“Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro.” Provérbio Indiano
É preocupante quando, na mesma semana, chegam-nos dois relatos distintos de camponesas afectadas pela Mozambique Holdings, que se cansaram de ser desrespeitadas e humilhadas e tiveram de recorrer à violência para se fazerem respeitar! Violência não é a solução, nem tão pouco promovemos ou defendemos actos de violência! No entanto, já ouvimos demasiados relatos de situações humilhantes e até actos criminosos, já por nós anteriormente relatados e denunciados… por tudo o que já vimos e ouvimos percebemos o que levou esta camponesa a dizer basta! Segundo membros da comunidade, a camponesa a caminho da sua machamba usou um corta mato, que atravessa a plantação, e no caminho foi vista por funcionários da Mozambique Holdings que passavam de carro. O chefe decidiu então colocar-se à saída do corta mato e ordenar que a camponesa voltasse atrás e usasse o outro caminho, bem mais longo! A camponesa explicou que a sua machamba estava próxima dali, que não tinha catana e não estava a estragar as plantas da empresa, mas ainda assim o chefe estava reluctante em deixá-la passar e insistia que ela não iria passar ali, teria de voltar atrás. A camponesa recusou-se a voltar atrás, e depois de uma breve discussao e ao que consta esta exaltou-se e bateu-lhe e seguiu o seu caminho, para sua machamba.Não houve até ao momento qualquer queixa sobre este incidente e a vida continua!
Este incidente é claramente resultado de várias situações que teem desgastado vários membros destas comunidades, o estabelecimento da plantação trouxe inúmeros impactos negativos para a vida destas comunidades, uma vida já bastante dificil. Perderam machambas, perderam acesso a caminhos que sempre utilizaram, o abate de árvores em redor das comunidades para dar espaço à plantação levou a um agravamento dos impactos das tempestades e chuvas já tipicas da zona mas que agora se mostram mais fortes e destrutivas pois já não tem a barreira da vegetação natural que foi desbravada. A cada ano mais e mais casas são destruidas pela força do vento e das chuvas, o desmatamento aumentou pois foi necessário abrir novas machambas, o capim para cobertura das casas encontra-se cada vez mais longe e portanto muito mais caro… e quais são os beneficios? Convidamos qualquer curioso a deslocar-se ao local e procurar os beneficios que a Mozambique Holdings trouxe a estas comunidades, mas venham com tempo pois vão procurar bastante e não vão encontrar nada mais do que alguns poucos membros das comunidades que conseguiram um emprego miseravelmente mal pago… aproveitem e conversem um pouco com estes também, e vão rapidamente perceber que só se mantem a trabalhar por não ter qualquer outra opção de emprego. Isto não é desenvolvimento!
Já podemos prever que virão pessoas criticar a atitude desta e outras camponesas, falando da necessidade de resolver os problemas através do diálogo e das instituições relevantes. Mas é esta a violência que mais nos aflige, mesmo? Por que ficamos calados quando a violência é estrutural, e afecta a capacidade de subsistência e sobrevivência de famílias que são excluídas dos processos de tomada de decisão e para as quais o sistema de justiça não funciona? Como podemos permitir que o governo a nível local e central, com tantas evidências e denúncias da violência perpetrada por funcionários da Mozambique Holdings (inclusive física, conforme reportamos aqui), não tome medidas urgentes para punir e expulsar estas empresas?
Por conhecermos esta realidade, entendemos e solidarizamo-nos com a camponesa, na esperança que incidentes de violência não se repitam e que seja possível resolver os inúmeros conflitos na base do diálogo e do respeito pelos direitos destas comunidades e no cumprimento da lei!
Os conflitos entre membros das comunidades afectadas pelas plantações da empresa Mozambique Holdings e os gestores e funcionários da mesma no distrito de Lugela já se arrasta desde o inicio das actividades da empresa no local. Até ao momento não há clareza sobre como foi levado a cabo o processo de trespasse de DUAT da anterior Madal à Mozambique Holdings LDA, apesar dos inúmeros pedidos submetidos ao Governo.
As comunidades afectadas afirmam que não houve um processo de consulta comunitária para o trespasse do DUAT, e várias áreas anteriormente pertencentes à Madal eram utilizadas por estas comunidades para produção de alimentos, com o consentimento da Madal. Com a chegada da Mozambique Holdings Lda tudo mudou, vários perderam as suas áreas de machamba sem qualquer compensação pois estas áreas supostamente pertenciam à Madal, no entanto, a Madal sempre permitiu que as comunidades as utilizassem para produzir comida e estas sempre o fizeram.
Já denunciamos várias situações de intimidação, ameaças, insultos e até agressão a membros das comunidades e destruição de machambas e celeiros. Estas situações foram denunciadas publicamente mas também foram denunciadas às autoridades relevantes, incluindo à Polícia. Os autores destes actos são conhecidos, são e foram denunciados e nada aconteceu. Devido ao aumento e agravamento das situações de conflito e do descontentamento destas comunidades, a Administração do Distrito interviu junto à empresa no sentido de esta permitir às comunidades o uso de parte das zonas baixas para a produção de arroz e nos últimos dois anos tem sido assim em algumas áreas.
No entanto, no domingo passado, dia 14 de Maio, duas camponesas da comunidade de Namadoe, estavam numa destas zonas baixas a plantar couve, quando apareceu de mota o Sr. Binua, da Mozambique Holdings que mal as viu no local, parou a mota e foi ao encontro destas a correr. Segundo contam, as duas irmãs camponesas, o Sr. Binua mal chegou junto a uma das camponesas começou a agredi-la violentamente, sem dizer uma única palavra. A irmã fugiu a correr, mas rapidamente apercebeu-se que a sua irmã continuava a ser espancada e voltou para a defender. O medo foi rapidamente esquecido e juntas defenderam-se do Sr. Binua, tendo o agredido até que este mordeu uma das senhoras e fugiu com as duas catanas das camponesas na sua mota, mas na fuga deixou para trás o seu telemóvel. Este mesmo senhor, já agrediu impunemente outros membros da comunidade, homens, mulheres e até uma menina, e continua a passear arrogantemente pelas comunidades como se fosse intocável. No Domingo passado, não teve a mesma sorte, e pelo que consta apanhou uma valente e merecida sova das duas irmãs em legítima defesa.
O Sr. Binua não contente com o desfecho foi de seguida apresentar queixa à Chefe da Localidade que encaminhou o caso à Esquadra da Polícia em Tacuane. Estamos atentos a seguir a situação de modo a garantir a defesa destas corajosas camponesas que se cansaram de ser desrespeitadas, insultadas e agredidas por um senhor que se julga acima da lei.
A redução das áreas de produção destas comunidades tem trazido inúmeros problemas às mesmas, estas como muitas pelo nosso país dependem destas terras para produzir alimentos e são estas mesmas terras que tem sido concedidos a empresas como esta, que em nada respeitam as comunidades locais, as suas tradições e formas de vida e ainda se julgam acima da lei. O mais recente ciclone Freddy destruiu várias machambas nestas comunidades, e é neste duro contexto que estas comunidades se encontram.
A empresa Mozambique Holdings LDA não é bem vinda pelas comunidades, não contribui em nada para a melhoria das condições de vida das mesmas, os gestores tem uma péssima relação com os locais, a empresa só veio agravar a situação de pobreza e vulnerabilidade das mesmas, no entanto, o Governo ao não actuar perante estes crimes está de facto a apadrinhar a sua actuação criminosa. As comunidades sentem-se abandonadas pelo Governo nesta situação, e reina a impunidade.
Quem está por trás da Mozambique Holdings? Quem os protege? E quem protege e defende os direitos destas comunidades?
A Oilwatch África (OWA) realizou a Conferência e Reunião Geral Anual de 2022 em Acra, Gana, entre 8 e 12 de Agosto. O tema do encontro anual foi “Parem com o Gás no continente: Canais de Descontentamento.” A Conferência teve apresentações e a representação de OSC’s, activistas, académicos, jornalistas, pescadores e Eco-defensores, de comunidades afectadas por combustíveis fósseis por todo o continente. A Conferência providenciou também mais uma oportunidade de aprofundar a missão da OWA, como uma rede de pessoas e organizações para a construção de solidariedade em prol do fim da expansão das actividades de gás e petróleo, devido aos seus impactos negativos nas pessoas e meio-ambiente em África.
Algumas das principais observações feitas pelos delegados incluíram os seguintes aspectos:
Que a actual corrida aos recursos de petróleo, gás e minerais de África, equivale a uma perpetuação dos modelos extractivos de exploração colonial, o mesmo modelo que condenou o continente ao comércio predatório de escravos, seguido da violação maciça de recursos agrícolas e florestais, antes da actual iteração com o foco nos minerais e combustíveis fósseis.
Que o argumento de que a África merece utilizar os seus recursos naturais para suficiência energética e desenvolvimento, oculta o facto de que a extracção dos recursos naturais tem sido historicamente orientada para a exportação, em benefício das necessidades de consumo do Hemisfério Norte e dificilmente aponta para as necessidades do continente Africano. E, que a retórica dos líderes Africanos de que os combustíveis fósseis poderiam ser utilizados pelo continente como um combustível de transição “menos prejudicial”, é uma ilusão, porque o gás contribúi massivamente para alterações climáticas, devido ao seu teor de metano.
Que o financiamento e desenvolvimento contínuo de grandes projectos de gasodutos, tais como o projecto do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), o Projecto de Gasoduto da África Ocidental WAGP, e o Gasoduto Trans-Sahariano, entre outros, constituem uma agressão aos Direitos da Terra das comunidades e, representam perturbações maciças dos meios de subsistência, conflitos, violações dos Direitos Humanos e degradação ambiental em todo o continente.
Que a tendência actual em que as companhias multinacionais de petróleo e gás vendem as suas acções, em activos de petróleo e gás em terra e se deslocam para fora dos países Africanos, ou para mais longe da costa, equivale a uma renúncia à responsabilidade por danos históricos causados pelas suas actividades nesses mesmos países.
Que o Acordo de Paris e a sua meta de 1.5 graus celcius, impulsionado pelas chamadas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND), é uma enorme traição para África, uma vez que o continente aquece cerca de 50% acima da média global, o que significa que, seguindo as CND’s, no melhor dos cenários, África está literalmente condenada a arder.
Que África é rica em energias renováveis e que obtém a crescente competitividade das tecnologias de energia limpa e o potencial de fazer avançar a sua transição energética por uma via de carbono zero. A propósito, África tem o potencial solar mais elevado do mundo, mas é actualmente responsável por apenas um.
Que os países industrializados têm demonstrado insinceridade ao gastar, sistemáticamente, cerca de 2 triliões de dólares anuais em equipamento militar e de guerra, ao mesmo tempo que arrastam o passo quanto aos compromissos climáticos, especialmente o do financiamento da adaptação.
Que as normas emergentes de política global e regional, em torno de uma chamada revolução da economia azul, constituem uma enorme ameaça para os recursos marítimos e aquáticos das comunidades costeiras africanas, assim como para o meio-ambiente do continente e, irão incentivar ainda mais a pesca ilegal e excessiva nas suas águas.
Que tem havido um aumento da vitimização dos Eco-defensores, em todo o continente, pelas companhias petrolíferas e seus colaboradores estatais, e que este clima repressivo tem sido agravado nos últimos tempos pela proliferação das chamadas reformas regulatórias do petróleo e gás (como a Lei da Indústria Petrolífera da Nigéria de 2021) que diminuem o espaço cívico, ao constranger a voz e a agência das comunidades afectadas pela extracção, na tomada de decisões relacionadas com os seus recursos naturais e ambiente.
A Oilwatch Africa denunciou os esforços para encurralar África no caminho da exploração dos combustíveis fósseis, para satisfazer as necessidades energéticas das nações poluentes e para alimentar a ganância da indústria dos combustíveis fósseis. Para assegurar uma transição justa e justiça climática segura para os nossos povos, a conferência fez as seguintes exigências:
1. Deve haver uma interrupção de todas as novas actividades de exploração e extracção de carvão, petróleo ou gás em África, em consonância com os imperativos da transição energética. Exigimos, especificamente, a paralisação dos planos de exploração e expansão de petróleo na bacia da Virunga na RDC, na região de Keta no Gana, no Delta do Okavango no Botswana, na Bacia do Rio Orange na Namíbia, e a paralisação de todos os planos para o Projecto de Gasoduto da África Ocidental, o Projecto de Gasoduto Trans-Sahariano, e o Projecto de Gasoduto da África Oriental, entre outros.
2. Que os governos Africanos devem aproveitar o acolhimento da COP27, este ano, para exigir medidas de grande alcance no que diz respeito à adaptação climática e ao financiamento, incluindo cortes nas fontes das emissões.
3. Os governos Africanos devem exigir, dos países industrializados poluidores, uma dívida climática anual de 2 triliões de dólares, sendo este o montante que actualmente gastam em equipamento militar e guerra, anualmente. Isto pagará por perdas e danos e servirá como reparação parcial dos danos históricos.
4. Que as multinacionais de petróleo e gás, que actualmente planeam alienar e escapar à responsabilidade pelos seus danos históricos às comunidades Africanas (como a Shell e a Exxon Mobil no Delta do Níger da Nigéria), devem restaurar o ambiente e compensar as comunidades pelo ecocídio cometido nos seus territórios, antes da sua saída.
5. Os Estados Africanos devem desenvolver planos de transição de energia centrados em África, tanto onde estes ainda não existem, como onde já existem, para integrar tais planos em planos nacionais de desenvolvimento mais amplos, de modo a tomar conhecimento do enorme potencial renovável da África.
6. Os países Africanos e a União Africana, devem ter cautela com a chamada economia azul, e devem sobretudo denunciar, incondicionalmente, todas as tentativas de normalizar a Exploração Mineira do Fundo do Mar (DSM) dentro do continente.
7. Instituições Financeiras Internacionais, incluindo o Banco Africano de Desenvolvimento e agências de crédito à exportação, devem cortar todos os financiamentos a projectos de combustíveis fósseis, em África.
Governos Africanos e organizações internacionais, devem respeitar o Direito à Vida, dos Direitos Humanos e dos Eco-defensores no continente, que são cada vez mais reprimidos.
Adoptado a 11 de Agosto de 2022, pelos membros e organizações da Oilwatch África:
1. Costa do Marfim
2. República Democrática do Congo
3. Gana
4. Quénia
5. Moçambique
6. Nigéria
7. Senegal
8. África do Sul
9. Sul do Sudão
10. Suazilândia/Eswatini
11. Chade
12. Togo
13. Uganda
Organizações / Redes:
1. FishNet Alliance (Aliança FishNet)
2. Policy Alert (Alerta Política)
3. We the People (Nós o Povo)
4. Peace Point Development Foundation (Fundação para o Desenvolvimento do Ponto de Paz)
5. Oilwatch Gana
6. Oil Change International (Troca de Petróleo Internacional)
7. Host Communities Network, Nigeria (Rede de Comunidades Anfitriãs, Nigéria)
8. Environmental Rights Action/Friends of the Earth Nigeria (Acção de Direitos Ambientais/Amigos da Terra Nigéria)
9. Kebetkache Women Development Centre (Centro de Desenvolvimento da Mulher, Kebetkache)
10. Foundation for Development in the Sahel (FDS) (Fundação para o Desenvolvimento no Sahel (FDS))
11. Health of Mother Earth Foundation (Fundação Saúde da Mãe Terra)
12. Africa Institute for Energy Governance (AFIEGO) (Instituto Africano de Governação da Energia (AFIEGO))
13. Jeunes Volontaires pour l’Environnement (JVE) (Jovens Voluntários pelo Ambiente)
14. Justiça Ambiental (JA)
15. Ground Work
16. Friends of Lake Turkana (Amigos do Lago Turkana)
17. Femmes Solidaire (FESO) (Mulheres em Solidariedade)
18. Centre for Research and Action on Economic, Social and Cultural Rights (CRADESC) (Centro de Investigação e Acção sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CRADESC))
O projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, proposto há mais de duas décadas, voltou a emergir como uma solução para aumentar a exportação de energia para a África do Sul, de forma a aumentar a capacidade de Moçambique de receber moeda estrangeira. O projecto está, no momento, a ser promovido por um valor de 4,5 bilhões de USD, sendo 2,4 bilhões para a barragem e central elétrica, e 2,1 bilhões para as linhas de transmissão. Este estudo debate os méritos do projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa e os seus benefícios sócio-económicos e de desenvolvimento, face aos impactos das mudanças climáticas, num momento em que o mundo enfrenta desafios energéticos que requerem que sejam pensadas formas e fontes de energia mais sustentáveis para o futuro.
A barragem de Mphanda Nkuwa seria a terceira maior barragem a ser construída no tronco principal do Rio Zambeze, e uma de muitas outras barragens na bacia, se considerarmos os tributários do Zambeze. A sua localização na parte mais baixa da bacia do Rio Zambeze, em Moçambique, dá-lhe características únicas e torna-a vulnerável. Faz também com que seja determinante para os ecossistemas a jusante. Como actualmente concebida, a central hidroeléctrica tem capacidade de geração de 1.500 MW, com 60% (900 MW) dessa capacidade para exportação para a África do Sul, e um remanescente de 600 MW (40%) reservado para consumo doméstico, em Moçambique. Actualmente, mais de 60% dos Moçambicanos, cuja maioria vive em assentamentos muito dispersos em zonas rurais remotas, não têm acesso à electricidade moderna e encontram-se fora do alcance da rede eléctrica nacional existente. Muito mais que 600 MW seriam necessários para permitir que Moçambique atingisse um acesso à electricidade de 50%, até 2030.
O plano do projecto é que comece a gerar energia 2030, com cerca de 2 anos para planificação e desenho, enquanto espera-se que a construção leve 6 anos. Os benefícios anunciados são duvidosos face às mudanças climáticas e o facto de que a barragem será prejudicial para ecossistemas a jusante, bem como para a saúde e segurança humana, levando à perda de meios de subsistência das comunidades a jusante. Tal como na maioria dos grandes projectos de infraestruturas semelhantes, a barragem e o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa estão a atrair o apoio de instituições financeiras internacionais, como o Banco Africano de Desenvolvimento, que vêem-no puramente do ponto de vista macroeconómico, como uma forma de estimular o crescimento económico do país através do aumento das receitas em moeda estrangeira. Os proponentes do projecto, no entanto, ignoram os diversos riscos que estão associados ao projecto e, portanto, não discutem como esses riscos serão abordados.
Entre os riscos, a questão das mudanças climáticas é um grande motivo de preocupação. Após pesquisa detalhada, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que, de entre as 11 principais bacias hidrográficas em África, a bacia do Zambeze é a mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Prevê-se que a bacia do Zambeze enfrente eventos climáticos extremos severos, em forma de longos períodos de seca, cheias severas no futuro, mais fortes que em qualquer das outras bacias hidrográficas do continente. Além disso, o baixo Zambeze é directamente afectado pelos desenvolvimentos a montante, fazendo com que os impactos negativos dos desenvolvimentos a montante sejam agravados em Mphanda Nkuwa e a jusante. Na última década, Moçambique foi considerado o país da SADC mais afectado pelas mudanças climáticas, de entre vários países que também têm experienciado eventos climáticos extremos, como ciclones e cheias. O funcionamento das barragens a montante em Kariba, Kafue e Cahora Bassa, com as suas grandes capacidades de armazenamento, serão a chave para o desempenho de Mphanda Nkuwa.
Por estar localizada a jusante de grandes barragens, o maior risco para Mphanda Nkuwa será durante os períodos de seca, porque as barragens a montante poderão não libertar água suficiente, se os países a montante decidirem dar prioridade às suas necessidades. O alto risco de secas na bacia do Zambeze, exacerbado pelas mudanças climáticas, terá um impacto negativo directo na viabilidade financeira e económica do projecto, uma vez que as projecções de geração de receitas e de ganhos em moeda estrangeira serão severamente reduzidas por secas prolongadas. A retenção de água nas barragens a montante, durante as secas, colocará também em perigo os caudais ecológicos a jusante de Mphanda Nkuwa, com outros efeitos prejudiciais para a pesca do camarão na região do delta.
Da mesma maneira, em caso de grandes inundações, as barragens a montante irão libertar mais água, criando risco de ruptura da barragem de Mphanda Nkuwa bem como o agravamento da segurança humana a jusante, no vale do Zambeze. Os riscos de segurança de barragens devido a cheias e inundações podem exigir especifidades mais dispendiosas, e custos de construção mais elevados. Ao longo das últimas duas décadas, têm ocorrido inúmeras catástrofes de cheias no vale do baixo Zambeze, levando a grandes riscos de perda de vidas humanas e ameaças à subsistência. Por conseguinte, Mphanda Nkuwa é altamente susceptível aos impactos das mudanças climáticas, tanto a respeito de secas como de inundações.
A energia hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa é promovida como energia limpa. No entanto, estudos recentes pelo mundo indicam que as barragens emitem quantidades consideráveis de metano, um gás de efeito de estufa mais potente que o dióxido de carbono. Num momento em que o mundo enfrenta enormes riscos de mudanças climáticas e aquecimento global, a decisão de avançar com Mphanda Nkuwa é lamentável e vai contra a sabedoria convencional.
Mphanda Nkuwa está assente na premissa de venda de energia a países da África Austral, sendo a empresa Sul-africana de energia eléctrica Eskom a principal compradora. É importante notar que, nos últimos 15 anos, a Eskom tem experienciado sérios e persistentes desafios estruturais e de governação, resultando numa divida crónica de 500 mil milhões de Rands, equivalentes a 30 bilhões de USD no momento de elaboração deste artigo. Assim, a companhia Sul-Africana enfrenta sérios problemas de viabilidade financeira, o que a torna um cliente de risco para basear um enorme investimento de 4,5 bilhões de USD. Devido ao deteriorar da sua situação financeira, a Eskom tem aumentado progressivamente as tarifas domésticas de electricidade ao longo da última década, o que faz com que muitos dos seus clientes, principalmente os mais ricos, tenham vindo a sair da rede, comprometendo assim a sua cobrança de receitas e piorando ainda mais a viabilidade financeira da companhia de electricidade. Isto é, claramente, um sinal vermelho a respeito do qual os proponentes do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa precisam de se debruçar seriamente, nas suas análises de mercado. A delicadeza da viabilidade de Mphanda Nkuwa torna-se ainda mais acentuada quando vista no contexto do actual acordo de aquisição da energia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa pela África do Sul, cujo preço da electricidade é altamente desfavorável para Moçambique.
Outras preocupações a respeito de Mphanda Nkuwa incluem o alegado aumento no acesso à energia para os Moçambicanos. Em teoria, afirma-se que 40% da energia de Mphanda Nkuwa vai beneficiar os Moçambicanos, mas na realidade o acesso à energia, para os Moçambicanos, será insignificante. O padrão de povoamento rural disperso e extensivo da maioria dos Moçambicanos que actualmente não tem acesso à energia limpa, e a ausência de uma extensa rede em grelha, torna numa falácia a alegação de que Mphanda Nkuwa irá aumentar substancialmente o acesso à electricidade. Moçambique carece de uma extensa rede de transmissão e distribuição, e portanto mesmo com a proposta linha de transmissão, a maior parte da população nas áreas rurais permanecerá desconectada da electricidade. A electricidade da rede não será suficiente para aumentar o acesso e estimular o desenvolvimento no país. E, de qualquer forma, o custo da electricidade sem subsídio será muito alto e inacessível para a maioria dos cidadãos.
O desenvolvimento da barragem de Mphanda Nkuwa presta muito pouca atenção à saúde do ecossistema da bacia e ao bem-estar social das comunidades a jusante. O funcionamento da barragem irá alterar significativamente o regime de escoamento da área a jusante, criando flutuações diárias que irão afectar a biota aquática, bem como a subsistência de mais de 200.000 habitantes que vivem no delta e que, em grande medida, dependem dos recursos naturais da bacia. Os meios de subsistência das comunidades que residem na área que será inundada não devem ser postos de lado. Baseado no que já tem acontecido e sido revelado em outros megaprojectos de infraestruturas na província de Tete e pelo país, estas pessoas serão provavelmente sujeitas a deslocações forçadas, meios de subsistência comprometidos, compensações inadequadas, violência e repressão do Estado, e outras violações de Direitos Humanos. As pessoas que vivem na bacia do Zambeze são as que mais têm a perder com este projecto.
Em conclusão, é improvável que este investimento aumente significativamente a industrialização ou promova o crescimento económico de Moçambique. Prevê-se que o número de empregos permanentes directos criados por este projecto hidroeléctrico seja muito reduzido. No que diz respeito às emissões de gases de efeito de estufa, não haverá ganhos, e infelizmente serão geradas mais emissões com a barragem. As receitas provenientes das vendas de electricidade podem não cobrir os custos de produção, com o risco de não cumprir com o serviço da dívida da barragem. Diversos estudos feitos para a África do Sul e Moçambique demonstram que energia limpa pode ser gerada através do vento e do sol, de forma a alcançar a população rural dispersa num ritmo muito mais rápido, criando assim postos de trabalho e muito menos impactos sociais e ambientais negativos, comparativamente a outras formas de produção de energia. Neste contexto, Moçambique tem um enorme potencial por explorar em termos de energias renováveis, de forma a mudar a sua trajectória rumo ao desenvolvimento, distribuição e geração de energia. Se fôr construída, a barragem de Mphanda Nkuwa será um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique, por muitas gerações.
*Estudo lançado em Maputo no dia 21 de Julho de 2022. Para obter a versão completa do estudo dirija-se ao escritório da Justiça Ambiental na Rua Willy Waddington, 102, Bairro da Coop, Maputo, ou pelo link: www.drive.google.com/drive/folders/1FXkv0z4PzdOT6yhueYhPqXVCo_9di4Qz
Para mais informações: 84 3106010 / jamoz2010@gmail.com
Esta semana, a Total anunciou que em 2021 fez 15 mil milhões de euros, os maiores lucros alguma vez realizados por uma empresa na história Francesa. Estão a vangloriar-se descaradamente deste dinheiro, dinheiro que irá para os accionistas Europeus ricos, dinheiro que fizeram à custa do clima, das pessoas e do meio ambiente no Sul global.
A Total é um dos maiores actores da indústria do gás de Moçambique, liderando o projecto de Gás Natural Líquido (GNL) de Moçambique e está a construir o Parque de GNL de Afungi onshore, que alberga o aeródromo, estações de tratamento, porto, escritórios e outras instalações de apoio a todos os projectos. Para dar lugar ao parque de 70 quilómetros quadrados, a empresa deslocou mais de 550 famílias, milhares de pessoas, das comunidades ao redor.
Embora a extracção ainda nem sequer tenha acontecido, as comunidades piscatórias que tinham vivido a meros metros do oceano durante gerações foram deslocadas para uma “aldeia de realocação” a mais de 10 km para o interior, sem qualquer forma de chegar ao mar. Os agricultores que agora perderam as suas terras, receberam pequenos e inadequados pedaços de terra, longe das casas de realocação que lhes foram dadas.
O seu processo de “consulta” a estas comunidades tem sido uma piada. Nas reuniões entre comunidades e empresas, os líderes comunitários – muitos dos quais desenvolveram relações financeiramente benéficas com a indústria – estão presentes e as pessoas evitam falar por medo de perder a sua indemnização, ou de ameaças físicas. Isto é exacerbado pela falta de conhecimento básico da lei por parte das comunidades, sendo assim incapazes de exigir os seus direitos.
A JA! trabalha em estreita colaboração com as comunidades no terreno na região do gás, e tem visto como os únicos empregos criados para os habitantes locais foram de carácter doméstico, não qualificado e temporário. As queixas das comunidades à Total sobre o pagamento de indemnizações irregulares foram rejeitadas. E agora que, em Abril de 2021, o projecto da Total foi interrompido, suspenderam completamente os pagamentos de indemnizações.
O projecto terá também impactos irreversíveis no clima e destruirá os recifes de corais e espécies ameaçadas da Biosfera da UNESCO, o Arquipélago das Quirimbas.
Mas os crimes da Total vão para além de Moçambique, para muitos outros países do Sul. Um dos projectos planeados, o oleoduto da África Oriental (EACOP) tem sido objecto de grandes campanhas da sociedade civil e mesmo de um processo judicial em França pela Amigos da Terra França. De acordo com a Campanha StopEACOP:
“Estendendo-se por quase 1445 quilómetros, o oleoduto da África Oriental (EACOP) teria consequências desastrosas para as comunidades locais, para a vida selvagem e para todo o planeta – temos de o parar. O projecto ameaça deslocar milhares de famílias e agricultores das suas terras. Coloca riscos significativos aos recursos hídricos e aos pântanos tanto no Uganda como na Tanzânia – incluindo a bacia do Lago Vitória, da qual dependem mais de 40 milhões de pessoas para a produção de água potável e de alimentos. O oleoduto atravessaria numerosos focos sensíveis de biodiversidade e arriscaria degradar significativamente várias reservas naturais cruciais para a preservação de espécies ameaçadas de elefantes, leões e chimpanzés”.
No Mianmar, a Total fornecia à junta militar opressora a maior parte das suas receitas, provenientes do seu projecto de gás Yadana. A junta militar é conhecida pela limpeza étnica da população Rohingya e pelas violações em massa dos direitos humanos, incluindo violações, abusos sexuais, tortura e desaparecimento de manifestantes. Recentemente, a Total alegou que iria interromper as suas operações no Mianmar, mas mais uma vez, irá escapar da destruição que deixou com o seu rasto.
A Total também tem estado activa na bacia do Taoudeni, no Mali, no Sahel, desde 1998. Desde 2013, mais de 3000 tropas Francesas estiveram no Mali e 4 outros países do Sahel, com a França a usar a mesma retórica que eles e o Ruanda usaram em Moçambique: para livrar a área de “jihadistas”.
No Iémen, o local GNL Balhaf, do qual a Total possui 39%, foi exposto por abrigar a base da Shabwani Elite, uma milícia tribal apoiada pelos EAU desde 2016. Oficialmente um grupo antiterrorista, tornou-se não oficialmente conhecido como um grupo criado para proteger os interesses dos combustíveis fósseis. O local também tem sido exposto às famosas “prisões secretas” dos EAU que mantêm prisioneiros Iemenitas.
Na semana do anúncio, muitas organizações de todo o mundo realizaram uma tempestade nas redes sociais, onde fizeram tweets sobre as acções da Total e “sequestraram” as suas contas no twitter, facebook e linkedIn.
É desumano que a Total e os seus accionistas utilizem os seus lucros para ter ostras e champanhe nos restaurantes de Paris, enquanto este dinheiro vem da violação dos direitos dos seres humanos, dos seus corpos, do meio ambiente e do clima.
Em Moçambique, a Total deve parar completamente a exploração do gás, mas não pode fugir da confusão que já fez. Deve assumir a responsabilidade e providenciar reparações por todas as vidas destruídas, por todas as terras usurpadas e pelos meios de subsistência perdidos.
A Total deve parar a sua destruição em todo o Sul global, e no mundo, mas isso por si só não apaga anos de abuso e desapropriação da noite para o dia! A Total e a indústria de gás da indústria de combustíveis fósseis devem ser responsabilizadas pelos impactos e violações dos direitos humanos enfrentados pelas comunidades afectadas e devem ser obrigadas a indemnizar integralmente as comunidades e a reparar os danos causados!
Amigos da Terra Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte (FoE EWNI) desafia a decisão da Agência de Crédito à Exportação do Governo do Reino Unido (UKEF) de financiar um megaprojecto de gás em Moçambique. Estarão em tribunal de 7 a 9 de Dezembro. Abaixo, a JA! explica as razões para apoiar este processo legal.
A indústria de gás de $50 bilhões de USD em Moçambique já criou estragos irreversíveis antes mesmo de qualquer gás ser extraído. As pessoas perderam os seus meios de subsistência e as suas casas, e o impacto climático apenas na fase de construção, que ainda não foi concluída, já é significativo. É crucial que o público global saiba disso, porque corporações, fundos de pensão, investidores e até governos de todo o mundo (com dinheiro dos contribuintes) estão a financiar estes projectos.
A UKEF sozinha concordou em financiar mais de $1 bilhão do projecto de Gás Natural Liquefeito de Moçambique (GNL) de $24 bilhões da Total, um dos três já em construção.
Expulsos e traídos
Os operadores da indústria estão bem cientes dos problemas que a indústria criou e criará no futuro: a JA! e os nossos parceiros e amigos no Reino Unido e em todo o mundo já disseram isso várias vezes, em cartas, no parlamento, em reuniões de accionistas e protestos, e agora, no tribunal.
Para abrir caminho para o Parque LNG da Total em Afungi, que abrigará as instalações de apoio para a indústria, a empresa deslocou milhares de pessoas de comunidades pesqueiras e agrícolas em redor do local, para uma aldeia de realocação longe das suas terras e a 10 km do mar em direcção ao interior, deixando-os sem meios de subsistência. Uma vez que os lotes de realocação eram tão pequenos, muitas pessoas optaram por uma indemnização inadequada, após um processo de consulta que violou vários princípios do Consentimento Livre, Prévio e Informado. A JA! trabalha em estreita colaboração com as comunidades locais na região do gás e viu como os únicos empregos criados para os habitantes locais eram servis, não qualificados e temporários. As reclamações das comunidades à Total sobre pagamentos de compensação irregulares foram rejeitadas.
Provocando violência e morte
Cabo Delgado,onde se localiza o projecto da Total, está no meio de um conflito mortal, e a indústria do gás tem contribuído para essa violência. Os combates entre os exércitos de Moçambique e Ruanda, insurgentes e mercenários transformaram Cabo Delgado numa zona de guerra. Embora o governo e a indústria insistam que a causa da violência é religiosa, a realidade é muito mais complexa. Há anos que as tensões sociais têm crescido à medida que comunidades locais já pobres vêem a riqueza da sua província ser pilhada por elites económicas e políticas nacionais e internacionais e empresas extractivistas. Ao mesmo tempo, as suas queixas, direitos humanos fundamentais e necessidades básicas são ignorados e desconsiderados. Esta violência resultou em 800.000 pessoas refugiadas e milhares já foram mortas. Muitos dos deslocados pela indústria tiveram que fugir para outras cidades ou províncias vizinhas e não sabem se algum dia poderão voltar para as suas casas. Jornalistas e activistas desapareceram, alguns para nunca mais serem vistos.
Depois de um ataque mortal à vila de Palma em Março, a Total alegou ‘força maior’, interrompendo indefinidamente o seu projecto e retirando os seus funcionários da área. Desde então, não fez nenhum pagamento de compensação aos membros da comunidade e declarou que não cumprirá as suas obrigações de pagamento às empresas subcontratadas, incluindo empresas locais.
Graves impactos no clima global
O impacto climático do projecto será extremamente alto e está totalmente desalinhado com o Acordo de Paris. A avaliação do impacto ambiental mostra que apenas a fase de construção de um comboio de GNL (instalação de liquefacção) irá aumentar as emissões de gases com efeito de estufa de Moçambique em até 14%. Está planeada a construção de seis.
O histórico do país dá poucas esperanças que o gás, ou qualquer combustível fóssil, traga algum benefício para o povo. Embora o país seja exportador de combustíveis fósseis há muitos anos, ainda assim, apenas cerca de 30% da população tem acesso à electricidade e continua a ser um dos países mais pobres do mundo. 95% do gás será exportado para a Índia, França, Reino Unido, China e Indonésia, entre outros países.
O governo de Moçambique já demonstrou que não investirá lucros na riqueza do seu país. Historicamente, tem proporcionado isenções de impostos aos exportadores de combustíveis fósseis e planeja fazê-lo novamente – custando aos moçambicanos cerca de $ 5,3 bilhões. Não se pode confiar no governo de Moçambique para apoiar as comunidades que sofrem nas mãos da indústria de combustíveis fósseis.
O que a JA! faz para lutar contra isto?
A JA! trabalha em estreita colaboração com as comunidades afectadas pela indústria do gás. Desempenhamos o papel de vigilantes – observando o que a Total e a indústria do gás estão a fazer com a população local – e trabalhamos com essas comunidades para lutar contra a indústria desde o nível da base. Apoiamos as comunidades disseminando as suas reclamações, mantendo a comunicação com a indústria e educando-as sobre os seus direitos.
Levamos estas vozes para o nível internacional em conjunto com parceiros próximos, para que as pessoas em todo o mundo possam ouvi-las – activistas, o público, a mídia, os tribunais e aqueles que estão no poder.
Qual é a solução?
Em Março de 2021, o governo do Reino Unido anunciou o fim do financiamento de combustíveis fósseis no exterior, mas isso veio tarde demais para o projecto LNG de Moçambique, uma vez que já haviam tomado a decisão de financiamento em Julho de 2020. Embora seja encorajador que durante a COP26, vários países envolvidos na indústria de gás de Moçambique se tenham comprometido a encerrar o financiamento de combustíveis fósseis no exterior após 2022, no entanto, isso não os livra da destruição que já estão a financiar – precisam de cancelar os seus actuais acordos de financiamento com a Total e a indústria do gás, e com o projecto LNG de Moçambique paralisado, esta é uma oportunidade ideal. Mas a Total não pode simplesmente fugir do que fez. Precisa de reparar o estrago que já criou.
Os países do Norte global precisam de pagar a sua dívida climática a Moçambique, cancelar dívidas históricas e fornecer financiamento climático suficiente para uma transição para fontes alternativas de energia, garantir acesso a tecnologias de energias renováveis sem patentes de propriedade intelectual e fornecer educação sobre essas tecnologias.
O que o povo do Reino Unido pode fazer para ajudar?
Pode apoiar o processo judicial, compartilhando-o nas redes sociais e seguindo a FoE EWNI nas redes sociais, para se manter actualizado a respeito das acções planeadas.
Pode conversar com os seus deputados locais sobre para onde está a ir o seu dinheiro dos impostos, e fazer com que se levante a questão ao nível parlamentar e político.
Pode fazer com que a mídia se interesse.
Pode participar de reuniões de accionistas e organizar acções de protesto à frente dos escritórios de empresas do sector.
Pode continuar a amplificar as nossas demandas, enquanto exigimos: As empresas de combustíveis fósseis devem cancelar os seus projectos em Moçambique e partir para sempre, e o Reino Unido e todos os outros financiadores devem cancelar o seu financiamento de gás em Moçambique imediatamente!
O Reino Unido deve parar com as suas práticas coloniais de tomar os recursos de África, deixando destruição, conflito e sofrimento no seu rastro. Não deve mais extrair riquezas e poder às custas do povo Moçambicano. Em vez disso, queremos energias renováveis geridas pelo comunidade e para o benefício do povo.
Eu sou pescador e preciso do mar, foram as palavras que me disse aquele homem que depois de muito teimar para não sair do seu distrito, Palma, sentiu-se obrigado a levar as suas duas esposas, seus filhos, sobrinhos e cunhadas para o distrito de Montepuez em Julho de 2021. Não aguentava mais viver com medo, sendo controlado em cada posto de controle, até para sair de Palma teve que sair como se de um fugitivo se tratasse para escapar ao interrogatório e extorsão por parte de alguns militares.
“ Abandonei a minha camioneta em Quitunda, não deixei com ninguém, não sei se ainda vou encontrar. Parte dos meus barcos ficaram por lá e nem sei em que condições se encontram as minhas casas ”
Os seus olhos vermelhos e o semblante de desesperança fizeram ecoar em mim suas palavras, sou pescador, preciso do mar. Mas em Palma já não tinhas o mar perto, respondi-lhe.
Sendo um reassentado de Milamba, ele perdeu o fácil acesso às áreas de pesca mas preferiu mudar-se para Maganja para poder continuar a sentir o cheiro do mar, o sol a bater na sua pele escura, e a areia fina e branca debaixo dos seus pés .
Em Montepuez, foi o local onde preferiu ficar por ser a terra de uma das suas esposas, assim ficaria próximo da família e assim garantia em caso de necessidade que o socorro vinha de perto. Perguntei-lhe se já tentou ir até Nampula, Angoche e Larde, são distritos que se parecem um pouco com a zona costeira de Palma. Nesse momento, voltou a encarar-me com aqueles olhos vermelhos e disse-me: “eu só quero ir para casa e na minha casa eu vou encontrar o mar que preciso.”
Engoli em seco, fiquei sem palavras e uma dor imensa no peito, não consigo ajudar este homem que perdeu muito mais que seus bens materiais, perdeu sua historia e a sua identidade com o projecto de exploração de gás na sua comunidade mas hoje… hoje ele perdeu o sentido da vida.
21 de Setembro Dia Internacional de Luta contra as Plantações Industriais de Árvores
Por ocasião do dia 21 de Setembro de 2021, Dia Internacional de Luta contra as Plantações Industriais de Árvores, a Ação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), a Justiça Ambiental (JA!), o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), a Missão Tabita e a AJOCME juntaram-se na organização de um encontro internacional sob o lema “Como Resistir às Plantações de Monocultura”. Este encontro foi realizado de forma mista, interligando via plataforma Zoom, modo a respeitar as medidas de prevenção da pandemia, pequenos grupos de membros de comunidades afectadas por plantações de monoculturas provenientes de 4 províncias do país (Manica, Sofala, Zambézia e Nampula) nas cidades de Chimoio, Quelimane e Nampula em Moçambique, membros afectados pela empresa Green Resources na cidade de Iringa na Tanzânia e ainda parceiros importantes no Brasil e em Portugal.
A nossa primeira sessão do Encontro “Como resistir às Plantações de Monocultura?” decorreu no dia 21 de Setembro e foi essencialmente dedicada à partilha de experiências de membros das comunidades afectadas, bem como das organizações da sociedade civil que apoiam e trabalham com estas comunidades e ainda dos instrumentos práticos para denunciar e resistir à violação de direitos, à usurpação de terra e meios de vida.
Ouvimos os testemunhos de membros de comunidades afectadas pelas plantações das 4 províncias do pais e ainda da Tanzânia, onde também opera a Green Resources, e apesar de se tratarem de comunidades em diferentes províncias, e até noutro país, os seus relatos foram assustadoramente semelhantes no que se refere aos impactos das plantações de monocultura nas suas comunidades e nas suas vidas em particular.
Estes testemunhos foram carregados de sentimento, percebemos uma vez mais a imensa insatisfação e sentimento de abandono, e em todos ouvimos sobre:
– As inúmeras promessas de vida melhor, emprego, construção de escolas, pontes, etc, todos os testemunhos referem a promessas não cumpridas, referem ainda que foram estas mesmas promessas que permitiram a entrada destas empresas nas suas comunidades, a expectativa de melhorar de vida foi maior do que o conhecimento sobre os impactos destas;
– As consultas comunitárias foram mal conduzidas, por não terem sido abrangentes, não trazer informação sobre os impactos não permitiram uma participação informada das comunidades em questão, referindo ainda que foram apenas promessas e pouca informação ou nenhuma informação sobre os impactos;
– O pagamento de compensações por perda de terra e meios de subsistência foi inadequado, por vezes inexistente, e não resultou de uma negociação com os afectados mas sim de uma imposição das empresas em estreita colaboração com o governo,
– As queixas e reclamações das comunidades ao longo dos últimos anos tem sido largamente ignorada, minimizadas ou ate combatidas através de ameaças e intimidação a quem continua a resistir;
– O Governo esta cada dia mais distante do povo, não reconhece e responde aos apelos e as queixas dos mesmos e não protege os interesses e bem estar do povo;
De Nampula, ouvimos das comunidades afectadas que a empresa Green Resources esta falida e a retirar-se de 4 comunidades, nomeadamente Lancheque, Meparara, Messa e Namacuco. Mas esta saída da empresa, não esta a ser transparente nem simples, pois nem a empresa nem o Governo se dignaram apresentar as comunidades como sera e o que significa de fcato esta saída. Em vez disso, foram informados por organizações da sociedade civil que segundo os relatos não tinham qualquer relação com as comunidades antes deste momento, e o que lhes foi apresentado é que a empresa esta a retirar-se e a devolver as terras as comunidades, e que os eucaliptos já plantados passarão a responsabilidade destas, mas que para tal serão estabelecidas associações comunitárias e serão estas a gerir o processo. Embora supostamente estejam a devolver a terra a estas comunidades, o processo que esta a ser levado a cabo e igualmente problemático, pois não esta a ser conduzido de forma aberta e transparente, foi pensado e decidido uma vez mais a nível central, não se sabe exatamente por quem ou como e foi imposto as comunidades que pouco ou nada tem a dizer, pois já esta decidido que será assim, e mesmo contestando esta a avançar, pois há que justificar fundos e fazer relatórios aos doadores. É vergonhoso e inaceitável! Como organizações da sociedade civil, denunciamos e criticamos a imposição de projectos e decisões por parte do governo e das empresas e agora vemos também organizações da sociedade civil a proceder da mesma forma, alegando que o fazem pelo bem das comunidades… não é este o mesmo discurso que ouvimos do governo e das empresas? E por que não consultam as comunidades antes de decidir sobre o que é melhor para estas? Porque julgam que estão a proteger as comunidades? Ficou claro que as comunidades querem a sua terra de volta, mas não querem os eucaliptos, nem tao pouco querem mais uma decisão imposta!
Da Zambézia ouvimos relatos de graves situações de conflito entre a empresa Mozambique Holdings Lda. em Lugela e as comunidades locais, desde perseguição, intimidação, agressão física e psicológica de camponeses e camponesas membros destas comunidades até mesmo à destruição de culturas e de celeiros de membros da comunidade. Foram submetidas queixas formais ao nível da Policia no distrito de Lugela, estas situações constituem crime e deverão ser tratadas como tal, que seja feita justiça de forma exemplar para que jamais funcionários e dirigentes de alguma empresa sequer considere proceder de forma similar.
Ainda da Zambézia ouvimos também testemunhos de afectados pelas plantações da Portucel Moçambique, uma empresa já bastante conhecida, as situações referidas são comuns nas várias comunidades afectadas, e as mais graves incluem a perda de terra para cultivo, empregos muito escassos, sazonais e precários, situações de perseguição; as inúmeras promessas de vida melhor foram apenas promessas para convencer as comunidades a ceder as suas terras e hoje estas comunidades já não tem mais esperança nestas promessas nem na empresa, já não há como enganar com discursos pois a grande maioria dos afectados não viu qualquer melhoria na sua vida, pelo contrário, as suas vidas estão ainda mais difíceis pelas razoes acima.
As organizações da sociedade civil que trabalham em estreita ligação com estas comunidades também falaram sobre os inúmeros desafios enfrentados para levar a cabo o seu trabalho, pois ao defender e dar voz às queixas e às demandas das comunidades, colocam-se estas também sob a mira destas empresas e das autoridades locais, e sofrem imensa pressão dos mesmos, desde visitas inesperadas, exigências constantes de documentação destas instituições desde comprovativos de registo das mesmas, aos estatutos ate a autorizações para trabalhar nestas comunidades, apesar de serem associações devidamente autorizadas e registadas, portanto autorizadas a trabalhar no país.
Da Tanzânia, ouvimos também sobre as queixas e conflitos entre as comunidades e a Green Resources, assustadoramente semelhantes à situação em Moçambique. Percebemos ainda como a empresa e os seus interesses são protegidos e defendidos pelo governo. O trabalho da fundação Suhode enfrenta inúmeros desafios, inclusive perseguição e detenção pela polícia. Recentemente foram presos por 19 dias, sem nenhuma acusação formal, todo o seu equipamento foi confiscado, e permanece na posse da polícia até hoje.
No final desta primeira sessão, foram ainda apresentados e discutidos alguns dos instrumentos práticos para que estas e tantas outras comunidades possam exigir a reposição dos seus direitos e de fazer ouvir as suas queixas e demandas.
A segunda sessão decorreu no dia 22 de Setembro e foi dedicada a discutir e perceber os planos de expansão das plantações de monocultura que surgem mascarados sob o falso pretexto de “reflorestamento” enquanto nada mais são do que estabelecimento de mais e mais áreas de monocultura, que foi muito claramente apresentado pelo Winnie Overbeek do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. E Erika Mendes da JA! complementou falando sobre como se beneficiam as empresas de plantações destes planos e como os influenciam, como se processa de facto a arquitetura da impunidade corporativa de que gozam estas grandes empresas e como são tao mais “protegidas” por inúmeros tratados e acordos que os próprios estados. Oliver Munnion da Global Forest Coalition falou ainda sobre como as empresas como a Portucel, beneficiam de fundos da iniciativa de restauração florestal, fundos que deveriam servir de facto para a restauração florestal estão a ser canalizados para empresas como a Portucel com inúmeras queixas das comunidades onde operam, empresas privadas com actividades comprovadamente inadequadas, no entanto, isto não só é possível como tem sido largamente promovido, e alias constitui a ‘Estratégia Nacional de Reflorestamento’.
Nesta segunda sessão, focamos ainda nos inúmeros exemplos de resistência em redor do mundo, em particular exemplos dos companheiros do Brasil, em que comunidades afectadas tem não só resistido `a ocupação dos seus territórios, como tem inclusive recuperado terras comunitárias e tem se fortalecido como movimentos sociais cada vez maiores e mais fortes através de processos de empoderamento e unificação das comunidades afectadas e de organizações parceiras e empenhadas na luta pela defesa dos direitos humanos, direito a terra e á soberania alimentar!
A agroecologia tem um papel fundamental nesta luta, pois incorpora importantes questões sociais e políticas, por exemplo ao reconhecer os direitos dos povos e comunidades sobre a sua terra e recursos naturais, ao promover a soberania alimentar e a organização comunitária, fortalece as lutas contra usurpação de terra e meios de subsistência e rejeita e resiste ao controle destes pelas grandes corporações. A Agroecologia valoriza o bem-estar das pessoas e a vida, respeita e promove o conhecimento tradicional, como os sistemas de gestão de sementes nativas. A agroecologia fortalece a soberania e a segurança alimentar, já que promove a diversidade, a consorciação de culturas e enquanto alguma variedade de alimento estiver em risco, outras podem se manter resistentes e sobreviver.
A agroecologia vê a natureza como aliada!!!
Comprometemo-nos a continuar a luta, comprometemo-nos a continuar a denunciar a violação de direitos e a exigir a reposição dos mesmos. As principais demandas e compromissos resultantes do nosso encontro estão contidas na Carta pública do Encontro Internacional “Como Resistir às Plantações de Monocultura”.
Faz já algum tempo que os membros das comunidades em volta de monte Mabu vem se queixando do comportamento e das acções dos dirigentes e alguns funcionários da empresa Mozambique Holdings Lda a nível do distrito de Lugela. A Mozambique Holdings estabeleceu em Lugela uma plantação de monocultura de árvores de seringueira para a produção de borracha. Conforme já referido em publicações anteriores, a Mozambique Holdings Lda. obteve o DUAT através do trespasse da antiga empresa Chá Madal supostamente em 2015 ainda que em circunstâncias por clarificar, e de acordo com a liderança local e informações colhidas a nível dos órgãos competentes, este processo avançou sem levar a cabo consultas comunitárias e o Estudo de Impacto de Ambiental, previstos por Lei. O processo de Avaliação do Impacto Ambiental é crucial e indispensável para avaliar a viabilidade socioambiental do projecto, portanto, não se percebe até ao momento como pode estar esta empresa a actuar sem ter levado a cabo estes processos. Estas irregularidades já foram denunciadas ao Ministério do Ambiente e Terra e às várias direções e instituições relevantes, no entanto, como se pode verificar no terreno a empresa continua a actuar sem qualquer impedimento, sem licença ambiental, sem autorização de derrube, sem consulta comunitária.
A JA! já submeteu uma série de documentos às instituições nacionais relevantes a esta matéria, incluindo ao governo local, desde a administração da localidade à administração do distrito representado pela sra. administradora do distrito, a questionar e a denunciar os desmandos e as inúmeras irregularidades processuais, sociais e ambientais perpetrados pela Mozambique Holdings naquela região do país, por supostamente estarem “protegidos lá de cima”, segundo as afirmações dos seus próprios dirigentes locais nas suas incursões e no momento em que semeiam terror nas comunidades. Nem os órgãos a nível da localidade escapam ao desrespeito e falta de consideração por parte da liderança da empresa, aliás estes órgãos já reportaram às entidades a nível do distrito sobre actuação arrogante e prepotente por parte da empresa, e nada aconteceu.
As comunidades viram-se forçadas a abandonarem algumas terras e as vias de acesso que usavam a mais de 15 anos para produção de alimentos, que embora fossem da empresa Chá Madal, esta sempre permiti o seu uso pelas comunidades locais como sinal de boa convivência e bom relacionamento. Os conflitos entre a Mozambique Holdings e as comunidades locais tem vindo a agravar-se de forma preocupante e assustadora, saindo da fase de retirada forçada de membros da comunidade em áreas onde a empresa desenvolve as suas actividades para a fase de retirada das pessoas de áreas “supostamente da empresa”, mas que esta não esta a explorar e estão bastante distantes da área explorada, não só devido a distância em relação as instalações da própria empresa, como também pelo difícil acesso a estas áreas. A título de exemplo, localmente fala-se que dos cerca de 10 000 ha que a empresa supostamente detém o DUAT, esta já plantou 500 ha de terra, ou seja cerca de 5% da área foi plantada em mais de 3 anos de actividades silviculturais, o que revela que a empresa ainda está longe de ocupar toda área na sua posse.
As situações reportadas incluem actos de violência e agressão física e psicológica a membros das comunidades, proibição de uso de terras que estas comunidades sempre utilizaram para produção de alimentos nas zonas baixas e mais produtivas, perseguição, ameaça e intimidação às famílias camponesas nas suas próprias residências durante a noite. As situações mais recentes foram de tal modo graves que culminaram num encontro, no dia 02 de Setembro, no recinto da empresa entre a chefe do posto de Tacuane, comandante de Tacuane, técnico da agricultura de Tacuane, chefe da localidade, primeiro secretário do partido, régulo de Limbue, secretário do povoado de Namadoe, alguns membros da comunidade e representantes da empresa (Ranga – suposto director e Lazaro – conhecido como gerente), no qual estes supostamente reconheceram o erro e manifestaram a intenção de o corrigir, como se estas situações fossem resolvidas com um simples pedido de desculpas ou reconhecimento do erro. Apesar deste encontro, para o espanto de todos, na semana seguinte precisamente a partir dia 8 de Setembro, cinco funcionários da empresa sob a liderança do Sr. Binu (indiano) e Sr. Lazaro Mareua (zimbabueano) destruíram culturas ainda nas machambas e queimaram celeiros com milho armazenado e cabanas que serviam de local de descanso, de pelo menos onze (11) famílias das comunidades de Nvava e Namodoe. Nesses celeiros, para além da queima de alimentos, foram também queimados e confiscados diversos instrumentos de trabalho que incluem enxadas, catanas, ratoeiras e recipientes de água.
A JA! na companhia da liderança local esteve no terreno, verificou o acto que foi confirmado através dos depoimentos dos lesados que presenciaram o acontecimento, que chegaram inclusive a implorar, sem sucesso, a estes funcionários da empresa que não queimassem os alimentos que se encontravam dentro do celeiro, que permitissem que fossem retirados. Para além de partilhar este acto macabro com a chefe do posto de Tacuane e chefe da localidade, a JA! aconselhou os lesados a fazerem uma queixa formal as autoridades policiais para que o assunto seja devidamente resolvido, e para que jamais a empresa sequer considere a hipótese de agir desta forma criminosa novamente, pois importa referir que agressão física, ameaça e intimidação, perseguição, invasão domiciliar, destruição de propriedade são crimes previstos na lei e não são esquecidos com base num pedido de desculpa ou suposto arrependimento.
Indignados e agastados com a situação, os camponeses lesados pela empresa, sob a liderança de um dos líderes comunitários decidiu, no dia 16 de Setembro fazer uma denúncia no posto policial de Tacuane contra os funcionários que os lesaram e neste momento o Auto da Denúncia já seguiu para o SERNIC1 a nível do distrito de Lugela para averiguação, juntamente com as denúncias de outros lesados já feitas nos casos anteriores.
A JA! tem vindo a acompanhar esta situação desde a entrada da empresa e continuará a seguir com a devida atenção este caso até as últimas consequências.
Condenamos e denunciamos o comportamento da Mozambique Holdings Lda., e reiteramos que o comportamento de alguns funcionários é da inteira responsabilidade da empresa pois estes actuam sob ordens e as situações tem vindo a ser denunciadas a empresa desde pelo menos 2017, e denunciamos igualmente a completa inércia dos vários órgãos do governo aos quais temos vindo a alertar, a denunciar e a solicitar a intervenção urgente de modo a evitar estas situações e outras e pouco ou nada fizeram.
Por fim, exigimos as instituições governamentais de direito a averiguação das inúmeras queixas e denuncias apresentadas e a responsabilização criminal da empresa e dos seus funcionários pelos desmandos recorrentes que exercem naquela região sob olhar impávido do nosso governo. É inaceitável e intolerável a atitude desta empresa, que com a conivência de quem os protege, tende a anular todo esforço das comunidades na busca de soluções para sustentar as suas famílias camponesas que dependem directamente da terra para sobreviver.
Plantações não são florestas!
A nossa prioridade não pode ser o lucro de alguns, mas sim o respeito pela vida, pelo bem estar do povo, e sem terra para cultivar a grande maioria do povo moçambicano não sobrevive, pois é da terra que depende!
21 de setembro 2021 – Dia Internacional de Luta contra as Plantações Industriais de Árvores
Nós, cerca de 60 membros de comunidades rurais que enfrentam as monoculturas industriais de árvores nas suas terras, vindos das províncias de Manica, Sofala, Zambézia e Nampula em Moçambique e da província de Iringa na Tanzânia; junto com parceiros nacionais e internacionais; reunimo-nos em pequenos grupos nas cidades de Quelimane, Nampula, Chimoio em Moçambique, na cidade de Mafinga na Tanzânia e interligados por computadores e telemóveis, devido á pandemia – durante os dias 21 e 22 de Setembro 2021 no evento internacional “Como Resistir às Plantações de Monocultura”.
Há anos, estas comunidades resistem às plantações de monocultura de eucalipto das empresas Green Resources em Moçambique e na Tanzânia, da empresa Portucel em Moçambique; da empresa Investimentos Florestais de Moçambique (IFM) e as plantações de monocultura de seringueira da empresa Mozambique Holdings em Moçambique.
Os membros das comunidades presentes resolveram romper o silêncio imposto pela pandemia e denunciar mais uma vez que as empresas de eucalipto e seringueira chegaram nas suas terras – em alguns casos há muitos anos atrás – com promessas de desenvolvimento, um futuro com escolas, hospitais, energia e pontes. No entanto, denunciam que nenhuma destas promessas foi cumprida. E pior, os eucaliptos e seringueiras ocuparam e destruíram as terras férteis das machambas e hoje as famílias não têm mais como se alimentar e algumas não tem mais onde morar. Se o eucalipto fosse um alimento, seria bem melhor, mas não é. Além disso, as empresas destroem as árvores nativas e usam produtos químicos que contaminam o solo e a água. Poços e rios secaram e a água potável ficou escassa. Em vez de construir pontes, as empresas destruíram pontes com as suas máquinas pesadas, sem se preocupar em repará-las. As comunidades sentem medo de atravessar as áreas de monoculturas. Mesmo já a ocupar extensas áreas, as empresas querem ocupar ainda mais terras.
Constatamos e analisamos que toda esta situação está a causar muito sofrimento, muita fome nas comunidades, afecta de forma particular as mulheres. O Governo abriu a porta para as empresas e investidores e a fechou para o povo. O que está a acontecer é uma nova forma de colonialismo onde a empresa é a novo colonizador das terras onde as comunidades vivem há muitas gerações.
Mesmo que as empresas justifiquem que fizeram a consulta às comunidades, não houve consulta onde pudessem aceitar ou recusar a empresa, houve muita manipulação de informações e promessas não-cumpridas. Os empregos prometidos não existem, só alguns, mas na sua maioria sazonais e mal pagos. As indemnizações têm sido absolutamente irrisórias, insuficientes para adquirir outra machamba fora da comunidade.
Quando alguém resolve fazer machamba em terras que a empresa alega ser sua, a pessoa é intimidada e ameaçada. Isso ocorre também quando alguém apresenta uma queixa junto aos seus líderes ou governantes locais. Neste caso nada é feito porque essas autoridades recebem algo das empresas ou são igualmente intimidadas e desrespeitadas pela empresa. Para piorar, em alguns casos não é apenas a polícia e a empresa, mas os próprios líderes da comunidade que intimidam e ameaçam os membros da sua própria comunidade caso apresentem queixa. Nem as organizações que apoiam as comunidades são poupadas de intimidação. Recentemente, a equipe da Suhode Foundation na Tanzânia foi ilegalmente detida pela polícia por 19 dias, tiveram todo o seu equipamento confiscado e permanece até hoje na posse da Polícia. Com toda a certeza a Green Resources está por detrás disso, na tentativa não só de dividir as comunidades, mas também impedir que organizações da sociedade civil continuem a apoia-las.
Exigimos que as comunidades e os seus parceiros tenham seus direitos assegurados em diversos instrumentos legais nacionais e internacionais, plenamente garantidos; que os nossos governos defendam o povo e não as empresas; que as intimidações e ameaças por parte das empresas, das autoridades e também de alguns líderes comunitários parem; que os nossos governos em vez de proteger as empresas ordenem que estas sejam investigadas pelas múltiplas violações que estão a causar; que os governantes discutam com as comunidades o seu futuro para que as comunidades possam participar de fato na planificação que visa garantir sua permanência nas terras, hoje e futuramente, e melhorar as suas condições de vida rumo ao futuro.
Mesmo que as empresas não parem de expandir, mesmo que tentem intimidar e ameaçar, nós comprometemo-nos a continuar a unir-nos na luta contra as monoculturas e a destruição e usurpação de terras; mesmo que as empresas e governos nos insultem, vamos continuar a buscar formas para que as comunidades possam retomar os seus territórios, algumas comunidades na Tanzânia já o fizeram; mesmo que nos ameacem, vamos continuar a levantar as nossas vozes cada vez mais e juntos vamos continuar a expor a situação das comunidades e a denunciar as ações das empresas; mesmo que não nos queiram ouvir, não vamos desistir de chamar os nossos governantes a juntar-se às suas comunidades, comunidades que antes de mais deveriam defender e proteger.
Acreditamos que juntos seremos mais fortes para resistir às monoculturas e todo o tipo de usurpação das nossas terras, em especial neste 21 de setembro, Dia Internacional de Luta contra as Plantações Industriais de Árvores.
21 de setembro de 2021 – Plantações não são Florestas!
Membros das comunidades Rurais
Ação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais – Adecru
Associação de Jovens Combatentes Montes Errego – AJOCME
Fórum Carajás – Brasil
Fundação Suhode Tanzânia
Justiça Ambiental – JA! – Amigos da Terra Moçambique
Missão Tabita
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) – Brasil