemias – e mesmo com conhecimento pleno de muitos dos factores que provocam estas crises, e da insustentabilidade da nossa produção e do nosso consumo, teimamos em não tomar as medidas necessárias!
Celebramos hoje o dia da Mãe Terra com a noção de que precisamos urgentemente de lidar com o elefante branco que está na sala. Precisamos de assumir o compromisso de não expandir mais os combustíveis fósseis – qualquer um que seja – e nem de continuar a alimentar hábitos consumistas e imperialistas do norte global, ou das nossas elites do sul. Precisamos de colocar a dignidade humana e o respeito por todos os seres vivos acima de qualquer interesse de lucro. Precisamos de nos aperceber da nossa estupidez colectiva ao não actuar de forma mais urgente, acreditando que a geo-engenharia ou as soluções tecnológicas vão resolver os nossos problemas actuais. Precisamos de proteger cada uma das nossas florestas nativas, rios, oceanos, mangais, savanas, como se a nossa sobrevivência dependesse disso, porque realmente depende.
Não existe uma solução simples para enfrentar as múltiplas crises que vivemos, precisamos de mudanças estruturais e profundas nos nossos modelos económicos, alimentares, energéticos. Movimentos sociais, comunidades e colectivos no nosso continente e em todo o mundo têm mostrado caminhos possíveis e que resgatam a nossa relação com a Mãe Terra – através da agroecologia, de modelos de governação participativa e inclusiva, ou com energias limpas de controlo comunitária. Vamos?
O Coletivo de Justiça Climática da África está preocupado com os efeitos devastadores da crise climática na África, especialmente as recentes inundações que submergiram algumas partes das regiões da África Austral e Central do continente.
O ciclone Freddy causou estragos nos países da África Austral, especialmente Madagáscar, Moçambique e Malawi desde Fevereiro de 2023. Milhares foram deslocados e centenas perderam suas vidas enquanto outros ainda estão desaparecidos. Em Madagáscar, pelo menos 300.000 pessoas foram afectadas, 17 pessoas morreram e 3 estão desaparecidas. Malawi registou 563.771 pessoas deslocadas, 511 mortos e 533 desaparecidos. Na província da Zambézia, em Moçambique, 22 mil pessoas estão desalojadas, 10 mortas e 14 feridas.
Na África Central, a cidade de Buea, no sudoeste dos Camarões, entre 18 e 19 de Março de 2023, sofreu chuvas torrenciais que causaram inundações e desabamentos de terra e resultaram em vítimas. Os desastres gémeos, ambos desencadeados por várias horas de chuva, levaram à perda de vidas (reportagens da media confirmaram 2 mortes) e destruição de propriedades. No total, cerca de 300 pessoas que vivem no sopé do Monte Camarões foram afectadas. Em todos esses países, casas e infraestruturas foram destruídas, e isso levará muito tempo e exigirá um fluxo significativo de fundos para se recuperar. Esses eventos destacam a necessidade urgente de estratégias eficazes de resposta à desastres e medidas de mitigação das mudanças climáticas para proteger as comunidades vulneráveis nos países afectados e além.
Diante desses trágicos eventos, o Colectivo Africano de Justiça Climática (ACJC), que é composto por 27 organizações da sociedade civil baseadas em movimentos e outras aliadas, além de indivíduos e parceiros em toda a África, pede acções concretas para lidar com as emergências climáticas em andamento, não apenas na África Austral, mas no continente como um todo. A longa jornada do Ciclone Freddy começou na costa da Austrália no início de Fevereiro de 2023. Depois de se tornar uma tempestade excepcionalmente poderosa e cruzar o Oceano Índico, Freddy atingiu pela primeira vez o leste de Madagáscar em 21 de Fevereiro e o sul de Moçambique alguns dias depois.
Segundo Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental/Friends of the Earth Moçambique e organizadora da ACJC “o nosso povo é obrigado a pagar a dívida que nunca teve, é obrigado a colher dor e agonia da crise que nunca criou enquanto o Governo e as corporações multinacionais vão para o Banco com bolsos gordos”.
Rumbidzai Mpahlo, que coordena o ACJC, afirmou que “Como colectivo, nós continuamos a pedir a activação do financiamento climático e do Fundo de Perdas e Danos sem qualquer criação de dívidas e condições repressivas. Trata-se de uma emergência que deve ser tratada com a urgência que merece.
Maimoni Ubrei-Joe, da Friends of the Earth África e Nigéria, afirmou que o recente relatório do IPCC demonstrou ainda mais o fracasso dos líderes mundiais em se comprometer a enfrentar a crise climática global. ““A hora de agir para reverter os impactos negativos das mudanças climáticas é agora””.
Este recente relatório do IPCC mostrou suficientemente como as previsões climáticas de curto prazo (abrange as próximas décadas) não são brilhantes, e desastres climáticos como o ciclone Freddy se multiplicarão com consequências desastrosas. É, pois, mais do que nunca o momento de construir uma gestão de calamidades mais eficaz e eficiente, capaz de antecipar esses riscos e desastres, olhando com urgência para o caso das comunidades afectadas pelo Ciclone Freddy. Experiências positivas de gestão de cheias extremas e outros fenómenos climáticos no continente africano devem inspirar o desenvolvimento e reforço de mecanismos de alerta e resposta rápida.
A rede africana CADTM exige que as multinacionais poluidoras reconheçam as suas dívidas climáticas e paguem as devidas compensações às vítimas das alterações climáticas e de África como um todo com enfoque nestes três países: Moçambique, Malawi e Camaroes, que estão actualmente a lutar com os impactos das mudanças climáticas. A rede africana CADTM convida os líderes africanos a absterem-se de reembolsar as dívidas que contraíram na reparação dos danos climáticos.
Por meio deste, nos solidarizamos com os afectados em Malawi, Moçambique, Camarões e Madagáscar. O Norte Global e os Governos dessas nações devem garantir que os fundos e materiais de socorro sejam disponibilizados para perdas e danos conforme acordado na COP 27, e esses fundos devem ser disponibilizados para os directamente afectados e não canalizados para os fundos ecológicos das nações onde serão desviados para atender outras necessidades nacionais deixando de fora aqueles que foram gravemente afectados pelo ciclone.
Estamos a atravessar um grande momento de transição, de um sistema que está a desmoronar, para um novo, que ainda não está totalmente formado. Neste exacto momento, uns poucos e poderosos africanos sedentos de sangue continuam a vender os nossos países e a nossa soberania, fomentando guerras e destruições por vaidade e ganho pessoal por alimentar. Ao mesmo tempo, no terreno estão a mostrar o melhor dos nossos princípios humanos, lançando-se no caos pós-catástrofe, para socorrer as vítimas, chegando muitas vezes às zonas onde “nunca chega ajuda”, e tantos outros que mobilizam a sua solidariedade em suas próprias maneiras de apoiar seus compatriotas.
Por mais solidariedade internacional que haja em qualquer grande desastre, as nações africanas devem reunir a visão, as capacidades, as habilidades e os recursos necessários para não apenas estar preparados para desastres, mas para administrar seus territórios em harmonia com a natureza. A ACJC reconhece que há grande complexidade na efectiva implementação desta proposta, mas somente a própria Nação pode reivindicar sua própria soberania. Os Governos Africanos DEVEM MUDAR DE CURSO. As soluções e propostas do ACJC fornecem um guia para isso. Mas há muito mais a ser feito. Agora, mais do que nunca, há ampla evidência de que territórios com maior biodiversidade são significativamente mais resilientes ou capazes de se recuperar mais rapidamente de choques relacionados ao clima. Algumas, senão a maioria, das soluções já estão ao nosso alcance como sociedade.
Nossos corações estão com todos os perdidos e com aqueles que ficaram para trás em luto, mas também com todos os sobreviventes e aqueles que trabalham no terreno para tornar suas comunidades um lugar melhor para nossos entes queridos.
Nunca foi tão evidente o fechamento da democracia em Moçambique como no último dia 18 de Março, em particular nas cidades de Maputo, Beira, Nampula, e outras. É uma realidade que precisamos urgentemente de resistir e combater. Desde 2008 que a liberdade de expressão, manifestação e do associativismo têm sido reprimidas, mas foi em 2020 que o governo e os seus parceiros internacionais encontraram na Covid19 um pretexto quase plausível para restringir as liberdades dos cidadãos, com o anúncio de um conjunto de medidas que deram origem a restrições na mobilidade das pessoas e bens, restrições nas reuniões públicas, privadas e a limitação do direito à manifestação, direito este, que nos é constitucionalmente conferido através dos artigo 51 da Constituição da República que supostamente rege o Estado Moçambicano.
Sábado, 18 de Março é uma data que ficará na história do nosso país, como um dia em que as nossas forças policiais, munidas de blindados, cães de raça e armas de gás lacrimogénio, impediram uma marcha pacífica com uma brutalidade e agressividade nunca antes vista. O que assistimos nas ruas de Maputo revoltou-nos a todos.
O povo Moçambicano, na sua maioria jovens, com alguma ou nenhuma afiliação partidária ou institucional, pessoas ligadas a organizações da sociedade civil ou não, decidiram marchar para comemorar a vida e obra do nosso rapper e activista social, Edson da Luz, mais conhecido por Azagaia, que perdeu a vida no dia 9 de Março de 2023.
Foram seguidos todos os trâmites legais para garantir que a marcha decorreria sem problemas. De acordo com a lei Moçambicana, as marchas não necessitam de ser autorizadas, mas deve ser submetida uma carta a dar informação às autoridades. Assim foi feito, e a maioria dos municípios deu a luz verde às marchas, com itinerário bem definido. Em Maputo, o ponto de partida seria na estátua do Eduardo Mondlane, e iríamos marchar até à praça da Independência, junto da estátua do Samora Machel, dois símbolos do poder popular e de liberdade do nosso país.
Logo cedo, naquela manhã, começaram a circular relatos de que estavam posicionados carros blindados em vários pontos da cidade, mas isso não nos preocupou, porque já estamos habituados à presença de fortes contingentes policiais quando se trata do exercício da nossa cidadania. Pensámos que talvez fosse para garantir a nossa segurança. Pensamento ingénuo e inocente, típico de quem acredita que ainda se pode viver uma democracia em Moçambique.
Em todos os acessos à estátua de Eduardo Mondlane, o local de início da marcha, havia um forte contingente policial que foi travando os grupos de jovens que pretendiam chegar ao local de concentração. Segundo ‘ordens superiores’, não nos era permitido estar em grupos, mesmo sabendo que tínhamos autorização para nos agruparmos, nos reunirmos e juntos marchar. Sem qualquer aviso prévio, a polícia começou a disparar balas de gás lacrimogénio para todos os lados, e nesse momento começamos todos a correr. No entanto, a vontade de usufruir do nosso direito à manifestação, como tão bem promovido e defendido pelo Azagaia, era grande. Precisávamos desta última homenagem a uma das poucas vozes, senão a única dos últimos tempos, que nos representava, que cantava as nossas dores, angústias e revoltas sem temer as represálias. Era essa vontade que nos fazia escondermos-nos em esquinas próximas à praça, em grupos menores com as nossas camisetas, estampadas com o rosto do nosso jovem herói do povo, que armado de papel e caneta lutou pela nossa liberdade. Os nossos punhos mantinham-se no ar, mas o grito de povo no poder foi rapidamente engolido pela agressividade que se abatia contra todos nós.
Por todo o mundo o gás lacrimogéneo tem sido usado como um mecanismo de controle e para dispersar protestos, mas ainda assim, a sua utilização obedece a normas segundo as quais este não pode ser atirado directamente para as pessoas. Entretanto, no dia 18 de Março, a PRM disparou várias vezes as balas de gás lacrimogéneo directamente para os participantes. Um membro da equipe da JA! foi atingido de raspão nas costas ao desviar-se de uma bala de gás que foi apontada directamente para o seu corpo, uma jovem ao nosso lado foi atingida nos dois tornozelos. Registou-se ainda o caso do jovem Inocêncio que perdeu o olho esquerdo após ser atingido por uma destas balas que supostamente não matam mas podem causar sérios danos nos pulmões, pele e olhos. Uma destas balas incendiou uma viatura. Um dos organizadores da marcha foi torturado durante horas em Nampula. Outra violência gratuita aconteceu no Parque dos Madgermanes, um ponto da cidade que representa um símbolo de protesto e de resistência pela luta dos antigos trabalhadores da extinta RDA que têm vindo a protestar pelos seus direitos há mais de 30 anos. Vários jovens se juntaram lá cantando a música de Azagaia que deu nome à marcha: “Povo no Poder”, ou mesmo “A Marcha”. Os jovens simplesmente aglomeravam-se entoando alguns dos grandes sucessos do seu ídolo Azagaia de forma pacífica, mas mais uma vez os ataques da polícia vieram e desta vez com ainda mais brutalidade. Desceu sobre o parque uma cortina de fumo de gás lacrimogéneo e todos fugiram em direcção à Praça da Independência. Nem mesmo os jovens que se refugiavam dentro da Catedral de Maputo escaparam à fúria dos agentes da PRM.
A rua é o único lugar para onde podemos ir protestar quando nos tiram o poder e nos violam os direitos, e a polícia responde envenenando o ar?
Igualmente repudiáveis são as perseguições e intimidações sofridas por alguns membros de organizações da sociedade civil desde o dia do velório do Azagaia, com policias à paisana que se dirigiam a pessoas pelo nome para intimidar e questionar se eram os mentores daquelas acções. Além da brutalidade e violência da polícia, acções de contra inteligência e vigilância foram levadas a cabo por alguns agentes não uniformizados. Estes tiravam fotos às pessoas que estavam na marcha, registavam matrículas de viaturas e chegaram mesmo a seguir algumas pessoas até suas casas, numa autêntica acção de intimidação que não podemos mais tolerar.
Azagaia já bem dizia na letra da música A Marcha:
“Agora que estamos juntos, vou contar-vos um segredo
Eles não podem connosco
Eles agora é que tem medo
E na nossa causa justa, eles não podem se infiltrar…”
No meio de tudo isto, somos ainda surpreendidos pelo comunicado de imprensa da PRM, onde tentam de forma maquiavélica justificar a sua actuação brutal contra cidadãos indefesos numa manifestação pacífica. A PRM justifica a sua brutalidade contra cidadãos indefesos alegando ter utilizado proporcionalidade de força perante ‘manifestantes que arremessavam objectos contundentes’, numa ‘tentativa de golpe de Estado’. Um completo absurdo, uma mentira grosseira, e um insulto a quem lá esteve no dia. As inúmeras imagens e relatos dos acontecimentos comprovam dezenas de vezes que a PRM agiu fora da lei e com tremenda brutalidade. É uma postura criminosa e condenável a todos os níveis, desde os agentes que levaram a cabo as acções repressivas nas ruas do nosso país, e acima de tudo os superiores que deram as ordens, que devem ser julgados e condenados. Aos agentes da polícia e da UIR que reprimiram e massacraram os cidadãos no dia 18, nenhuma ordem superior justifica os vossos actos, pois a Constituição da República consagra o direito de resistência a ordens ilegais. Façam a vossa parte e marchem também pelo vosso direito de resistência, pela vossa obrigação de proteger o povo.
E a comunidade internacional, os doadores e parceiros do desenvolvimento, as supostas referências de direitos humanos e democracia, não se pronunciam perante estes acontecimentos, ficam apenas a murmurar nos corredores, porque não convém criticar o governo do qual dependem para continuar a explorar o nosso gás, areias pesadas, carvão ou rubis.
É importante que permaneçamos juntos, fortes e firmes na causa do povo. Esta será a real homenagem a Azagaia, o homem que lutou para descolonizar as nossas mentes.
Continuaremos a marchar e a cantar por liberdade e justiça! Abaixo a repressão e os ataques aos Moçambicanos e Moçambicanas que acreditam num país melhor!
Nossa água, nosso direito: os africanos pedem aos líderes que “acelerem a mudança” para longe da falsa solução de privatização da água no Dia Mundial da Água
Em comemoração ao Dia Mundial da Água 2023, a sociedade civil, os trabalhadores e os ativistas comunitários que lideram a Coalizão Nossa Água, Nossa Direito (OWORAC) pedem aos líderes locais, nacionais e regionais que prestem atenção às lições da história abandonando de uma vez por todas a falsa solução de privatização da água sob qualquer pretexto.
A OWORAC (sigla em inglês) – composto por ativistas e sindicalistas em Camarões, Gabão, Gana, Quênia, Moçambique, Nigéria, Senegal e Uganda, entre outros países africanos – condena o aumento alarmante dos esforços neocoloniais para entregar o controle de serviços essenciais a corporações multinacionais que buscam para explorar nossa necessidade de água para lucrar. O tema do Dia Mundial da Água deste ano é “Acelerando a Mudança”. É bastante claro, a partir de décadas de experiências fracassadas com a privatização da água, que devemos acelerar a mudança desse modelo de exploração para a propriedade e controle públicos. Devemos também acelerar os investimentos públicos e garantir a responsabilidade dos funcionários públicos que têm a obrigação de servir aos interesses das massas, não de poucos privilegiados.
Esta semana, enquanto os governos, a sociedade civil e o sector empresarial se reúnem na cidade de Nova York para a Conferência das Nações Unidas sobre a Água, a realidade diária da crise da água é sentida por centenas de milhões em todo o continente africano. O papel contínuo das corporações de privatização da água e seus representantes na definição da agenda e das prioridades da Conferência da Água da ONU e da Água da ONU de forma mais ampla minam a legitimidade desses espaços. O envolvimento da AquaFed, a organização que representa esta indústria abusiva no cenário mundial, na coordenação do Dia Mundial da Água é totalmente inapropriado e deve terminar. Prevenir a captura corporativa é essencial para que o continente cumpra o Objetivo de
Desenvolvimento Estratégico 6, que defende a disponibilidade e gestão sustentável de água e saneamento para todos até o ano 2030.
Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental (JA!) em Moçambique referiu que: “É urgente que se evite a cooptação destes espaços de tomada de decisões pelas grandes empresas, que vêem a água como um recurso económico e não como um direito humano. O envolvimento de empresas e corporações que focam os seus objectivos no lucro mancham o processo e abrem espaço para a privatização de ainda mais recursos naturais, que pode ocorrer também na forma de poluição, vedações e limitações no acesso a rios e cursos de água, e controlo de fontes de água das populações locais. A água deve ser vista como um bem comum, essencial à vida, e não como um recurso ao serviço do lucro de algumas empresas poderosas!”
O OWORAC, lançado em outubro de 2021 em resposta ao aprofundamento da crise global da água e ao capitalismo de desastres para os quais a pandemia abriu as portas, detalhou os impactos mundiais reais da privatização da água nas comunidades em seu relatório África deve levantar e resistir à privatização da água. Relatos perturbadores dos abusos de corporações multinacionais como Veolia e Suez, ambas membros da AquaFed, levaram comunidades em todo o continente a rejeitar a privatização da água em suas diversas formas, incluindo as chamadas “parcerias público-privadas”.
Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo de Responsabilidade Corporativa e Participação Pública da África (CAPPA), falando em nome do OWORAC, disse:
“O tema da comemoração do Dia Mundial da Água deste ano reforça a necessidade de governos a procurar soluções comprovadas para a crise da água no continente dentro do reino de opções democráticas controladas pela comunidade e financiadas publicamente. A privatização da água é um fracasso opção que apenas coloca os lucros acima das pessoas.”
Sani Baba, secretário regional para África e países árabes da federação sindical global Public Services International (PSI), disse:
“A privatização da água rouba das comunidades o direito à vida e ao bem-estar, da mesma forma que rouba dos trabalhadores o direito ao trabalho decente. Os governos africanos devem se recusar a ceder aos ditames do Banco Mundial e de outras instituições que desejam colonizar nossos recursos hídricos”.
A organização Moçambicana Justiça Ambiental (JA!) entregou na última quarta-feira (21 de Dezembro) uma petição com mais de duas mil e seiscentas assinaturas de cidadãs e cidadãos Moçambicanos para exigir que se trave imediatamente o avanço do controverso projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, proposta para o Rio Zambeze.
Os termos em que foi concebido, e nos quais tem avançado, o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa não vai de acordo com os objectivos fundamentais do Estado Moçambicano consagrados no artigo 11o da Constituição da República, sobretudo no que respeita os direitos humanos e o desenvolvimento equilibrado. Além do mais, este projecto acarreta elevadíssimos riscos ambientais, ecossistémicos, climáticos, sísmicos, sociais e económicos, que ainda não foram devidamente avaliados e estudados pelo governo de Moçambique. Não obstante estes riscos, e os inúmeros pedidos de esclarecimento e de informação enviados pela Justiça Ambiental ao governo e ao Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK), o projecto tem estado a avançar, nesta sua nova fase, desde 2018, de forma acelerada e sem o devido escrutínio público.
Além do mais, o projecto está ainda em violação dos artigos 21º, 22º e 24º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que estabelecem o direito dos povos à livre disposição, proibição de privação do uso de recursos naturais; direito à escolha do modelo de desenvolvimento económico, social e cultural no respeito estrito de suas liberdades e identidade; e direito a um ambinte equilibrado e propício ao seu desenvolvimento.
Importa referir que, embora o projecto esteja a avançar nesta nova etapa há 4 (quatro) anos, ainda não foi realizada nenhuma consulta pública deste projecto, nem nenhuma consulta com as comunidades locais que serão directa e indirectamente afectadas pelo mesmo. Isto está em clara violação de várias directrizes e princípios assumidos pelo país a respeito da protecção e promoção do direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI).
Os mais de 2.600 Moçambicanos e Moçambicanas exigem, com esta petição, que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo e que o governo de Moçambique esclareça cabalmente os contornos, objectivos e racional por detrás deste projecto “prioritário”, incluindo:
• De onde vem o investimento e qual a contrapartida?
• Por que é que este projecto é uma prioridade para o País, tendo em conta os nossos níveis
de pobreza e desigualdade; que milhares de crianças não têm lugar na escola, e que ainda
não há serviços de saúde adequados para todos?
• A que se deve a insistência neste projecto, que já foi abandonado tantas vezes? Que outros
interesses existem por detrás de um projecto desta envergadura?
• Foram equacionadas outras alternativas energéticas? Se sim, quais?
• Quem será responsável por indemnizar as comunidades que vivem há 20 anos com o seu
futuro hipotecado, sem poder investir na sua comunidade e em infra-estruturas
necessárias, por medo de perderem os seus investimentos, uma vez que em 2000 foram
aconselhadas pelo governo a não construir nenhuma nova infraestrutura?
• Qual o real propósito da barragem e que hipotéticas mais-valias julgam que traria para o
País a curto e longo prazo, incluindo como planeiam rentabilizá-la?
Exigimos também a elaboração de estudos cientificamente válidos e imparciais que respondam a todas estas questões levantadas desde a aprovacao do estudo de impacto ambiental em 2011 como:
• A indefinição sobre o regime de fluxo em que a barragem irá operar (base-load ou mid-
merit);
• A indefinição sobre a área escolhida para reassentamento das comunidades directamente
afectadas;
• A pobre análise de sedimentos elaborada com dados insuficientes, que não permite uma
análise científica válida;
• A fraca análise sismológica, sem dados concretos e com resultados e conclusões que
contrariam outros estudos de especialistas de renome;
• A fraca análise aos potenciais impactos das mudanças climáticas e mudanças na demanda
de água a montante da barragem, que irá afectar a viabilidade económica do projecto;
• O facto de não terem sido consideradas e tampouco seguidas as directrizes da Comissão
Mundial de Barragens, particularmente no que se refere aos direitos e justiça sociais e
ambientais, entre outras;
• As alternativas energéticas viáveis para o país, comparando e analisando os benefícios e
impactos de cada uma;
• A forma como o projecto irá garantir que os benefícios gerados não serão apropriados por uma pequena elite política e económica nacional, e pelas grandes companhias ransnacionais.
Exigimos ainda que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo em torno de soluções energéticas limpas, justas e acessíveis a todos os Moçambicanos e Moçambicanas, de forma a enveredarmos por um desenvolvimento sustentável que garanta a protecção dos importantes ecossistemas que garantem a vida no planeta.
A Justiça Ambiental apela ainda que este assunto seja tratado em carácter de urgência, tendo em conta o crescente e preocupante cenário de intimidação e ameaças que temos observado no contexto do nosso trabalho no Distrito de Marara, incluindo acusações de terrorismo, exigência de “autorização para trabalhar no local”, e indicação de que as comunidades locais não devem receber capacitações legais sobre os seus direitos ou informações sobre os impactos das barragens. Vários membros das comunidades que terão de ser reassentadas para dar lugar a este megaprojecto também têm reportado ameaças, intimidações e ‘avisos’ para que não se pronunciem contra o projecto.
Além das assinaturas recolhidas no Distrito de Marara, na Cidade de Maputo e um pouco por todo o país, mais de 70 organizações não-governamentais nacionais, regionais e internacionais assinaram também a petição em formato online, em solidariedade.
É hora de dizermos BASTA a um modelo de desenvolvimento que enriquece as nossas elites e as grandes empresas transnacionais, às custas da maioria da população e da natureza. Vamos juntos exigir projectos de energia limpa, descentralizada e que beneficie o povo Moçambicano!
Apelidar de ‘terroristas’ é a mais recente forma de intimidar, ameaçar, e deter arbitrariamente as pessoas que tenham posições contrárias ao governo. Isto está a acontecer em vários pontos do país, e em particular no distrito de Marara, província de Tete, onde o governo pretende construir a barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, um projecto altamente controverso que nunca respondeu às inúmeras questões ambientais, sociais, económicas e climáticas que têm sido levantadas por organizações da sociedade civil e especialistas de Moçambique e outros países.
Recentemente, de 22 a 25 de Novembro, a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) organizou o seu 6o Workshop de Maputo sobre Impunidade Corporativa e Direitos Humanos, que reuniu representantes de várias organizações da sociedade civil, do governo, académicos, advogados, activistas e pessoas afectadas por megaprojectos de várias províncias do país. Da província de Tete, em particular, vieram vários participantes provenientes do distrito de Marara, incluindo o líder da comunidade de Chirodzi-Nsanangue, uma das comunidades em risco de ser reassentada se a proposta barragem de Mphanda Nkuwa fôr construída. Enquanto esteve fora da sua comunidade, o líder recebeu várias chamadas de membros da comunidade a alertá-lo que as autoridades locais estavam muito desagradadas por este ter-se deslocado a Maputo e que estavam a mobilizar a comunidade para eleger um novo líder.
Uns dias após regressar a casa, o líder de Chirodzi-Nsanangue recebeu uma notificação para se apresentar no Comando Distrital de Marara a fim de prestar declarações. Chegando ao Comando, o líder ficou retido durante 10 horas, foi-lhe negado o direito de ser acompanhado pela advogada que estava no local, foi acusado de ser terrorista e foi interrogado a respeito da sua viagem a Maputo pela Comandante Distrital de Marara, por um agente da SERNIC e um representante do Ministério da Defesa. Por fim, pediram-lhe que listasse o nome de todos os membros da sua comunidade que haviam se deslocado a Maputo para participar no Workshop. O líder foi solto por volta das 18h30, sem qualquer esclarecimento adicional.
A equipa da JA! que se encontrava no local a acompanhar os acontecimentos foi igualmente acusada de terrorismo, e informada que não deve fornecer informações às comunidades locais a respeito dos impactos das barragens, ou de problemas causados por outros megaprojectos no país. Tudo isto aparenta ser uma estratégia para intimidar os membros das comunidades que serão afectadas pela proposta barragem de Mphanda Nkuwa e impedi-los de defenderem os seus direitos.
Alguns dias depois, as 10 outras pessoas de Chirodzi e Chococoma que haviam participado no Workshop foram também notificadas para comparecerem no Comando Distrital de Marara no dia 08 de Dezembro, incluindo o ponto focal da JA! na comunidade, para que também fossem interrogados.
Um grande movimento de solidariedade para com os membros das comunidades que estavam sob ameaça emergiu, de diversas partes do país e de outros países. Quando os 10 membros das comunidades chegaram ao Comando Distrital de Marara no dia 08, este assunto estava a circular amplamente nas redes sociais e na rádio. Eles foram interrogados no Comando, mas desta vez, não foram feitas ameaças além da presença intimidadora de agentes policiais armados. O ponto focal da JA! foi interrogado separadamente, em seguida foi-lhe pedido que saísse da sala, e os outros membros da equipa da JA! no local não foram autorizados a entrar. Todos foram dispensados algumas horas depois.
Importa referir que estas situações não são casos isolados, e surgem na sequência de uma série de outras intimidações e restrições que têm sido feitas à equipa da JA! no âmbito do seu trabalho no Distrito de Marara. Por várias ocasiões, a Comandante Distrital de Marara e os Chefes do Posto Administrativo e da Localidade de Marara exigiram à JA! as suas credenciais e prova de comunicação prévia com a PRM, algo que não é exigido por lei. Além disso, vários outros membros da comunidade de Chirodzi-Nsanangue que têm levantado críticas ou questões a respeito da barragem têm reportado crescentes intimidações e ameaças desde Agosto de 2022, momento em que o governo, seus parceiros e empresas interessadas começaram a frequentar a área nesta nova etapa do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa.
Exigimos um esclarecimento do Comando Distrital de Marara, do SERNIC, do Ministério da Defesa e do Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa a respeito destas intimidações às comunidades que são ameaçadas pelo projecto de Mphanda Nkuwa: afinal é assim que se obriga o povo a aceitar os projectos de ‘desenvolvimento’?
Exigimos um pronunciamento por parte dos assessores do governo, financiadores e potenciais investidores do projecto de Mphanda Nkuwa, como o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a Associação Internacional de Hidroelectricidade (IHA), a Agência Norueguesa de Desenvolvimento (NORAD), o Reino da Noruega, o Governo da Suíça, a União Europeia (UE): estão dispostos ter o vosso nome num projecto que já está a contribuir para a violação de Direitos Humanos e liberdades fundamentais das comunidades locais?
Comunidades africanas levantam suas vozes contra a privatização da água
As comunidades afectadas e aquelas sob ameaça de privatização da água em toda a África pediram aos governos africanos que abandonem a privatização da água e devolvam os sistemas de água privatizados às localidades para uma gestão acessível e equitativa. Comunidades locais na Nigéria, Moçambique, Senegal, Gana, Camarões, Quênia, Gabão, Uganda e uma série de outros países africanos estão fazendo disso sua demanda principal ao marcar a segunda edição da Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, que acontece de 11 -14 de Outubro de 2022 para coincidir com as reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
As comunidades, trabalhando em colaboração com a sociedade civil e grupos trabalhistas sob a égide da “Coligação, Nossa Água, Nosso Direito” estão a realizar reuniões municipais, compromissos comunitários, colectivas de imprensa, marchas de protesto, reuniões com formuladores de políticas e uma série de compromissos para enfatizar sua oposição aos esquemas de privatização da água e à mercantilização da água, promovidos pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais, que continuam a privar as comunidades de seu direito à existência. Em algumas comunidades, o preço da água está fora do alcance dos habitantes locais, forçando mulheres e raparigas a caminharem quilómetros, inclusive expondo-as a perigos para obter água para necessidades básicas.
As comunidades, trabalhando em conjunto com a sociedade civil e sindicatos de trabalhadores, insistem que, embora a água continue sendo uma das necessidades mais fundamentais para a vida, corporações gigantes como Veolia e Suez, apoiadas por instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial, estão explorando essa necessidade básica tentando privatizar a água em todo o continente africano, ameaçando deixar milhões de pessoas em comunidades sofrendo sem água.
Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo de Responsabilidade Corporativa e Participação Pública da África (CAPPA), explicando o significado da comemoração de 2022, disse:
“Quando as comunidades forem privadas de um direito básico que garante sua existência e o vínculo que as manteve conectadas à sua cultura e espiritualidade por gerações, acabará por deixar de existir. É por isso que as comunidades estão a liderar o movimento de resistência ao que as corporações como a Veolia e instituições do Banco Mundial estão comercializando no continente africano. Mas a mensagem é clara. Não queremos que os nossos sistemas de água sejam privatizados”
Sobre os impactos da privatização da água nas comunidades, Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental – Friends of the Earth Moçambique disse:
“Se o governo decidir usar a água para construir uma barragem, ou desviar um curso natural da água para alguma empresa de agronegócio, ou de mineração de carvão e de outros tipos de recursos naturais e esta empresa precisar de uma grande quantidade de água, o governo permitirá, infelizmente, prioriza-se sempre o crescimento económico, o lucro e as corporações. As grandes empresas têm sempre a vantagem sobre as necessidades de sobrevivência das nossas comunidades. Pessoas, ecossistemas e biodiversidade não têm os mesmos direitos que as corporações, por isso consideramos ter chegado o momento das comunidades dizerem BASTA à privatização da água nas suas diferentes formas de actuação.”
A primeira Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, realizada de 11 a 15 de Outubro de 2021, foi liderada pela sociedade civil e grupos trabalhistas no continente. O ponto alto foi o lançamento de um relatório – África Precisa Levantar-se e Resistir a Privatização da Água – que detalha como a privatização se tornou a ameaça mais potente ao direito humano à água dos africanos. Ele cita os fracassos da privatização da água nos Estados Unidos, Chile e França como lições para os governos africanos sendo pressionados pelo Banco Mundial e uma série de instituições financeiras multilaterais a seguir o caminho da privatização. As versões em português e francês do relatório serão divulgadas em uma coletiva de imprensa em 11 de Outubro, onde histórias e realidades das comunidades africanas serão apresentadas em vídeos para iniciar a semana de acção.
Uma das principais demandas das comunidades é que seus governos suspendam os planos de privatização e, em vez disso, invistam em sistemas públicos de água que incluam participação pública significativa na governação da água, com foco particular nas perspectivas daqueles que normalmente ficam de fora dos processos de tomada de decisão, incluindo, mas não limitado a mulheres, pessoas de baixa renda e comunidades rurais.
A Oilwatch África (OWA) realizou a Conferência e Reunião Geral Anual de 2022 em Acra, Gana, entre 8 e 12 de Agosto. O tema do encontro anual foi “Parem com o Gás no continente: Canais de Descontentamento.” A Conferência teve apresentações e a representação de OSC’s, activistas, académicos, jornalistas, pescadores e Eco-defensores, de comunidades afectadas por combustíveis fósseis por todo o continente. A Conferência providenciou também mais uma oportunidade de aprofundar a missão da OWA, como uma rede de pessoas e organizações para a construção de solidariedade em prol do fim da expansão das actividades de gás e petróleo, devido aos seus impactos negativos nas pessoas e meio-ambiente em África.
Algumas das principais observações feitas pelos delegados incluíram os seguintes aspectos:
Que a actual corrida aos recursos de petróleo, gás e minerais de África, equivale a uma perpetuação dos modelos extractivos de exploração colonial, o mesmo modelo que condenou o continente ao comércio predatório de escravos, seguido da violação maciça de recursos agrícolas e florestais, antes da actual iteração com o foco nos minerais e combustíveis fósseis.
Que o argumento de que a África merece utilizar os seus recursos naturais para suficiência energética e desenvolvimento, oculta o facto de que a extracção dos recursos naturais tem sido historicamente orientada para a exportação, em benefício das necessidades de consumo do Hemisfério Norte e dificilmente aponta para as necessidades do continente Africano. E, que a retórica dos líderes Africanos de que os combustíveis fósseis poderiam ser utilizados pelo continente como um combustível de transição “menos prejudicial”, é uma ilusão, porque o gás contribúi massivamente para alterações climáticas, devido ao seu teor de metano.
Que o financiamento e desenvolvimento contínuo de grandes projectos de gasodutos, tais como o projecto do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), o Projecto de Gasoduto da África Ocidental WAGP, e o Gasoduto Trans-Sahariano, entre outros, constituem uma agressão aos Direitos da Terra das comunidades e, representam perturbações maciças dos meios de subsistência, conflitos, violações dos Direitos Humanos e degradação ambiental em todo o continente.
Que a tendência actual em que as companhias multinacionais de petróleo e gás vendem as suas acções, em activos de petróleo e gás em terra e se deslocam para fora dos países Africanos, ou para mais longe da costa, equivale a uma renúncia à responsabilidade por danos históricos causados pelas suas actividades nesses mesmos países.
Que o Acordo de Paris e a sua meta de 1.5 graus celcius, impulsionado pelas chamadas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND), é uma enorme traição para África, uma vez que o continente aquece cerca de 50% acima da média global, o que significa que, seguindo as CND’s, no melhor dos cenários, África está literalmente condenada a arder.
Que África é rica em energias renováveis e que obtém a crescente competitividade das tecnologias de energia limpa e o potencial de fazer avançar a sua transição energética por uma via de carbono zero. A propósito, África tem o potencial solar mais elevado do mundo, mas é actualmente responsável por apenas um.
Que os países industrializados têm demonstrado insinceridade ao gastar, sistemáticamente, cerca de 2 triliões de dólares anuais em equipamento militar e de guerra, ao mesmo tempo que arrastam o passo quanto aos compromissos climáticos, especialmente o do financiamento da adaptação.
Que as normas emergentes de política global e regional, em torno de uma chamada revolução da economia azul, constituem uma enorme ameaça para os recursos marítimos e aquáticos das comunidades costeiras africanas, assim como para o meio-ambiente do continente e, irão incentivar ainda mais a pesca ilegal e excessiva nas suas águas.
Que tem havido um aumento da vitimização dos Eco-defensores, em todo o continente, pelas companhias petrolíferas e seus colaboradores estatais, e que este clima repressivo tem sido agravado nos últimos tempos pela proliferação das chamadas reformas regulatórias do petróleo e gás (como a Lei da Indústria Petrolífera da Nigéria de 2021) que diminuem o espaço cívico, ao constranger a voz e a agência das comunidades afectadas pela extracção, na tomada de decisões relacionadas com os seus recursos naturais e ambiente.
A Oilwatch Africa denunciou os esforços para encurralar África no caminho da exploração dos combustíveis fósseis, para satisfazer as necessidades energéticas das nações poluentes e para alimentar a ganância da indústria dos combustíveis fósseis. Para assegurar uma transição justa e justiça climática segura para os nossos povos, a conferência fez as seguintes exigências:
1. Deve haver uma interrupção de todas as novas actividades de exploração e extracção de carvão, petróleo ou gás em África, em consonância com os imperativos da transição energética. Exigimos, especificamente, a paralisação dos planos de exploração e expansão de petróleo na bacia da Virunga na RDC, na região de Keta no Gana, no Delta do Okavango no Botswana, na Bacia do Rio Orange na Namíbia, e a paralisação de todos os planos para o Projecto de Gasoduto da África Ocidental, o Projecto de Gasoduto Trans-Sahariano, e o Projecto de Gasoduto da África Oriental, entre outros.
2. Que os governos Africanos devem aproveitar o acolhimento da COP27, este ano, para exigir medidas de grande alcance no que diz respeito à adaptação climática e ao financiamento, incluindo cortes nas fontes das emissões.
3. Os governos Africanos devem exigir, dos países industrializados poluidores, uma dívida climática anual de 2 triliões de dólares, sendo este o montante que actualmente gastam em equipamento militar e guerra, anualmente. Isto pagará por perdas e danos e servirá como reparação parcial dos danos históricos.
4. Que as multinacionais de petróleo e gás, que actualmente planeam alienar e escapar à responsabilidade pelos seus danos históricos às comunidades Africanas (como a Shell e a Exxon Mobil no Delta do Níger da Nigéria), devem restaurar o ambiente e compensar as comunidades pelo ecocídio cometido nos seus territórios, antes da sua saída.
5. Os Estados Africanos devem desenvolver planos de transição de energia centrados em África, tanto onde estes ainda não existem, como onde já existem, para integrar tais planos em planos nacionais de desenvolvimento mais amplos, de modo a tomar conhecimento do enorme potencial renovável da África.
6. Os países Africanos e a União Africana, devem ter cautela com a chamada economia azul, e devem sobretudo denunciar, incondicionalmente, todas as tentativas de normalizar a Exploração Mineira do Fundo do Mar (DSM) dentro do continente.
7. Instituições Financeiras Internacionais, incluindo o Banco Africano de Desenvolvimento e agências de crédito à exportação, devem cortar todos os financiamentos a projectos de combustíveis fósseis, em África.
Governos Africanos e organizações internacionais, devem respeitar o Direito à Vida, dos Direitos Humanos e dos Eco-defensores no continente, que são cada vez mais reprimidos.
Adoptado a 11 de Agosto de 2022, pelos membros e organizações da Oilwatch África:
1. Costa do Marfim
2. República Democrática do Congo
3. Gana
4. Quénia
5. Moçambique
6. Nigéria
7. Senegal
8. África do Sul
9. Sul do Sudão
10. Suazilândia/Eswatini
11. Chade
12. Togo
13. Uganda
Organizações / Redes:
1. FishNet Alliance (Aliança FishNet)
2. Policy Alert (Alerta Política)
3. We the People (Nós o Povo)
4. Peace Point Development Foundation (Fundação para o Desenvolvimento do Ponto de Paz)
5. Oilwatch Gana
6. Oil Change International (Troca de Petróleo Internacional)
7. Host Communities Network, Nigeria (Rede de Comunidades Anfitriãs, Nigéria)
8. Environmental Rights Action/Friends of the Earth Nigeria (Acção de Direitos Ambientais/Amigos da Terra Nigéria)
9. Kebetkache Women Development Centre (Centro de Desenvolvimento da Mulher, Kebetkache)
10. Foundation for Development in the Sahel (FDS) (Fundação para o Desenvolvimento no Sahel (FDS))
11. Health of Mother Earth Foundation (Fundação Saúde da Mãe Terra)
12. Africa Institute for Energy Governance (AFIEGO) (Instituto Africano de Governação da Energia (AFIEGO))
13. Jeunes Volontaires pour l’Environnement (JVE) (Jovens Voluntários pelo Ambiente)
14. Justiça Ambiental (JA)
15. Ground Work
16. Friends of Lake Turkana (Amigos do Lago Turkana)
17. Femmes Solidaire (FESO) (Mulheres em Solidariedade)
18. Centre for Research and Action on Economic, Social and Cultural Rights (CRADESC) (Centro de Investigação e Acção sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CRADESC))
De Junho a Setembro deste ano, no Paquistão, chuvas torrenciais sem precedentes, causaram inundações numa escala inimaginável, deixando um terço do país debaixo de água. O Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, descreveu este evento como uma “monção sobre esteróides”
Foram divulgados nos meios de comunicação, imagens e vídeos de edifícios inteiros, de vários andares, em colapso, auto-estradas e pontes a serem arrastadas e pessoas a serem afogadas por cascatas urbanas. Mas nessa altura, as cheias, principalmente nas regiões do Sindh e Balochistão, já duravam há semanas, escondidas do mundo. O silêncio dos principais meios de comunicação e dos governos internacionais era insurdecedor e quando as notícias finalmente ultrapassaram as barreiras dos meios de comunicação, já era tarde demais. E mesmo nessa altura, foi difícil acreditar como é que tal catástrofe estaria a acontecer, como a vida inteira das pessoas estava a ser destruída. Enquanto isso, o mundo se limitava a assistir, prestando atenção a outras questões que pareciam ser mais pertinentes e de partes mais importantes do mundo.
A situação no Paquistão é desoladora – a ONU diz que quase 650 000 de mulheres nas áreas afectadas necessitam desesperadamente de serviços de maternidade. Em todo o país, 1460 centros de saúde foram total ou parcialmente destruídos, e milhares de pessoas estão a viver em tendas à beira da estrada, sem casas de banho.
A ligação entre a crise climática e as inundações é clara – o Ministro do Clima, do Paquistão, Sherry Rehman, apontou à Agence France-Presse: “Isto está muito longe de ser uma monção normal [estação do ano] – é uma distopia climática à nossa porta. Estamos neste momento no ground zero da linha da frente de eventos climáticos extremos, numa implacável cascata de ondas de calor, incêndios florestais, inundações repentinas, múltiplas erupções de lagos glaciares, inundações, e agora a monção monstruosa da década está a causar uma devastação contínua em todo o país”. Na província de Sindh, a quantidade de precipitação foi 4,5 vezes maior que a média dos últimos 30 anos.
O mais revoltante, é que o país nem sequer é marginalmente responsável pela crise climática, mas tem sido um dos mais afectados, por uma catástrofe de origem humana que é apenas um sintoma da emergência climática que o mundo enfrenta. Uma emergência que foi criada e beneficiada pelos Estados e empresas ricas do Hemisfério Norte, mas que devastou sobretudo povos do Hemisfério Sul. O director residente do Comité Internacional de Resgate, Shabnam Baloch, afirmou: “Apesar de produzir menos de 1% da pegada de carbono mundial, o país está a sofrer as consequências da inacção mundial e permanece no top 10 dos países que enfrentam as consequências”.
Enquanto os governos e corporações continuarem a perpetuar os aspectos mais feios do sistema capitalista, possibilitando e encorajando a extracção de combustíveis fósseis, é muito provável que não sejam as últimas inundações no Paquistão, assim como os ciclones Idai e Kenneth, também não serão os últimos em Moçambique, e até mesmo as recentes inundações em Durban, não serão as últimas. Mas os culpados recusam-se a ser responsabilizados, por isso temos de nos certificar que eles também seráo ensurdecidos pela sirene gritante que eles próprios detonaram.