Tag Archives: Mudanças climáticas

Basta de impunidade para os crimes, a violência e a negligência da Mozambique Holdings!

É preocupante quando, na mesma semana, chegam-nos dois relatos distintos de camponesas afectadas pela Mozambique Holdings, que se cansaram de ser desrespeitadas e humilhadas e tiveram de recorrer à violência para se fazerem respeitar! Violência não é a solução, nem tão pouco promovemos ou defendemos actos de violência! No entanto, já ouvimos demasiados relatos de situações humilhantes e até actos criminosos, já por nós anteriormente relatados e denunciados… por tudo o que já vimos e ouvimos percebemos o que levou esta camponesa a dizer basta! Segundo membros da comunidade, a camponesa a caminho da sua machamba usou um corta mato, que atravessa a plantação, e no caminho foi vista por funcionários da Mozambique Holdings que passavam de carro. O chefe decidiu então colocar-se à saída do corta mato e ordenar que a camponesa voltasse atrás e usasse o outro caminho, bem mais longo! A camponesa explicou que a sua machamba estava próxima dali, que não tinha catana e não estava a estragar as plantas da empresa, mas ainda assim o chefe estava reluctante em deixá-la passar e insistia que ela não iria passar ali, teria de voltar atrás. A camponesa recusou-se a voltar atrás, e depois de uma breve discussao e ao que consta esta exaltou-se e bateu-lhe e seguiu o seu caminho, para sua machamba.Não houve até ao momento qualquer queixa sobre este incidente e a vida continua!

Este incidente é claramente resultado de várias situações que teem desgastado vários membros destas comunidades, o estabelecimento da plantação trouxe inúmeros impactos negativos para a vida destas comunidades, uma vida já bastante dificil. Perderam machambas, perderam acesso a caminhos que sempre utilizaram, o abate de árvores em redor das comunidades para dar espaço à plantação levou a um agravamento dos impactos das tempestades e chuvas já tipicas da zona mas que agora se mostram mais fortes e destrutivas pois já não tem a barreira da vegetação natural que foi desbravada. A cada ano mais e mais casas são destruidas pela força do vento e das chuvas, o desmatamento aumentou pois foi necessário abrir novas machambas, o capim para cobertura das casas encontra-se cada vez mais longe e portanto muito mais caro… e quais são os beneficios? Convidamos qualquer curioso a deslocar-se ao local e procurar os beneficios que a Mozambique Holdings trouxe a estas comunidades, mas venham com tempo pois vão procurar bastante e não vão encontrar nada mais do que alguns poucos membros das comunidades que conseguiram um emprego miseravelmente mal pago… aproveitem e conversem um pouco com estes também, e vão rapidamente perceber que só se mantem a trabalhar por não ter qualquer outra opção de emprego. Isto não é desenvolvimento!

Já podemos prever que virão pessoas criticar a atitude desta e outras camponesas, falando da necessidade de resolver os problemas através do diálogo e das instituições relevantes. Mas é esta a violência que mais nos aflige, mesmo? Por que ficamos calados quando a violência é estrutural, e afecta a capacidade de subsistência e sobrevivência de famílias que são excluídas dos processos de tomada de decisão e para as quais o sistema de justiça não funciona? Como podemos permitir que o governo a nível local e central, com tantas evidências e denúncias da violência perpetrada por funcionários da Mozambique Holdings (inclusive física, conforme reportamos aqui), não tome medidas urgentes para punir e expulsar estas empresas?

Por conhecermos esta realidade, entendemos e solidarizamo-nos com a camponesa, na esperança que incidentes de violência não se repitam e que seja possível resolver os inúmeros conflitos na base do diálogo e do respeito pelos direitos destas comunidades e no cumprimento da lei!

A luta continua!

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COLECTIVA DE JUSTIÇA CLIMÁTICA DE ÁFRICA: EM SOLIDARIEDADE COM OS POVOS DA ÁFRICA AUSTRAL E CENTRAL

O Coletivo de Justiça Climática da África está preocupado com os efeitos devastadores da crise climática na África, especialmente as recentes inundações que submergiram algumas partes das regiões da África Austral e Central do continente.

O ciclone Freddy causou estragos nos países da África Austral, especialmente Madagáscar, Moçambique e Malawi desde Fevereiro de 2023. Milhares foram deslocados e centenas perderam suas vidas enquanto outros ainda estão desaparecidos. Em Madagáscar, pelo menos 300.000 pessoas foram afectadas, 17 pessoas morreram e 3 estão desaparecidas. Malawi registou 563.771 pessoas deslocadas, 511 mortos e 533 desaparecidos. Na província da Zambézia, em Moçambique, 22 mil pessoas estão desalojadas, 10 mortas e 14 feridas.

Na África Central, a cidade de Buea, no sudoeste dos Camarões, entre 18 e 19 de Março de 2023, sofreu chuvas torrenciais que causaram inundações e desabamentos de terra e resultaram em vítimas. Os desastres gémeos, ambos desencadeados por várias horas de chuva, levaram à perda de vidas (reportagens da media confirmaram 2 mortes) e destruição de propriedades. No total, cerca de 300 pessoas que vivem no sopé do Monte Camarões foram afectadas. Em todos esses países, casas e infraestruturas foram destruídas, e isso levará muito tempo e exigirá um fluxo significativo de fundos para se recuperar. Esses eventos destacam a necessidade urgente de estratégias eficazes de resposta à desastres e medidas de mitigação das mudanças climáticas para proteger as comunidades vulneráveis nos países afectados e além.

Diante desses trágicos eventos, o Colectivo Africano de Justiça Climática (ACJC), que é composto por 27 organizações da sociedade civil baseadas em movimentos e outras aliadas, além de indivíduos e parceiros em toda a África, pede acções concretas para lidar com as emergências climáticas em andamento, não apenas na África Austral, mas no continente como um todo. A longa jornada do Ciclone Freddy começou na costa da Austrália no início de Fevereiro de 2023. Depois de se tornar uma tempestade excepcionalmente poderosa e cruzar o Oceano Índico, Freddy atingiu pela primeira vez o leste de Madagáscar em 21 de Fevereiro e o sul de Moçambique alguns dias depois.

Segundo Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental/Friends of the Earth Moçambique e organizadora da ACJC “o nosso povo é obrigado a pagar a dívida que nunca teve, é obrigado a colher dor e agonia da crise que nunca criou enquanto o Governo e as corporações multinacionais vão para o Banco com bolsos gordos”.

Rumbidzai Mpahlo, que coordena o ACJC, afirmou que “Como colectivo, nós continuamos a pedir a activação do financiamento climático e do Fundo de Perdas e Danos sem qualquer criação de dívidas e condições repressivas. Trata-se de uma emergência que deve ser tratada com a urgência que merece.

Maimoni Ubrei-Joe, da Friends of the Earth África e Nigéria, afirmou que o recente relatório do IPCC demonstrou ainda mais o fracasso dos líderes mundiais em se comprometer a enfrentar a crise climática global. ““A hora de agir para reverter os impactos negativos das mudanças climáticas é agora””.

Este recente relatório do IPCC mostrou suficientemente como as previsões climáticas de curto prazo (abrange as próximas décadas) não são brilhantes, e desastres climáticos como o ciclone Freddy se multiplicarão com consequências desastrosas. É, pois, mais do que nunca o momento de construir uma gestão de calamidades mais eficaz e eficiente, capaz de antecipar esses riscos e desastres, olhando com urgência para o caso das comunidades afectadas pelo Ciclone Freddy. Experiências positivas de gestão de cheias extremas e outros fenómenos climáticos no continente africano devem inspirar o desenvolvimento e reforço de mecanismos de alerta e resposta rápida.

A rede africana CADTM exige que as multinacionais poluidoras reconheçam as suas dívidas climáticas e paguem as devidas compensações às vítimas das alterações climáticas e de África como um todo com enfoque nestes três países: Moçambique, Malawi e Camaroes, que estão actualmente a lutar com os impactos das mudanças climáticas. A rede africana CADTM convida os líderes africanos a absterem-se de reembolsar as dívidas que contraíram na reparação dos danos climáticos.

Por meio deste, nos solidarizamos com os afectados em Malawi, Moçambique, Camarões e Madagáscar. O Norte Global e os Governos dessas nações devem garantir que os fundos e materiais de socorro sejam disponibilizados para perdas e danos conforme acordado na COP 27, e esses fundos devem ser disponibilizados para os directamente afectados e não canalizados para os fundos ecológicos das nações onde serão desviados para atender outras necessidades nacionais deixando de fora aqueles que foram gravemente afectados pelo ciclone.

Estamos a atravessar um grande momento de transição, de um sistema que está a desmoronar, para um novo, que ainda não está totalmente formado. Neste exacto momento, uns poucos e poderosos africanos sedentos de sangue continuam a vender os nossos países e a nossa soberania, fomentando guerras e destruições por vaidade e ganho pessoal por alimentar. Ao mesmo tempo, no terreno estão a mostrar o melhor dos nossos princípios humanos, lançando-se no caos pós-catástrofe, para socorrer as vítimas, chegando muitas vezes às zonas onde “nunca chega ajuda”, e tantos outros que mobilizam a sua solidariedade em suas próprias maneiras de apoiar seus compatriotas.

Por mais solidariedade internacional que haja em qualquer grande desastre, as nações africanas devem reunir a visão, as capacidades, as habilidades e os recursos necessários para não apenas estar preparados para desastres, mas para administrar seus territórios em harmonia com a natureza. A ACJC reconhece que há grande complexidade na efectiva implementação desta proposta, mas somente a própria Nação pode reivindicar sua própria soberania. Os Governos Africanos DEVEM MUDAR DE CURSO. As soluções e propostas do ACJC fornecem um guia para isso. Mas há muito mais a ser feito. Agora, mais do que nunca, há ampla evidência de que territórios com maior biodiversidade são significativamente mais resilientes ou capazes de se recuperar mais rapidamente de choques relacionados ao clima. Algumas, senão a maioria, das soluções já estão ao nosso alcance como sociedade.

Nossos corações estão com todos os perdidos e com aqueles que ficaram para trás em luto, mas também com todos os sobreviventes e aqueles que trabalham no terreno para tornar suas comunidades um lugar melhor para nossos entes queridos.

UMA NOVA ÁFRICA É POSSÍVEL!

JUSTIÇA CLIMÁTICA AGORA!

Contacto: Benson Dotun Fasanya | info@africaclimatejustice.org | +2347062249235.

Contacto: Judite Jofrice | judite.ja.mz@gmail.com| (+258) 84 310 6010

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Um ano sem a Vale: novos artistas, a mesma desgraça

Fez, em Março deste ano, 1 ano desde que a VALE Moçambique parou de explorar o carvão mineral no distrito de Moatize, província de Tete, deixando para trás milhares de famílias afectadas que ainda esperam compensações, reparações e justiça. Aquilo que para muitos parecia um rumor confirmou-se com o anúncio do Ministério de Recursos Minerais e Energia (MIREME), a 25 de Março de 2022, em que autorizava a venda dos activos da VALE Moçambique, ignorando o apelo de dezenas de organizações da sociedade civil que exigiam que a VALE resolvesse todos os seus pendentes antes de sair do país.

Numa carta aberta assinada por 29 organizações da sociedade civil e grupos afectados pela VALE, e enviada para o MIREME, estas afirmavam terem “envidado esforços para documentar e denunciar as graves e variadas violações de direitos humanos perpetradas pela empresa VALE Moçambique e o incumprimento das suas obrigações, incluindo a sua contribuição para a degradação ambiental no Distrito de Moatize. Existem ainda inúmeros processos legais em curso (…) contra a empresa VALE Moçambique, que devem ser finalizados antes que a venda seja autorizada por este Ministério.” Vários anexos foram enviados juntamente com a carta, para corroborar estas alegações. Não obstante, o governo fez-se de surdo e o Ministro dos Recursos Minerais e Energia autorizou a venda em menos de 20 dias após tomar posse – um recorde de rapidez numa decisão tão sensível quanto controversa.

As operações de exploração de carvão mineral na mina de Moatize (II, III e IV) passaram então para a gestão da empresa Vulcan Minerals, parte do grupo Indiano Jindal, que adquiriu os activos da VALE num negócio de cerca de 270 milhões de dólares. Importa lembrar que o grupo Jindal já vem explorando desde 2013 a mina de Chirodzi, no distrito de Marara, também na província de Tete, com um historial manchado de violações de Direitos Humanos e atropelos à legislação Moçambicana – apesar dos seus inúmeros selos de sustentabilidade e alegados compromissos com a responsabilidade social corporativa.

Um ano depois, o balanço do que se vive em Moatize vem confirmar os piores receios das comunidades locais e das organizações da sociedade civil: tudo continua na mesma. As centenas de oleiros e camponeses que foram expulsos das margens do rio pela VALE, onde praticavam as suas actividades de subsistência, continuam a participar nas intermináveis e desrespeitosas reuniões com o governo e a empresa, sem que se determine o valor que devem receber de compensação. As milhares de pessoas reassentadas continuam com os mesmos problemas, de Cateme a 25 de Setembro: casas mal construídas, falta de terra para fazerem as suas machambas, e falta de opções para ganhar o seu pão. As milhares de famílias que vivem ao redor da mina continuam a reclamar da poeira e das rachas, e a morrer de doenças respiratórias ou doenças ligadas ao stress cotidiano devido à situação em que vivem.

Vergonha na cara limpa-se com caras de Samora!

Para as grandes empresas mineradoras – seja a VALE, seja a Vulcan, seja qualquer outra transnacional – mais um ano sem pagar as devidas compensações às pessoas e comunidades afectadas pelas suas actividades significa mais lucro, e com alguma sorte, algumas destas pessoas que estão a reivindicar os seus direitos morrem ou desistem no processo. O tempo está sempre do seu lado: enquanto ministros conseguem analisar um processo de venda de milhões de dólares em menos de 20 dias, mais de 5 anos não são suficientes para pagar às famílias afectadas o que é seu de direito: compensação por expropriação. É por estas e por tantas outras que governos perdem o seu povo. Se algum lugar do nosso país simboliza tudo aquilo que o nosso modelo de ‘desenvolvimento’ extractivista, neoliberal e neocolonial não é – nem nunca será – capaz de trazer, esse lugar é Moatize. Com a sua insuportável poeira e um fedor de promessas falsas pelo ar.

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Petição para travar o projecto da barragem de Mphanda Nkuwa entregue à Assembleia da República

A organização Moçambicana Justiça Ambiental (JA!) entregou na última quarta-feira (21 de Dezembro) uma petição com mais de duas mil e seiscentas assinaturas de cidadãs e cidadãos Moçambicanos para exigir que se trave imediatamente o avanço do controverso projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, proposta para o Rio Zambeze.

Os termos em que foi concebido, e nos quais tem avançado, o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa não vai de acordo com os objectivos fundamentais do Estado Moçambicano consagrados no artigo 11o da Constituição da República, sobretudo no que respeita os direitos humanos e o desenvolvimento equilibrado. Além do mais, este projecto acarreta elevadíssimos riscos ambientais, ecossistémicos, climáticos, sísmicos, sociais e económicos, que ainda não foram devidamente avaliados e estudados pelo governo de Moçambique. Não obstante estes riscos, e os inúmeros pedidos de esclarecimento e de informação enviados pela Justiça Ambiental ao governo e ao Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK), o projecto tem estado a avançar, nesta sua nova fase, desde 2018, de forma acelerada e sem o devido escrutínio público.

Além do mais, o projecto está ainda em violação dos artigos 21º, 22º e 24º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que estabelecem o direito dos povos à livre disposição, proibição de privação do uso de recursos naturais; direito à escolha do modelo de desenvolvimento económico, social e cultural no respeito estrito de suas liberdades e identidade; e direito a um ambinte equilibrado e propício ao seu desenvolvimento.

Importa referir que, embora o projecto esteja a avançar nesta nova etapa há 4 (quatro) anos, ainda não foi realizada nenhuma consulta pública deste projecto, nem nenhuma consulta com as comunidades locais que serão directa e indirectamente afectadas pelo mesmo. Isto está em clara violação de várias directrizes e princípios assumidos pelo país a respeito da protecção e promoção do direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI).

Os mais de 2.600 Moçambicanos e Moçambicanas exigem, com esta petição, que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo e que o governo de Moçambique esclareça cabalmente os contornos, objectivos e racional por detrás deste projecto “prioritário”, incluindo:

• De onde vem o investimento e qual a contrapartida?

• Por que é que este projecto é uma prioridade para o País, tendo em conta os nossos níveis

de pobreza e desigualdade; que milhares de crianças não têm lugar na escola, e que ainda

não há serviços de saúde adequados para todos?

• A que se deve a insistência neste projecto, que já foi abandonado tantas vezes? Que outros

interesses existem por detrás de um projecto desta envergadura?

• Foram equacionadas outras alternativas energéticas? Se sim, quais?

• Quem será responsável por indemnizar as comunidades que vivem há 20 anos com o seu

futuro hipotecado, sem poder investir na sua comunidade e em infra-estruturas

necessárias, por medo de perderem os seus investimentos, uma vez que em 2000 foram

aconselhadas pelo governo a não construir nenhuma nova infraestrutura?

• Qual o real propósito da barragem e que hipotéticas mais-valias julgam que traria para o

País a curto e longo prazo, incluindo como planeiam rentabilizá-la?

Exigimos também a elaboração de estudos cientificamente válidos e imparciais que respondam a todas estas questões levantadas desde a aprovacao do estudo de impacto ambiental em 2011 como:

• A indefinição sobre o regime de fluxo em que a barragem irá operar (base-load ou mid-

merit);

• A indefinição sobre a área escolhida para reassentamento das comunidades directamente

afectadas;

• A pobre análise de sedimentos elaborada com dados insuficientes, que não permite uma

análise científica válida;

• A fraca análise sismológica, sem dados concretos e com resultados e conclusões que

contrariam outros estudos de especialistas de renome;

• A fraca análise aos potenciais impactos das mudanças climáticas e mudanças na demanda

de água a montante da barragem, que irá afectar a viabilidade económica do projecto;

• O facto de não terem sido consideradas e tampouco seguidas as directrizes da Comissão

Mundial de Barragens, particularmente no que se refere aos direitos e justiça sociais e

ambientais, entre outras;

• As alternativas energéticas viáveis para o país, comparando e analisando os benefícios e

impactos de cada uma;

• A forma como o projecto irá garantir que os benefícios gerados não serão apropriados por uma pequena elite política e económica nacional, e pelas grandes companhias ransnacionais.

Exigimos ainda que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo em torno de soluções energéticas limpas, justas e acessíveis a todos os Moçambicanos e Moçambicanas, de forma a enveredarmos por um desenvolvimento sustentável que garanta a protecção dos importantes ecossistemas que garantem a vida no planeta.

A Justiça Ambiental apela ainda que este assunto seja tratado em carácter de urgência, tendo em conta o crescente e preocupante cenário de intimidação e ameaças que temos observado no contexto do nosso trabalho no Distrito de Marara, incluindo acusações de terrorismo, exigência de “autorização para trabalhar no local”, e indicação de que as comunidades locais não devem receber capacitações legais sobre os seus direitos ou informações sobre os impactos das barragens. Vários membros das comunidades que terão de ser reassentadas para dar lugar a este megaprojecto também têm reportado ameaças, intimidações e ‘avisos’ para que não se pronunciem contra o projecto.

Além das assinaturas recolhidas no Distrito de Marara, na Cidade de Maputo e um pouco por todo o país, mais de 70 organizações não-governamentais nacionais, regionais e internacionais assinaram também a petição em formato online, em solidariedade.

É hora de dizermos BASTA a um modelo de desenvolvimento que enriquece as nossas elites e as grandes empresas transnacionais, às custas da maioria da população e da natureza. Vamos juntos exigir projectos de energia limpa, descentralizada e que beneficie o povo Moçambicano!

Leia o texto integral da petição na página da Justiça Ambiental: https://justica-ambiental.org/2020/12/16/salve-o-rio-zambeze-da-barragem-de-mphanda-nkuwa/

#MphandaNkuwaNão

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Comunidades ameaçadas pela barragem de Mphanda Nkuwa acusadas de ‘terroristas’ por terem viajado para um Workshop em Maputo

Apelidar de ‘terroristas’ é a mais recente forma de intimidar, ameaçar, e deter arbitrariamente as pessoas que tenham posições contrárias ao governo. Isto está a acontecer em vários pontos do país, e em particular no distrito de Marara, província de Tete, onde o governo pretende construir a barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, um projecto altamente controverso que nunca respondeu às inúmeras questões ambientais, sociais, económicas e climáticas que têm sido levantadas por organizações da sociedade civil e especialistas de Moçambique e outros países.

Recentemente, de 22 a 25 de Novembro, a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) organizou o seu 6o Workshop de Maputo sobre Impunidade Corporativa e Direitos Humanos, que reuniu representantes de várias organizações da sociedade civil, do governo, académicos, advogados, activistas e pessoas afectadas por megaprojectos de várias províncias do país. Da província de Tete, em particular, vieram vários participantes provenientes do distrito de Marara, incluindo o líder da comunidade de Chirodzi-Nsanangue, uma das comunidades em risco de ser reassentada se a proposta barragem de Mphanda Nkuwa fôr construída. Enquanto esteve fora da sua comunidade, o líder recebeu várias chamadas de membros da comunidade a alertá-lo que as autoridades locais estavam muito desagradadas por este ter-se deslocado a Maputo e que estavam a mobilizar a comunidade para eleger um novo líder.

Uns dias após regressar a casa, o líder de Chirodzi-Nsanangue recebeu uma notificação para se apresentar no Comando Distrital de Marara a fim de prestar declarações. Chegando ao Comando, o líder ficou retido durante 10 horas, foi-lhe negado o direito de ser acompanhado pela advogada que estava no local, foi acusado de ser terrorista e foi interrogado a respeito da sua viagem a Maputo pela Comandante Distrital de Marara, por um agente da SERNIC e um representante do Ministério da Defesa. Por fim, pediram-lhe que listasse o nome de todos os membros da sua comunidade que haviam se deslocado a Maputo para participar no Workshop. O líder foi solto por volta das 18h30, sem qualquer esclarecimento adicional.

A equipa da JA! que se encontrava no local a acompanhar os acontecimentos foi igualmente acusada de terrorismo, e informada que não deve fornecer informações às comunidades locais a respeito dos impactos das barragens, ou de problemas causados por outros megaprojectos no país. Tudo isto aparenta ser uma estratégia para intimidar os membros das comunidades que serão afectadas pela proposta barragem de Mphanda Nkuwa e impedi-los de defenderem os seus direitos.

Alguns dias depois, as 10 outras pessoas de Chirodzi e Chococoma que haviam participado no Workshop foram também notificadas para comparecerem no Comando Distrital de Marara no dia 08 de Dezembro, incluindo o ponto focal da JA! na comunidade, para que também fossem interrogados.

Um grande movimento de solidariedade para com os membros das comunidades que estavam sob ameaça emergiu, de diversas partes do país e de outros países. Quando os 10 membros das comunidades chegaram ao Comando Distrital de Marara no dia 08, este assunto estava a circular amplamente nas redes sociais e na rádio. Eles foram interrogados no Comando, mas desta vez, não foram feitas ameaças além da presença intimidadora de agentes policiais armados. O ponto focal da JA! foi interrogado separadamente, em seguida foi-lhe pedido que saísse da sala, e os outros membros da equipa da JA! no local não foram autorizados a entrar. Todos foram dispensados algumas horas depois.

Importa referir que estas situações não são casos isolados, e surgem na sequência de uma série de outras intimidações e restrições que têm sido feitas à equipa da JA! no âmbito do seu trabalho no Distrito de Marara. Por várias ocasiões, a Comandante Distrital de Marara e os Chefes do Posto Administrativo e da Localidade de Marara exigiram à JA! as suas credenciais e prova de comunicação prévia com a PRM, algo que não é exigido por lei. Além disso, vários outros membros da comunidade de Chirodzi-Nsanangue que têm levantado críticas ou questões a respeito da barragem têm reportado crescentes intimidações e ameaças desde Agosto de 2022, momento em que o governo, seus parceiros e empresas interessadas começaram a frequentar a área nesta nova etapa do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa.

Exigimos um esclarecimento do Comando Distrital de Marara, do SERNIC, do Ministério da Defesa e do Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa a respeito destas intimidações às comunidades que são ameaçadas pelo projecto de Mphanda Nkuwa: afinal é assim que se obriga o povo a aceitar os projectos de ‘desenvolvimento’?

Exigimos um pronunciamento por parte dos assessores do governo, financiadores e potenciais investidores do projecto de Mphanda Nkuwa, como o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a Associação Internacional de Hidroelectricidade (IHA), a Agência Norueguesa de Desenvolvimento (NORAD), o Reino da Noruega, o Governo da Suíça, a União Europeia (UE): estão dispostos ter o vosso nome num projecto que já está a contribuir para a violação de Direitos Humanos e liberdades fundamentais das comunidades locais?

Para mais informações, contacte: jamoz2010@gmail.com

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Mphanda Nkuwa, a caça às bruxas e um governo sem ouvidos

Após a sua fase ‘fantasma’ entre 2018 e 2021, período em que o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK) já havia sido criado mas ninguém o encontrava (nem o próprio MIREME), ao longo do último ano, o GMNK tem feito questão de comunicar efusivamente vários avanços do projecto. A maioria destas notícias dizem respeito a novos parceiros, potenciais financiadores, e concursos para estudos necessários às diferentes etapas do projecto. O Jornal Notícias de 14 de Setembro de 2022 trouxe, no entanto, uma reportagem inédita sobre um tema que até então tinha sido tratado como tabu pelo nosso governo: a opinião das comunidades locais a respeito do projecto.

Intitulado ‘Comunidades dizem sim a Mphanda Nkuwa’, o artigo do Notícias relata que a população de Chirodzi-Nsanangue, uma das localidades que será reassentada para dar lugar ao projecto, vê com bons olhos a construção desta barragem. Várias informações contidas nesta notícia, e numa reportagem semelhante feita pela TVM no dia 07 do mesmo mês, levantam algumas questões que merecem ser debatidas e problematizadas.

Uma visita de médico

O artigo e a reportagem acima referidos foram produzidos no âmbito da primeira reunião do GMNK (acompanhados pelos seus consultores) com a comunidade de Chirodzi desde a revitalização do projecto em 2018.

Coincidência ou não, esta visita do GMNK a Chirodzi surge poucas semanas depois do evento de lançamento do estudo ‘Barragem de Mphanda Nkuwa: um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique’, que teve lugar no dia 21 de Julho, evento durante o qual o Director do GMNK foi questionado por alguns membros da comunidade que procuraram saber por que razão ainda não tinha sido realizada nenhuma reunião com as comunidades locais desde a revitalização do projecto. O Director Carlos Yum foi igualmente questionado, nesta mesma ocasião, por membros das comunidades locais a respeito dos benefícios do projecto para as comunidades locais, a respeito da manutenção das suas actividades de subsistência (pesca, pecuária e agricultura) e a respeito da terra que seria disponibilizada para o seu reassentamento. Algumas das respostas dadas pelo Director do GMNK foram consideradas ‘desrespeitosas’ pelas pessoas que assistiam ao evento, por ter afirmado que as populações locais não se devem focar apenas nos benefícios individuais, e sim acreditar nos benefícios ‘macroeconómicos’ que o projecto irá trazer para o país. A maioria das questões colocadas pelas comunidades locais foi respondida de forma evasiva, ambígua ou pouco clara pelo Director, desperdiçando uma oportunidade de finalmente esclarecer algumas das questões que têm afligido estas pessoas.

Esta menção aos benefícios macroeconómicos do projecto e a desconsideração pelas inquietudes das populações locais alinha-se com um conceito que tem sido apresentado por vários estudiosos e especialistas, em que chamam de ‘zonas de sacrifício’ àquelas regiões que são fustigadas por elevados impactos ambientais e sociais devido à existência de indústrias poluidoras ou outros megaprojectos, projectos estes que costumam ser justificados por um alegado ‘bem maior’ que supostamente beneficiará o país como um todo. Alguns sociólogos têm observado que a existência de zonas de sacrifício é tornada possível por uma cultura de vulnerabilização dos direitos humanos e ambientais de populações marginalizadas ou desfavorecidas, através da qual fica evidente que algumas pessoas têm direitos e privilégios, e outras sofrem os impactos.

Voltando à reunião do dia 07, importa referir que esta realizou-se em pleno feriado do dia da Vitória, num dia de festa na comunidade, o que por si só já é bastante inusitado. A JA! esteve presente na reunião que não durou mais que 15 minutos, e consistiu na fala de apenas uma pessoa, o representante do GMNK. Das várias comunidades que serão afectadas pelo projecto, apenas a comunidade de Chirodzi-Nsanangue (sede) estava presente, e não foram convidadas outras comunidades (tampouco os seus líderes), como os Bairros 1 a 6 de Chirodzi, Chococoma, Luzinga, entre outras. Não foi dado espaço para perguntas, comentários ou questões que a comunidade pudesse ter, nem tampouco foram recolhidas as suas preocupações: ninguém teve direito a falar além do GMNK. Conforme observámos no terreno, e segundo relatos que recebemos de vários membros da comunidade, esta primeira visita do GMNK a Chirodzi parecia ter apenas dois objectivos: informar a comunidade que o projecto está a avançar a todo o vapor; e produzir reportagens para dizer ao resto do país que as comunidades apoiam o projecto.

O cerco à sociedade civil

Tanto o artigo do Notícias como a reportagem da TVM, meios de comunicação conhecidos por estarem alinhados aos interesses e agenda do nosso governo, afirmaram ainda haver algumas ONGs que têm estado a instrumentalizar as comunidades para que não aceitem o projecto de Mphanda Nkuwa.

Ora, a Justiça Ambiental está a trabalhar há 22 anos com comunidades na região, com visitas e actividades regulares mesmo em fases ‘adormecidas’ do projecto, e nunca tivemos conhecimento ou nos cruzámos com tais organizações. É realmente deplorável que algumas organizações da sociedade civil tenham tendência a lidar com as comunidades locais como se fossem sua propriedade, falando em seu nome e controlando as suas opiniões, mas não tinhamos conhecimento de que isto pudesse estar a acontecer em Chirodzi.

No entanto, esta perseguição a organizações que criticam projectos ditos de desenvolvimento já é bem conhecida. São referidas como organizações anti-patrióticas, anti-desenvolvimento, ou mesmo terroristas. Agora, o governo prepara-se para fechar ainda mais o cerco à sociedade civil, tentando aprovar uma lei altamente controversa que atribui ao governo excessivos poderes, incluindo o de extinguir organizações sem fins lucrativos por não apresentarem relatórios das suas actividades. É fácil de imaginar que tipo de organizações seriam as primeiras a sofrer tais represálias.

É que certas verdades a respeito destes megaprojectos – os seus impactos no meio ambiente, as péssimas condições em que costumam ser reassentadas as comunidades locais, ou como as promessas de emprego acabam por nunca se concretizarem – não convém (ao governo) que sejam ditas em voz alta. E se as pessoas descobrem que as palavras ditas nas consultas comunitárias só servem para as convencer a aceitar o projecto? Pior, e se decidem se organizar para que o projecto avance apenas mediante as suas exigências, respeitando as suas vontades, e garantindo que estas se beneficiam verdadeiramente dele?

Comunidades acusam de manipulação de informação

Estando presente na região desde 2000, e tendo cultivado uma relação de amizade e solidariedade com estas comunidades que se manteve mesmo quando o projecto parecia ter sido engavetado, a JA! tem recebido inúmeros pedidos de apoio, capacitação legal e aconselhamento por parte das pessoas que temem pela perda das suas terras com a chegada da barragem. A actuação da JA! nesta e em outras comunidades ameaçadas ou afectadas por megaprojectos tem-se baseado na partilha de informações e intercâmbio de experiências sobre os impactos ambientais e sociais deste tipo de projectos, em acções de empoderamento e capacitação legal para que as comunidades sejam capazes de defender os seus direitos e negociar os termos em que concordam (ou não) em ceder as suas terras, e em actividades que buscam elevar a voz e dar a conhecer as inquietudes das comunidades locais através de entrevistas, vídeos e artigos.

Quando o Jornal Notícias de 14 de Setembro chegou a Chirodzi e arredores, causou muita indignação no seio da comunidade. A equipa da JA começou a receber telefonemas, SMS e vídeos de vários membros das comunidades a expressar o seu descontentamento pela informação ali retratada, e a acusar o Notícias de manipular a informação, de espalhar mentiras e de não ter perguntado à comunidade o que realmente pensa do projecto. Várias famílias de dois dos bairros ameaçados pela barragem juntaram-se num abaixo assinado onde pedem para que algum meio de comunicação que seja íntegro, imparcial e independente do governo se dirija a Chirodzi e demais comunidades com o objectivo de colher as opiniões reais das comunidades. Esta avalanche de indignação parece confirmar o que a JA! observou no terreno: que não houve interesse por parte do GMNK em ouvir e dar a conhecer a opinião real das comunidades locais a respeito deste projecto.

Direitos, justiça e caminhos para a paz

Não nos importa trazer para aqui os inúmeros riscos e potenciais impactos que temos vindo a apontar ao longo dos últimos 22 anos, e que têm sido negligenciados em todas as etapas do projecto. Nem tampouco cabe à JA! esclarecer se a comunidade está a favor ou contra o projecto. Cabe-nos, sim, como organização da sociedade civil, apresentar a nossa posição, fundamentá-la e trazê-la para debate no espaço público, com o governo, com os actores envolvidos, com as comunidades locais, pressionando por respostas e políticas que respondam aos problemas que enfrentamos como sociedade.

A pergunta que se coloca neste momento é outra: por que razão o governo insiste em não ouvir as comunidades locais, que serão afectadas pelo projecto de Mphanda Nkuwa? Por que insiste em menosprezar as suas preocupações, e mascará-las com um grande aparato mediático, para dar a entender que o projecto está a avançar com o apoio local? Se as comunidades locais colocarem as suas exigências e demandas que devem ser atendidas para o avanço do projecto, estas serão respeitadas e cumpridas? E se as comunidades disserem que se opõem ao projecto nos seus moldes actuais, e reivindicarem o seu direito a dizer que não, o governo estará disposto a ouvi-las?

Acreditamos que o exercício do diálogo, e uma ampla participação da sociedade civil neste tipo de questões, podem contribuir para começarmos a enveredar por um modelo de desenvolvimento que atenda às necessidades e vontades da maioria da população, e consequentemente reduza as tensões sociais e as guerras que temos no nosso país, provocadas também pela exclusão da maioria da população dos processos de tomada de decisão.

O caminho que temos vindo a percorrer, como país, não serve nem beneficia o povo. O ataque às organizações da sociedade civil e a qualquer voz crítica reflecte a falta de compromisso que o nosso governo tem com a democracia e com a ampla participação pública. É urgente traçarmos novos caminhos, que nos conduzam à paz e a um projecto de país do qual tenhamos orgulho – algo radicalmente diferente do que vivemos hoje.

*Este artigo foi originalmente publicado no Jornal Savana de 30 de Setembro de 2022

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA NA SEMANA DE ACÇÃO DA ÁFRICA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA 2022

Comunidades africanas levantam suas vozes contra a privatização da água

As comunidades afectadas e aquelas sob ameaça de privatização da água em toda a África pediram aos governos africanos que abandonem a privatização da água e devolvam os sistemas de água privatizados às localidades para uma gestão acessível e equitativa. Comunidades locais na Nigéria, Moçambique, Senegal, Gana, Camarões, Quênia, Gabão, Uganda e uma série de outros países africanos estão fazendo disso sua demanda principal ao marcar a segunda edição da Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, que acontece de 11 -14 de Outubro de 2022 para coincidir com as reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

As comunidades, trabalhando em colaboração com a sociedade civil e grupos trabalhistas sob a égide da “Coligação, Nossa Água, Nosso Direito” estão a realizar reuniões municipais, compromissos comunitários, colectivas de imprensa, marchas de protesto, reuniões com formuladores de políticas e uma série de compromissos para enfatizar sua oposição aos esquemas de privatização da água e à mercantilização da água, promovidos pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais, que continuam a privar as comunidades de seu direito à existência. Em algumas comunidades, o preço da água está fora do alcance dos habitantes locais, forçando mulheres e raparigas a caminharem quilómetros, inclusive expondo-as a perigos para obter água para necessidades básicas.

As comunidades, trabalhando em conjunto com a sociedade civil e sindicatos de trabalhadores, insistem que, embora a água continue sendo uma das necessidades mais fundamentais para a vida, corporações gigantes como Veolia e Suez, apoiadas por instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial, estão explorando essa necessidade básica tentando privatizar a água em todo o continente africano, ameaçando deixar milhões de pessoas em comunidades sofrendo sem água.

Akinbode Oluwafemi, Diretor Executivo de Responsabilidade Corporativa e Participação Pública da África (CAPPA), explicando o significado da comemoração de 2022, disse:

“Quando as comunidades forem privadas de um direito básico que garante sua existência e o vínculo que as manteve conectadas à sua cultura e espiritualidade por gerações, acabará por deixar de existir. É por isso que as comunidades estão a liderar o movimento de resistência ao que as corporações como a Veolia e instituições do Banco Mundial estão comercializando no continente africano. Mas a mensagem é clara. Não queremos que os nossos sistemas de água sejam privatizados”

Sobre os impactos da privatização da água nas comunidades, Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental – Friends of the Earth Moçambique disse:

Se o governo decidir usar a água para construir uma barragem, ou desviar um curso natural da água para alguma empresa de agronegócio, ou de mineração de carvão e de outros tipos de recursos naturais e esta empresa precisar de uma grande quantidade de água, o governo permitirá, infelizmente, prioriza-se sempre o crescimento económico, o lucro e as corporações. As grandes empresas têm sempre a vantagem sobre as necessidades de sobrevivência das nossas comunidades. Pessoas, ecossistemas e biodiversidade não têm os mesmos direitos que as corporações, por isso consideramos ter chegado o momento das comunidades dizerem BASTA à privatização da água nas suas diferentes formas de actuação.”

A primeira Semana de Acção da África contra a Privatização da Água, realizada de 11 a 15 de Outubro de 2021, foi liderada pela sociedade civil e grupos trabalhistas no continente. O ponto alto foi o lançamento de um relatório – África Precisa Levantar-se e Resistir a Privatização da Água – que detalha como a privatização se tornou a ameaça mais potente ao direito humano à água dos africanos. Ele cita os fracassos da privatização da água nos Estados Unidos, Chile e França como lições para os governos africanos sendo pressionados pelo Banco Mundial e uma série de instituições financeiras multilaterais a seguir o caminho da privatização. As versões em português e francês do relatório serão divulgadas em uma coletiva de imprensa em 11 de Outubro, onde histórias e realidades das comunidades africanas serão apresentadas em vídeos para iniciar a semana de acção.

Uma das principais demandas das comunidades é que seus governos suspendam os planos de privatização e, em vez disso, invistam em sistemas públicos de água que incluam participação pública significativa na governação da água, com foco particular nas perspectivas daqueles que normalmente ficam de fora dos processos de tomada de decisão, incluindo, mas não limitado a mulheres, pessoas de baixa renda e comunidades rurais.

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Parem com o Gás no Continente!- COMUNICADO DA CONFERÊNCIA OILWATCH AFRICA, 2022

A Oilwatch África (OWA) realizou a Conferência e Reunião Geral Anual de 2022 em Acra, Gana, entre 8 e 12 de Agosto. O tema do encontro anual foi “Parem com o Gás no continente: Canais de Descontentamento.” A Conferência teve apresentações e a representação de OSC’s, activistas, académicos, jornalistas, pescadores e Eco-defensores, de comunidades afectadas por combustíveis fósseis por todo o continente. A Conferência providenciou também mais uma oportunidade de aprofundar a missão da OWA, como uma rede de pessoas e organizações para a construção de solidariedade em prol do fim da expansão das actividades de gás e petróleo, devido aos seus impactos negativos nas pessoas e meio-ambiente em África.

Algumas das principais observações feitas pelos delegados incluíram os seguintes aspectos:

  • Que a actual corrida aos recursos de petróleo, gás e minerais de África, equivale a uma perpetuação dos modelos extractivos de exploração colonial, o mesmo modelo que condenou o continente ao comércio predatório de escravos, seguido da violação maciça de recursos agrícolas e florestais, antes da actual iteração com o foco nos minerais e combustíveis fósseis.
  • Que o argumento de que a África merece utilizar os seus recursos naturais para suficiência energética e desenvolvimento, oculta o facto de que a extracção dos recursos naturais tem sido historicamente orientada para a exportação, em benefício das necessidades de consumo do Hemisfério Norte e dificilmente aponta para as necessidades do continente Africano. E, que a retórica dos líderes Africanos de que os combustíveis fósseis poderiam ser utilizados pelo continente como um combustível de transição “menos prejudicial”, é uma ilusão, porque o gás contribúi massivamente para alterações climáticas, devido ao seu teor de metano.
  • Que o financiamento e desenvolvimento contínuo de grandes projectos de gasodutos, tais como o projecto do Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), o Projecto de Gasoduto da África Ocidental WAGP, e o Gasoduto Trans-Sahariano, entre outros, constituem uma agressão aos Direitos da Terra das comunidades e, representam perturbações maciças dos meios de subsistência, conflitos, violações dos Direitos Humanos e degradação ambiental em todo o continente.
  • Que a tendência actual em que as companhias multinacionais de petróleo e gás vendem as suas acções, em activos de petróleo e gás em terra e se deslocam para fora dos países Africanos, ou para mais longe da costa, equivale a uma renúncia à responsabilidade por danos históricos causados pelas suas actividades nesses mesmos países.
  • Que o Acordo de Paris e a sua meta de 1.5 graus celcius, impulsionado pelas chamadas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND), é uma enorme traição para África, uma vez que o continente aquece cerca de 50% acima da média global, o que significa que, seguindo as CND’s, no melhor dos cenários, África está literalmente condenada a arder.
  • Que África é rica em energias renováveis e que obtém a crescente competitividade das tecnologias de energia limpa e o potencial de fazer avançar a sua transição energética por uma via de carbono zero. A propósito, África tem o potencial solar mais elevado do mundo, mas é actualmente responsável por apenas um.
  • Que os países industrializados têm demonstrado insinceridade ao gastar, sistemáticamente, cerca de 2 triliões de dólares anuais em equipamento militar e de guerra, ao mesmo tempo que arrastam o passo quanto aos compromissos climáticos, especialmente o do financiamento da adaptação.
  • Que as normas emergentes de política global e regional, em torno de uma chamada revolução da economia azul, constituem uma enorme ameaça para os recursos marítimos e aquáticos das comunidades costeiras africanas, assim como para o meio-ambiente do continente e, irão incentivar ainda mais a pesca ilegal e excessiva nas suas águas.
  • Que tem havido um aumento da vitimização dos Eco-defensores, em todo o continente, pelas companhias petrolíferas e seus colaboradores estatais, e que este clima repressivo tem sido agravado nos últimos tempos pela proliferação das chamadas reformas regulatórias do petróleo e gás (como a Lei da Indústria Petrolífera da Nigéria de 2021) que diminuem o espaço cívico, ao constranger a voz e a agência das comunidades afectadas pela extracção, na tomada de decisões relacionadas com os seus recursos naturais e ambiente.

A Oilwatch Africa denunciou os esforços para encurralar África no caminho da exploração dos combustíveis fósseis, para satisfazer as necessidades energéticas das nações poluentes e para alimentar a ganância da indústria dos combustíveis fósseis. Para assegurar uma transição justa e justiça climática segura para os nossos povos, a conferência fez as seguintes exigências:

1. Deve haver uma interrupção de todas as novas actividades de exploração e extracção de carvão, petróleo ou gás em África, em consonância com os imperativos da transição energética. Exigimos, especificamente, a paralisação dos planos de exploração e expansão de petróleo na bacia da Virunga na RDC, na região de Keta no Gana, no Delta do Okavango no Botswana, na Bacia do Rio Orange na Namíbia, e a paralisação de todos os planos para o Projecto de Gasoduto da África Ocidental, o Projecto de Gasoduto Trans-Sahariano, e o Projecto de Gasoduto da África Oriental, entre outros.

2. Que os governos Africanos devem aproveitar o acolhimento da COP27, este ano, para exigir medidas de grande alcance no que diz respeito à adaptação climática e ao financiamento, incluindo cortes nas fontes das emissões.

3. Os governos Africanos devem exigir, dos países industrializados poluidores, uma dívida climática anual de 2 triliões de dólares, sendo este o montante que actualmente gastam em equipamento militar e guerra, anualmente. Isto pagará por perdas e danos e servirá como reparação parcial dos danos históricos.

4. Que as multinacionais de petróleo e gás, que actualmente planeam alienar e escapar à responsabilidade pelos seus danos históricos às comunidades Africanas (como a Shell e a Exxon Mobil no Delta do Níger da Nigéria), devem restaurar o ambiente e compensar as comunidades pelo ecocídio cometido nos seus territórios, antes da sua saída.

5. Os Estados Africanos devem desenvolver planos de transição de energia centrados em África, tanto onde estes ainda não existem, como onde já existem, para integrar tais planos em planos nacionais de desenvolvimento mais amplos, de modo a tomar conhecimento do enorme potencial renovável da África.

6. Os países Africanos e a União Africana, devem ter cautela com a chamada economia azul, e devem sobretudo denunciar, incondicionalmente, todas as tentativas de normalizar a Exploração Mineira do Fundo do Mar (DSM) dentro do continente.

7. Instituições Financeiras Internacionais, incluindo o Banco Africano de Desenvolvimento e agências de crédito à exportação, devem cortar todos os financiamentos a projectos de combustíveis fósseis, em África.

  1. Governos Africanos e organizações internacionais, devem respeitar o Direito à Vida, dos Direitos Humanos e dos Eco-defensores no continente, que são cada vez mais reprimidos.

Adoptado a 11 de Agosto de 2022, pelos membros e organizações da Oilwatch África:

1. Costa do Marfim

2. República Democrática do Congo

3. Gana

4. Quénia

5. Moçambique

6. Nigéria

7. Senegal

8. África do Sul

9. Sul do Sudão

10. Suazilândia/Eswatini

11. Chade

12. Togo

13. Uganda

Organizações / Redes:

1. FishNet Alliance (Aliança FishNet)

2. Policy Alert (Alerta Política)

3. We the People (Nós o Povo)

4. Peace Point Development Foundation (Fundação para o Desenvolvimento do Ponto de Paz)

5. Oilwatch Gana

6. Oil Change International (Troca de Petróleo Internacional)

7. Host Communities Network, Nigeria (Rede de Comunidades Anfitriãs, Nigéria)

8. Environmental Rights Action/Friends of the Earth Nigeria (Acção de Direitos Ambientais/Amigos da Terra Nigéria)

9. Kebetkache Women Development Centre (Centro de Desenvolvimento da Mulher, Kebetkache)

10. Foundation for Development in the Sahel (FDS) (Fundação para o Desenvolvimento no Sahel (FDS))

11. Health of Mother Earth Foundation (Fundação Saúde da Mãe Terra)

12. Africa Institute for Energy Governance (AFIEGO) (Instituto Africano de Governação da Energia (AFIEGO))

13. Jeunes Volontaires pour l’Environnement (JVE) (Jovens Voluntários pelo Ambiente)

14. Justiça Ambiental (JA)

15. Ground Work

16. Friends of Lake Turkana (Amigos do Lago Turkana)

17. Femmes Solidaire (FESO) (Mulheres em Solidariedade)

18. Centre for Research and Action on Economic, Social and Cultural Rights (CRADESC) (Centro de Investigação e Acção sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CRADESC))

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Inundações no Paquistão – mais uma catástrofe climática a devastar o Hemisfério Sul

De Junho a Setembro deste ano, no Paquistão, chuvas torrenciais sem precedentes, causaram inundações numa escala inimaginável, deixando um terço do país debaixo de água. O Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, descreveu este evento como uma “monção sobre esteróides”

Foram divulgados nos meios de comunicação, imagens e vídeos de edifícios inteiros, de vários andares, em colapso, auto-estradas e pontes a serem arrastadas e pessoas a serem afogadas por cascatas urbanas. Mas nessa altura, as cheias, principalmente nas regiões do Sindh e Balochistão, já duravam há semanas, escondidas do mundo. O silêncio dos principais meios de comunicação e dos governos internacionais era insurdecedor e quando as notícias finalmente ultrapassaram as barreiras dos meios de comunicação, já era tarde demais. E mesmo nessa altura, foi difícil acreditar como é que tal catástrofe estaria a acontecer, como a vida inteira das pessoas estava a ser destruída. Enquanto isso, o mundo se limitava a assistir, prestando atenção a outras questões que pareciam ser mais pertinentes e de partes mais importantes do mundo.

A situação no Paquistão é desoladora – a ONU diz que quase 650 000 de mulheres nas áreas afectadas necessitam desesperadamente de serviços de maternidade. Em todo o país, 1460 centros de saúde foram total ou parcialmente destruídos, e milhares de pessoas estão a viver em tendas à beira da estrada, sem casas de banho.

A ligação entre a crise climática e as inundações é clara – o Ministro do Clima, do Paquistão, Sherry Rehman, apontou à Agence France-Presse: “Isto está muito longe de ser uma monção normal [estação do ano] – é uma distopia climática à nossa porta. Estamos neste momento no ground zero da linha da frente de eventos climáticos extremos, numa implacável cascata de ondas de calor, incêndios florestais, inundações repentinas, múltiplas erupções de lagos glaciares, inundações, e agora a monção monstruosa da década está a causar uma devastação contínua em todo o país”. Na província de Sindh, a quantidade de precipitação foi 4,5 vezes maior que a média dos últimos 30 anos.

O mais revoltante, é que o país nem sequer é marginalmente responsável pela crise climática, mas tem sido um dos mais afectados, por uma catástrofe de origem humana que é apenas um sintoma da emergência climática que o mundo enfrenta. Uma emergência que foi criada e beneficiada pelos Estados e empresas ricas do Hemisfério Norte, mas que devastou sobretudo povos do Hemisfério Sul. O director residente do Comité Internacional de Resgate, Shabnam Baloch, afirmou: “Apesar de produzir menos de 1% da pegada de carbono mundial, o país está a sofrer as consequências da inacção mundial e permanece no top 10 dos países que enfrentam as consequências”.

Enquanto os governos e corporações continuarem a perpetuar os aspectos mais feios do sistema capitalista, possibilitando e encorajando a extracção de combustíveis fósseis, é muito provável que não sejam as últimas inundações no Paquistão, assim como os ciclones Idai e Kenneth, também não serão os últimos em Moçambique, e até mesmo as recentes inundações em Durban, não serão as últimas. Mas os culpados recusam-se a ser responsabilizados, por isso temos de nos certificar que eles também seráo ensurdecidos pela sirene gritante que eles próprios detonaram.

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Barragem de Mphanda Nkuwa: um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique*

por Rudo A. Sanyanga

Sumário Executivo

O projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, proposto há mais de duas décadas, voltou a emergir como uma solução para aumentar a exportação de energia para a África do Sul, de forma a aumentar a capacidade de Moçambique de receber moeda estrangeira. O projecto está, no momento, a ser promovido por um valor de 4,5 bilhões de USD, sendo 2,4 bilhões para a barragem e central elétrica, e 2,1 bilhões para as linhas de transmissão. Este estudo debate os méritos do projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa e os seus benefícios sócio-económicos e de desenvolvimento, face aos impactos das mudanças climáticas, num momento em que o mundo enfrenta desafios energéticos que requerem que sejam pensadas formas e fontes de energia mais sustentáveis para o futuro.

A barragem de Mphanda Nkuwa seria a terceira maior barragem a ser construída no tronco principal do Rio Zambeze, e uma de muitas outras barragens na bacia, se considerarmos os tributários do Zambeze. A sua localização na parte mais baixa da bacia do Rio Zambeze, em Moçambique, dá-lhe características únicas e torna-a vulnerável. Faz também com que seja determinante para os ecossistemas a jusante. Como actualmente concebida, a central hidroeléctrica tem capacidade de geração de 1.500 MW, com 60% (900 MW) dessa capacidade para exportação para a África do Sul, e um remanescente de 600 MW (40%) reservado para consumo doméstico, em Moçambique. Actualmente, mais de 60% dos Moçambicanos, cuja maioria vive em assentamentos muito dispersos em zonas rurais remotas, não têm acesso à electricidade moderna e encontram-se fora do alcance da rede eléctrica nacional existente. Muito mais que 600 MW seriam necessários para permitir que Moçambique atingisse um acesso à electricidade de 50%, até 2030.

O plano do projecto é que comece a gerar energia 2030, com cerca de 2 anos para planificação e desenho, enquanto espera-se que a construção leve 6 anos. Os benefícios anunciados são duvidosos face às mudanças climáticas e o facto de que a barragem será prejudicial para ecossistemas a jusante, bem como para a saúde e segurança humana, levando à perda de meios de subsistência das comunidades a jusante. Tal como na maioria dos grandes projectos de infraestruturas semelhantes, a barragem e o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa estão a atrair o apoio de instituições financeiras internacionais, como o Banco Africano de Desenvolvimento, que vêem-no puramente do ponto de vista macroeconómico, como uma forma de estimular o crescimento económico do país através do aumento das receitas em moeda estrangeira. Os proponentes do projecto, no entanto, ignoram os diversos riscos que estão associados ao projecto e, portanto, não discutem como esses riscos serão abordados.

Entre os riscos, a questão das mudanças climáticas é um grande motivo de preocupação. Após pesquisa detalhada, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que, de entre as 11 principais bacias hidrográficas em África, a bacia do Zambeze é a mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Prevê-se que a bacia do Zambeze enfrente eventos climáticos extremos severos, em forma de longos períodos de seca, cheias severas no futuro, mais fortes que em qualquer das outras bacias hidrográficas do continente. Além disso, o baixo Zambeze é directamente afectado pelos desenvolvimentos a montante, fazendo com que os impactos negativos dos desenvolvimentos a montante sejam agravados em Mphanda Nkuwa e a jusante. Na última década, Moçambique foi considerado o país da SADC mais afectado pelas mudanças climáticas, de entre vários países que também têm experienciado eventos climáticos extremos, como ciclones e cheias. O funcionamento das barragens a montante em Kariba, Kafue e Cahora Bassa, com as suas grandes capacidades de armazenamento, serão a chave para o desempenho de Mphanda Nkuwa.

Por estar localizada a jusante de grandes barragens, o maior risco para Mphanda Nkuwa será durante os períodos de seca, porque as barragens a montante poderão não libertar água suficiente, se os países a montante decidirem dar prioridade às suas necessidades. O alto risco de secas na bacia do Zambeze, exacerbado pelas mudanças climáticas, terá um impacto negativo directo na viabilidade financeira e económica do projecto, uma vez que as projecções de geração de receitas e de ganhos em moeda estrangeira serão severamente reduzidas por secas prolongadas. A retenção de água nas barragens a montante, durante as secas, colocará também em perigo os caudais ecológicos a jusante de Mphanda Nkuwa, com outros efeitos prejudiciais para a pesca do camarão na região do delta.

Da mesma maneira, em caso de grandes inundações, as barragens a montante irão libertar mais água, criando risco de ruptura da barragem de Mphanda Nkuwa bem como o agravamento da segurança humana a jusante, no vale do Zambeze. Os riscos de segurança de barragens devido a cheias e inundações podem exigir especifidades mais dispendiosas, e custos de construção mais elevados. Ao longo das últimas duas décadas, têm ocorrido inúmeras catástrofes de cheias no vale do baixo Zambeze, levando a grandes riscos de perda de vidas humanas e ameaças à subsistência. Por conseguinte, Mphanda Nkuwa é altamente susceptível aos impactos das mudanças climáticas, tanto a respeito de secas como de inundações.

A energia hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa é promovida como energia limpa. No entanto, estudos recentes pelo mundo indicam que as barragens emitem quantidades consideráveis de metano, um gás de efeito de estufa mais potente que o dióxido de carbono. Num momento em que o mundo enfrenta enormes riscos de mudanças climáticas e aquecimento global, a decisão de avançar com Mphanda Nkuwa é lamentável e vai contra a sabedoria convencional.

Mphanda Nkuwa está assente na premissa de venda de energia a países da África Austral, sendo a empresa Sul-africana de energia eléctrica Eskom a principal compradora. É importante notar que, nos últimos 15 anos, a Eskom tem experienciado sérios e persistentes desafios estruturais e de governação, resultando numa divida crónica de 500 mil milhões de Rands, equivalentes a 30 bilhões de USD no momento de elaboração deste artigo. Assim, a companhia Sul-Africana enfrenta sérios problemas de viabilidade financeira, o que a torna um cliente de risco para basear um enorme investimento de 4,5 bilhões de USD. Devido ao deteriorar da sua situação financeira, a Eskom tem aumentado progressivamente as tarifas domésticas de electricidade ao longo da última década, o que faz com que muitos dos seus clientes, principalmente os mais ricos, tenham vindo a sair da rede, comprometendo assim a sua cobrança de receitas e piorando ainda mais a viabilidade financeira da companhia de electricidade. Isto é, claramente, um sinal vermelho a respeito do qual os proponentes do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa precisam de se debruçar seriamente, nas suas análises de mercado. A delicadeza da viabilidade de Mphanda Nkuwa torna-se ainda mais acentuada quando vista no contexto do actual acordo de aquisição da energia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa pela África do Sul, cujo preço da electricidade é altamente desfavorável para Moçambique.

Outras preocupações a respeito de Mphanda Nkuwa incluem o alegado aumento no acesso à energia para os Moçambicanos. Em teoria, afirma-se que 40% da energia de Mphanda Nkuwa vai beneficiar os Moçambicanos, mas na realidade o acesso à energia, para os Moçambicanos, será insignificante. O padrão de povoamento rural disperso e extensivo da maioria dos Moçambicanos que actualmente não tem acesso à energia limpa, e a ausência de uma extensa rede em grelha, torna numa falácia a alegação de que Mphanda Nkuwa irá aumentar substancialmente o acesso à electricidade. Moçambique carece de uma extensa rede de transmissão e distribuição, e portanto mesmo com a proposta linha de transmissão, a maior parte da população nas áreas rurais permanecerá desconectada da electricidade. A electricidade da rede não será suficiente para aumentar o acesso e estimular o desenvolvimento no país. E, de qualquer forma, o custo da electricidade sem subsídio será muito alto e inacessível para a maioria dos cidadãos.

O desenvolvimento da barragem de Mphanda Nkuwa presta muito pouca atenção à saúde do ecossistema da bacia e ao bem-estar social das comunidades a jusante. O funcionamento da barragem irá alterar significativamente o regime de escoamento da área a jusante, criando flutuações diárias que irão afectar a biota aquática, bem como a subsistência de mais de 200.000 habitantes que vivem no delta e que, em grande medida, dependem dos recursos naturais da bacia. Os meios de subsistência das comunidades que residem na área que será inundada não devem ser postos de lado. Baseado no que já tem acontecido e sido revelado em outros megaprojectos de infraestruturas na província de Tete e pelo país, estas pessoas serão provavelmente sujeitas a deslocações forçadas, meios de subsistência comprometidos, compensações inadequadas, violência e repressão do Estado, e outras violações de Direitos Humanos. As pessoas que vivem na bacia do Zambeze são as que mais têm a perder com este projecto.

Em conclusão, é improvável que este investimento aumente significativamente a industrialização ou promova o crescimento económico de Moçambique. Prevê-se que o número de empregos permanentes directos criados por este projecto hidroeléctrico seja muito reduzido. No que diz respeito às emissões de gases de efeito de estufa, não haverá ganhos, e infelizmente serão geradas mais emissões com a barragem. As receitas provenientes das vendas de electricidade podem não cobrir os custos de produção, com o risco de não cumprir com o serviço da dívida da barragem. Diversos estudos feitos para a África do Sul e Moçambique demonstram que energia limpa pode ser gerada através do vento e do sol, de forma a alcançar a população rural dispersa num ritmo muito mais rápido, criando assim postos de trabalho e muito menos impactos sociais e ambientais negativos, comparativamente a outras formas de produção de energia. Neste contexto, Moçambique tem um enorme potencial por explorar em termos de energias renováveis, de forma a mudar a sua trajectória rumo ao desenvolvimento, distribuição e geração de energia. Se fôr construída, a barragem de Mphanda Nkuwa será um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique, por muitas gerações.

*Estudo lançado em Maputo no dia 21 de Julho de 2022. Para obter a versão completa do estudo dirija-se ao escritório da Justiça Ambiental na Rua Willy Waddington, 102, Bairro da Coop, Maputo, ou pelo link: www.drive.google.com/drive/folders/1FXkv0z4PzdOT6yhueYhPqXVCo_9di4Qz

Para mais informações: 84 3106010 / jamoz2010@gmail.com

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