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Barragem de Mphanda Nkuwa: um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique*

por Rudo A. Sanyanga

Sumário Executivo

O projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, proposto há mais de duas décadas, voltou a emergir como uma solução para aumentar a exportação de energia para a África do Sul, de forma a aumentar a capacidade de Moçambique de receber moeda estrangeira. O projecto está, no momento, a ser promovido por um valor de 4,5 bilhões de USD, sendo 2,4 bilhões para a barragem e central elétrica, e 2,1 bilhões para as linhas de transmissão. Este estudo debate os méritos do projecto da barragem hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa e os seus benefícios sócio-económicos e de desenvolvimento, face aos impactos das mudanças climáticas, num momento em que o mundo enfrenta desafios energéticos que requerem que sejam pensadas formas e fontes de energia mais sustentáveis para o futuro.

A barragem de Mphanda Nkuwa seria a terceira maior barragem a ser construída no tronco principal do Rio Zambeze, e uma de muitas outras barragens na bacia, se considerarmos os tributários do Zambeze. A sua localização na parte mais baixa da bacia do Rio Zambeze, em Moçambique, dá-lhe características únicas e torna-a vulnerável. Faz também com que seja determinante para os ecossistemas a jusante. Como actualmente concebida, a central hidroeléctrica tem capacidade de geração de 1.500 MW, com 60% (900 MW) dessa capacidade para exportação para a África do Sul, e um remanescente de 600 MW (40%) reservado para consumo doméstico, em Moçambique. Actualmente, mais de 60% dos Moçambicanos, cuja maioria vive em assentamentos muito dispersos em zonas rurais remotas, não têm acesso à electricidade moderna e encontram-se fora do alcance da rede eléctrica nacional existente. Muito mais que 600 MW seriam necessários para permitir que Moçambique atingisse um acesso à electricidade de 50%, até 2030.

O plano do projecto é que comece a gerar energia 2030, com cerca de 2 anos para planificação e desenho, enquanto espera-se que a construção leve 6 anos. Os benefícios anunciados são duvidosos face às mudanças climáticas e o facto de que a barragem será prejudicial para ecossistemas a jusante, bem como para a saúde e segurança humana, levando à perda de meios de subsistência das comunidades a jusante. Tal como na maioria dos grandes projectos de infraestruturas semelhantes, a barragem e o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa estão a atrair o apoio de instituições financeiras internacionais, como o Banco Africano de Desenvolvimento, que vêem-no puramente do ponto de vista macroeconómico, como uma forma de estimular o crescimento económico do país através do aumento das receitas em moeda estrangeira. Os proponentes do projecto, no entanto, ignoram os diversos riscos que estão associados ao projecto e, portanto, não discutem como esses riscos serão abordados.

Entre os riscos, a questão das mudanças climáticas é um grande motivo de preocupação. Após pesquisa detalhada, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que, de entre as 11 principais bacias hidrográficas em África, a bacia do Zambeze é a mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Prevê-se que a bacia do Zambeze enfrente eventos climáticos extremos severos, em forma de longos períodos de seca, cheias severas no futuro, mais fortes que em qualquer das outras bacias hidrográficas do continente. Além disso, o baixo Zambeze é directamente afectado pelos desenvolvimentos a montante, fazendo com que os impactos negativos dos desenvolvimentos a montante sejam agravados em Mphanda Nkuwa e a jusante. Na última década, Moçambique foi considerado o país da SADC mais afectado pelas mudanças climáticas, de entre vários países que também têm experienciado eventos climáticos extremos, como ciclones e cheias. O funcionamento das barragens a montante em Kariba, Kafue e Cahora Bassa, com as suas grandes capacidades de armazenamento, serão a chave para o desempenho de Mphanda Nkuwa.

Por estar localizada a jusante de grandes barragens, o maior risco para Mphanda Nkuwa será durante os períodos de seca, porque as barragens a montante poderão não libertar água suficiente, se os países a montante decidirem dar prioridade às suas necessidades. O alto risco de secas na bacia do Zambeze, exacerbado pelas mudanças climáticas, terá um impacto negativo directo na viabilidade financeira e económica do projecto, uma vez que as projecções de geração de receitas e de ganhos em moeda estrangeira serão severamente reduzidas por secas prolongadas. A retenção de água nas barragens a montante, durante as secas, colocará também em perigo os caudais ecológicos a jusante de Mphanda Nkuwa, com outros efeitos prejudiciais para a pesca do camarão na região do delta.

Da mesma maneira, em caso de grandes inundações, as barragens a montante irão libertar mais água, criando risco de ruptura da barragem de Mphanda Nkuwa bem como o agravamento da segurança humana a jusante, no vale do Zambeze. Os riscos de segurança de barragens devido a cheias e inundações podem exigir especifidades mais dispendiosas, e custos de construção mais elevados. Ao longo das últimas duas décadas, têm ocorrido inúmeras catástrofes de cheias no vale do baixo Zambeze, levando a grandes riscos de perda de vidas humanas e ameaças à subsistência. Por conseguinte, Mphanda Nkuwa é altamente susceptível aos impactos das mudanças climáticas, tanto a respeito de secas como de inundações.

A energia hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa é promovida como energia limpa. No entanto, estudos recentes pelo mundo indicam que as barragens emitem quantidades consideráveis de metano, um gás de efeito de estufa mais potente que o dióxido de carbono. Num momento em que o mundo enfrenta enormes riscos de mudanças climáticas e aquecimento global, a decisão de avançar com Mphanda Nkuwa é lamentável e vai contra a sabedoria convencional.

Mphanda Nkuwa está assente na premissa de venda de energia a países da África Austral, sendo a empresa Sul-africana de energia eléctrica Eskom a principal compradora. É importante notar que, nos últimos 15 anos, a Eskom tem experienciado sérios e persistentes desafios estruturais e de governação, resultando numa divida crónica de 500 mil milhões de Rands, equivalentes a 30 bilhões de USD no momento de elaboração deste artigo. Assim, a companhia Sul-Africana enfrenta sérios problemas de viabilidade financeira, o que a torna um cliente de risco para basear um enorme investimento de 4,5 bilhões de USD. Devido ao deteriorar da sua situação financeira, a Eskom tem aumentado progressivamente as tarifas domésticas de electricidade ao longo da última década, o que faz com que muitos dos seus clientes, principalmente os mais ricos, tenham vindo a sair da rede, comprometendo assim a sua cobrança de receitas e piorando ainda mais a viabilidade financeira da companhia de electricidade. Isto é, claramente, um sinal vermelho a respeito do qual os proponentes do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa precisam de se debruçar seriamente, nas suas análises de mercado. A delicadeza da viabilidade de Mphanda Nkuwa torna-se ainda mais acentuada quando vista no contexto do actual acordo de aquisição da energia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa pela África do Sul, cujo preço da electricidade é altamente desfavorável para Moçambique.

Outras preocupações a respeito de Mphanda Nkuwa incluem o alegado aumento no acesso à energia para os Moçambicanos. Em teoria, afirma-se que 40% da energia de Mphanda Nkuwa vai beneficiar os Moçambicanos, mas na realidade o acesso à energia, para os Moçambicanos, será insignificante. O padrão de povoamento rural disperso e extensivo da maioria dos Moçambicanos que actualmente não tem acesso à energia limpa, e a ausência de uma extensa rede em grelha, torna numa falácia a alegação de que Mphanda Nkuwa irá aumentar substancialmente o acesso à electricidade. Moçambique carece de uma extensa rede de transmissão e distribuição, e portanto mesmo com a proposta linha de transmissão, a maior parte da população nas áreas rurais permanecerá desconectada da electricidade. A electricidade da rede não será suficiente para aumentar o acesso e estimular o desenvolvimento no país. E, de qualquer forma, o custo da electricidade sem subsídio será muito alto e inacessível para a maioria dos cidadãos.

O desenvolvimento da barragem de Mphanda Nkuwa presta muito pouca atenção à saúde do ecossistema da bacia e ao bem-estar social das comunidades a jusante. O funcionamento da barragem irá alterar significativamente o regime de escoamento da área a jusante, criando flutuações diárias que irão afectar a biota aquática, bem como a subsistência de mais de 200.000 habitantes que vivem no delta e que, em grande medida, dependem dos recursos naturais da bacia. Os meios de subsistência das comunidades que residem na área que será inundada não devem ser postos de lado. Baseado no que já tem acontecido e sido revelado em outros megaprojectos de infraestruturas na província de Tete e pelo país, estas pessoas serão provavelmente sujeitas a deslocações forçadas, meios de subsistência comprometidos, compensações inadequadas, violência e repressão do Estado, e outras violações de Direitos Humanos. As pessoas que vivem na bacia do Zambeze são as que mais têm a perder com este projecto.

Em conclusão, é improvável que este investimento aumente significativamente a industrialização ou promova o crescimento económico de Moçambique. Prevê-se que o número de empregos permanentes directos criados por este projecto hidroeléctrico seja muito reduzido. No que diz respeito às emissões de gases de efeito de estufa, não haverá ganhos, e infelizmente serão geradas mais emissões com a barragem. As receitas provenientes das vendas de electricidade podem não cobrir os custos de produção, com o risco de não cumprir com o serviço da dívida da barragem. Diversos estudos feitos para a África do Sul e Moçambique demonstram que energia limpa pode ser gerada através do vento e do sol, de forma a alcançar a população rural dispersa num ritmo muito mais rápido, criando assim postos de trabalho e muito menos impactos sociais e ambientais negativos, comparativamente a outras formas de produção de energia. Neste contexto, Moçambique tem um enorme potencial por explorar em termos de energias renováveis, de forma a mudar a sua trajectória rumo ao desenvolvimento, distribuição e geração de energia. Se fôr construída, a barragem de Mphanda Nkuwa será um grilhão climático à volta do pescoço de Moçambique, por muitas gerações.

*Estudo lançado em Maputo no dia 21 de Julho de 2022. Para obter a versão completa do estudo dirija-se ao escritório da Justiça Ambiental na Rua Willy Waddington, 102, Bairro da Coop, Maputo, ou pelo link: www.drive.google.com/drive/folders/1FXkv0z4PzdOT6yhueYhPqXVCo_9di4Qz

Para mais informações: 84 3106010 / jamoz2010@gmail.com

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POSICIONAMENTO: A PROBLEMÁTICA DO DESEMPENHO AMBIENTAL DA EMPRESA MOZAL E A INÉRCIA DO ESTADO

A Justiça Ambiental (JA!), organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, de investigação, defesa e protecção do ambiente e direitos sobre a terra das comunidades, com sede na Cidade de Maputo, há muito que tem constatado e recebido queixas referentes à poluição ambiental praticada pela empresa MOZAL. Aliás, já no ano de 2010, a JA! esteve envolvida numa campanha contra o bypass praticado pela Mozal que implicava a poluição ambiental, campanha essa que culminou com um processo judicial movido por uma coligação de organizações da sociedade civil lideradas pela Justiça Ambiental, cujo desfecho foi uma sentença que negou conhecer o mérito da causa.

São claros os perigos da indústria de alumínio e das substâncias químicas emitidos, entre estas destacam-se o Fluoreto de Hidrogénio (HF), o Dióxido de Enxofre (SO2), o Dióxido de Azoto (NO2), o Ozono (O3), partículas em suspensão (PM10). Estas substâncias são nocivas para o ambiente e para a saúde humana, e podem provocar problemas respiratórios, cancro pulmonar, paragens cardíacas, asma, bronquite crónica, colapso circulatório, entre outras doenças.

A Mozal nunca apresentou publicamente os resultados das análises às suas emissões durante o bypass, nem tampouco alguma vez apresentou os valores de base destas substâncias antes do início das suas actividades e os resultados actuais das análises de qualidade do ar, solo e água da área em redor da Mozal, de modo a permitir um debate público sobre os impactos da Mozal e possíveis soluções. As reuniões públicas da Mozal são precárias do ponto de vista de apresentação de factos ou análises científicas.

A JA enviou várias cartas à Mozal a pedir informação relacionada com a sua gestão ambiental, tendo sempre obtido respostas negativas. Em uma ocasião a Mozal propôs que a JA visse alguns documentos, sob a condição de manter sigilo sobre os mesmos. A JA! recusou esta condição, pois acredita que este direito à informação deve ser de toda a sociedade, e não apenas um “privilégio” com o condicionalismo de guardar segredo.

Em Abril do ano de 2018, a Justiça Ambiental, solicitou, ao abrigo da Lei nº 34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informação), do Decreto nº 35/2015, de 31 de Dezembro (Regulamento da Lei do Direito à Informação) e da Lei 20/97 de 1 de Outubro (Lei do Ambiente), no que não constitua matéria classificada ou segredo do Estado, relatórios detalhados de monitoria ambiental da Mozal que revelam o desempenho ambiental da empresa no período de 2013 a 2018.

No entanto, a MOZAL nunca, até ao presente momento, se dignou a responder ao pedido formulado pela Justiça Ambiental, nos termos da lei aplicável ao caso. Na sequência da falta de resposta e da disponibilização da informação solicitada, a Justiça Ambiental interpôs um processo jurisdicional junto ao Tribunal Administrativo da Província de Maputo, o qual deu provimento o pedido da Justiça Ambiental e condenou a empresa Mozal a fornecer toda a informação solicitada pela Justiça Ambiental através do Acórdão nº 44/2018, de 30 de Agosto referente ao Processo n.º 65/2018/CA.

Estranhamente, a MOZAL, ao invés de disponibilizar a informação relativamente aos relatórios detalhados de monitoria ambiental da Mozal que revelam o desempenho ambiental da empresa no período de 2013 a 2018, optou por interpor recurso contra o referido Acórdão junto da Primeira Secção do Tribunal Administrativo, a qual, por sua vez, manteve integralmente a decisão proferida pelo Tribunal da primeira instância, ou seja, pelo Tribunal Administrativo da Província de Maputo.

Entretanto, mais uma vez, em flagrante prática de manobras dilatórias e abuso do direito ao recurso, a Mozal recorreu para o Plenário do Tribunal Administrativo, estando o processo pendente aguardando decisão final até ao presente momento. O que significa que a Justiça Ambiental está a batalhar judicialmente para aceder a informação de interesse público sobre o desempenho ambiental da Mozal há quase quatro anos por falta de transparência desta empresa no que diz respeito às suas actividades de poluição ambiental.

Ora, se a Mozal alega ser uma empresa cumpridora do direito ao ambiente e não periga a saúde das populações directamente afectadas pelas suas actividades, por que razão não disponibiliza relatórios detalhados de monitoria ambiental da Mozal que revelam o desempenho ambiental da empresa pelo menos nos últimos 5 anos, senão de todo o período que vem operando em Moçambique? Por que razão não se conforma com a decisão do tribunal que a obriga a disponibilizar a referida informação?

Mais grave ainda, é que a Justiça Ambiental, ainda tendo por base a Lei do Direito à Informação, requereu ao DIRECTOR GERAL DA AGÊNCIA NACIONAL PARA O CONTROLO DA QUALIDADE AMBIENTAL – AQUA, no ano de 2019, a supra referida informação sobre o desempenho ambiental da Mozal. Nos termos da lei, a AQUA é responsável pela monitoria ambiental e pela realização de auditorias ambientais, conforme dispõe o artigo 5 do Decreto n.º 2/2016 de 10 de Fevereiro que cria a AQUA.

Na sequência, a AQUA não se dignou a disponibilizar a informação solicitada pela Justiça Ambiental, não obstante a contínua insistência para o efeito. Por isso, a Justiça Ambiental interpôs, no ano de 2019, um processo jurisdicional de natureza urgente contra a AQUA junto ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo tal qual o fez contra a Mozal, mas até a presente momento não foi proferida qualquer decisão pelo tribunal da causa volvidos dois anos.

A Mozal e a AQUA, ao não disponibilizarem a informação solicitada pela Justiça Ambiental, sem fundamento legal bastante, violam não só o direito ao ambiente perigando a saúde pública, mas também o direito fundamental à informação, os princípios da transparência, da participação democrática, da proibição de excepções ilimitadas e o da celeridade na disponibilização da informação, conforme resulta respectivamente dos artigos 7, 8, 11 da Lei do Direito à Informação.

Importa aqui referir que a abertura do ano judicial de 2021 foi sob a égide do lema “Por um Judiciário Protector do Meio Ambiente”. Porém,o mesmo judiciário mostra-se extremamente moroso em proferir decisões de capital importância para a salvaguarda do meio ambiente e efectiva garantia de protecção da saúde pública. Não se vislumbra uma atitude proactiva da Procuradoria-Geral da República para com a inércia e/ou negligência da AQUA no cumprimento das suas atribuições e competências para a protecção do meio ambiente.

Recentemente, a Mozal veio a público para tentar tranquilizar o público, sem dados bastantes, alegando que as poeiras resultantes das suas actividades não são prejudiciais nem para o ambiente, nem para a saúde. No entanto, todo o processo de recolha e análise de amostras é levado a cabo pela própria Mozal e não se clarifica o papel do Estado na verificação do processo para confirmar se os dados fornecidos pela Mozal são fiáveis. Mais do que isso, é que se a actividade da Mozal não é nociva à saúde e não está a degradar o meio ambiente, qual a razão para a não disponibilização de toda a informação detalhada sobre o seu desempenho ambiental?

Portanto, urge a intervenção da Procuradoria-Geral da República no sentido de fazer cumprir a Lei do Direito à Informação e demais legislação ao caso aplicável para a imediata disponibilização de informação solicitada de relevante do interesse público. A sociedade Moçambicana tem o direito de debater abertamente os impactos ambientais, sociais e económicos de grandes projectos industriais como é o da Mozal, para que possa, de forma informada, participar activamente na definição de modelos de desenvolvimento que coloquem os direitos humanos e o meio ambiente acima dos interesses do lucro.

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COMUNICADO DE IMPRENSA Estados retomam as negociações históricas na ONU em meio a um crescente consenso sobre a necessidade de normas vinculantes sobre empresas transnacionais e direitos humanos

25 DE OUTUBRO DE 2021, GENEBRA

Os Estados-Membro das Nações Unidas retomaram, no último dia 25 de Outubro, as negociações na sétima sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG, em inglês) com a demanda de elaborar um tratado internacional juridicamente vinculante para regular, no direito internacional dos Direitos Humanos, as atividades das empresas transnacionais. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet, inaugurou a sessão afirmando que o mundo é testemunha de um “crescente consenso sobre a necessidade de uma normativa vinculante sobre empresas e Direitos Humanos”.

Os países do Sul Global intervieram apoiando firmemente o processo do Tratado Vinculante: África do Sul, Namíbia, Índia, Indonésia, Paquistão, Filipinas, Bolívia, Venezuela, Cuba e Palestina, entre outros. Pela primeira vez, delegados das principais economias mundiais compartilharam suas opiniões sobre o processo e o conteúdo do Tratado Vinculante. Isso demonstra que, após sete rodadas de negociações, os Estados já não podem ignorar a urgente necessidade de um instrumento eficaz como o Tratado Vinculante da ONU.

A presidência da OEIGWG, gerida por Equador, abriu a sétima sessão afirmando que as negociações devem ser “lideradas pelos Estados”, o que suscita uma preocupação de como serão incluídas as contribuições da sociedade civil.

A ampla e contínua participação das comunidades afetadas pelas atividades das empresas transnacionais, organizações da sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais faz deste um dos processos mais amplamente apoiados na história dos OEIGWG da ONU. A Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global), que representa 260 milhões de pessoas afetadas por corporações transnacionais ao redor do mundo, é mais uma vez uma forte presença em Genebra, fornecendo recomendações vitais e análises críticas.

Tchenna Maso, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Via Campesina e da Campanha Global, apontou durante a sessão de abertura: “Deixe-me lembrá-los da questão básica que nos reúne aqui. No cerne da questão está o fato de que, embora as violações dos direitos humanos cometidas por corporações transnacionais através de suas cadeias sejam óbvias, os Estados muitas vezes são incapazes de punir os perpetradores ou de proporcionar reparações às vítimas”.

Ubrei-Joe Mariere, da Amigos da Terra – África, falou em nome da Campanha Global: “As crises climática, de biodiversidade e do Covid-19 são resultado de um modelo socioeconômico que favorece o lucro corporativo em detrimento da proteção dos Direitos Humanos e do meio ambiente. Restrições de viagem relacionadas à pandemia, acesso desigual às vacinas, barreiras financeiras, limitações de conectividade digital e diferentes fusos horários limitam a participação do Sul Global, incluindo os Estados e povos afetados. Para que as negociações do Tratado Vinculante sejam inclusivas e justas, devemos assegurar que a sociedade civil – especialmente os povos mais afetados pela impunidade das empresas transnacionais – conseguem acompanhar, intervir e influenciar a direção das negociações”.

Mary Ann Bayang, do IPRI (Indigenous Peoples’ Rights International) nas Filipinas declarou que “os povos, cidadãos, comunidades afetadas e movimentos sociais têm grandes esperanças no sucesso do processo iniciado neste OEIGWG para colocar as corporações transnacionais sob a lei. Os Estados também têm interesse na adoção deste tratado que lhes permitiria recuperar sua soberania perdida. É dentro deste espírito que a Campanha Global se envolveu no processo de negociação deste Tratado Vinculante. Observamos com grande pesar que o projeto atual fica muito aquém do mandato do OEIGWG. É essencial que esta situação seja retificada e que o processo seja recolocado nos trilhos”.

Os participantes das negociações enfatizaram a necessidade urgente de regulamentações vinculativas para as empresas transnacionais à luz da pandemia de Covid-19.

A Associação Interdisciplinar de AIDS do Brasil (ABIA), membro da Campanha Global, declarou: “Um Tratado Vinculativo é urgentemente necessário para trazer justiça às pessoas às quais é negado o acesso às tecnologias de saúde e cujas vidas foram tiradas pela ganância corporativa. O tratado deve incluir a primazia dos Direitos Humanos como um princípio fundamental. Assim, os interesses incluídos nos acordos comerciais e de investimento devem estar subordinados e sujeitos ao respeito obrigatório dos direitos humanos”.

Uma ampla coalizão de representantes eleitos, a Rede Global Interparlamentar (GIN) que apoia o Tratado Vinculante da ONU, também defende um instrumento juridicamente vinculante, ambicioso e eficaz.

Miguel Urbán, Membro do Parlamento Europeu pela Esquerda e membro da Rede Parlamentar Global apoiando o Tratado Vinculante acrescentou: “A ausência de normas internacionais claras e vinculantes para o respeito dos Direitos Humanos alimenta a impunidade e o abuso do poder corporativo global”.

A Campanha Global estará em Genebra durante toda a semana trabalhando para garantir que suas propostas para o Tratado da ONU sejam levadas em consideração e incluídas no atual processo de elaboração.

NOTA PARA OS EDITORES

Para mais informações ou entrevistas contactar:

Sol Trumbo Vila, Email: soltrumbovila[a]tni.org

Julia García, +55 71 99246-2696 Email: facilitation[a]stopcorporateimpunity.org

Erika Mendes, +258 824736210 Email: erikasmendes@gmail.com

A Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global) é uma rede de mais de 250 Movimentos Sociais, organizações da sociedade civil (OSCs), sindicatos e comunidades afetadas pelas atividades das empresas transnacionais (TNCs), representando 260 milhões de pessoas em todo o mundo. https://www.stopcorporateimpunity.org

Esta rodada de negociações está revisando o terceiro rascunho do tratado vinculante, publicado a 17 de Agosto de 2021, que inicia no processo de negociação iniciado em 2014 com a adoção da Resolução 26/9 por parte do Conselho de Direitos Humanos. Informação da ONU sobre o mandato do OEIGWG

A Campanha Global publicou esta declaração em Setembro de 2021 em resposta à publicação do terceiro rascunho revisado.

A Rede Global Interparlamentar de apoio ao Tratado Vinculante é uma rede mundial de parlamentos nacionais e membros do Parlamento Europeu que apoiam o Tratado Vinculante da ONU.

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Lixeira de Malhampsene: Autêntico Atentado à Saúde Publica

Em muitos países em vias de desenvolvimento, os resíduos sólidos se tornaram num grande problema por conta do crescimento populacional, que tende a aumentar de forma significativa, o que faz com que a sua geração, colecta e o destino final desse tipo de resíduos, se torne mais difícil e problemática. Sendo que Moçambique não está alheio a esse problema, que é gritante, e representa uma grande ameaça à saúde publica e que igualmente já causou vitimas mortais com o desabamento da lixeira de Hulene que destruiu varias residências erguidas de forma precária, na sua maioria ao redor da referida lixeira, em Fevereiro de 2018.

Devido a esse aumento significativo dos resíduos sólidos, a qualidade do meio ambiente também tem sido negativamente afectado, pois, o aumento de resíduos sólidos associado à sua má gestão promove diversas consequências como o aumento dos custos para sua recolha e tratamento e a falta de locais adequados para o seu descarte, que acabam tendo impactos nocivos para toda sociedade e o planeta de uma forma geral.

Contudo, precisa-se reconhecer que para alguns casos, não é apenas por conta do crescimento populacional e elevados níveis de consumo, mas está também directamente associado à má gestão da cadeia de produção, recolha e descarte dos próprios resíduos sólidos. A titulo de exemplo é o que se tem verificado na lixeira de Malhampsene, localizada no bairro com o mesmo nome, no município da Matola. Esta lixeira representa uma autêntica imundice e constitui um verdadeiro atentado à saúde publica. Situação esta que tem estado a agravar-se com o andar do tempo e pode ser observada por qualquer indivíduo que por ali passa, pois, a lixeira encontra-se exactamente à berma da estrada e nos últimos tempos o lixo ali depositado, tem por vezes transbordado para a própria estrada, uma via principal que serve de ligação entre a província e cidade de Maputo e a África do Sul. Neste caso a EN 4.

De referir que a lixeira de Malhampsene está praticamente a engolir uma parte deste bairro e estranhamente numa zona onde localizam-se residências robustas e modernas. Para além do mau cheiro, moscas e mosquitos, o bairro tem sido afectado com os fumos libertados com as queimadas descontroladas do lixo variado ali depositado, sem que tenha sido separado ou descriminado. Pois são ali realizadas sessões de incineração quase que a todo momento, libertando enormes nuvens de fumaça, certamente bastante tóxicas. Além do facto de que este lixo mistura-se constantemente com água, sobretudo na época chuvosa.

Curiosamente, apesar de esta lixeira estar claramente a clamar pelo seu enceramento e o próprio presidente do Município da Matola, por ali passar quase que diariamente, ainda é possível observar carros do próprio Conselho Municipal da Cidade da Matola responsáveis pela recolha de lixo, a fazerem o despejo do lixo no mesmo local. Ou seja, os que deviam estar mais preocupados e com mandato para resolverem a situação, são os mesmos que continuam a contribuir para o agravamento do mesmo.

Segundo informações veiculadas no jornal noticias (online) de 07 de Outubro de 2016, “a existência de comités de desenvolvimento local em alguns bairros do município da Matola contribuiu para o surgimento de uma consciência ambiental que resultou na melhoria da gestão de resíduos sólidos”. Mas hoje a situação de gestão de resíduos sólidos nesta urbe tem estado a piorar a cada dia e pode-se afirmar que é um autêntico caos. Sendo a lixeira de Malhampsene uma grande prova disso.

A gestão dos resíduos sólidos é um assunto de grande relevância para a sustentabilidade do meio ambiente. Isto pelo facto de registarem-se cada vez maiores níveis de consumo de diversos produtos – o que aumenta consequentemente a quantidade de lixo que é descartado de maneira inapropriada. Tal situação afecta sem sombra de duvidas e de forma directa a saúde pública e o meio ambiente. Sugerindo-nos a necessidade de termos que adoptar modelos de consumo mais sustentáveis.

A Justiça Ambiental preocupa-se com esta situação da Lixeira e desde de 2016 que tem enviado cartas ao Ministério do Ambiente,com uma chamada de atenção para resolveram a situação. Ao todo foram 10 cartas entre o período de 5 de Julho de 2016 a 18 de Novembro de 2020. Do ministerio através da Agência Nacional para o Controlo da qualidade ambiental (AQUA) recebemos somente 1 carta a informar que uma equipe técnica fez uma auditoria e levantamento e que iam elaborar um relatório com recomendaçoes. A segunda carta recebida veio do Gabinete do Ministro do Meio Ambiente datada de 16.08.2019 em resposta ao nosso pedido de uma copia do relatório onde informavam que o relatório ainda estava a ser processado . Até hoje ainda continuamos a espera da copia do relatório.

De acordo com um artigo publicado no site “Trabalhos Feitos”, “o problema da gestão dos resíduos sólidos no Município da Atola é um dos grandes desafios a ser enfrentado. A partir de falta de espaço para a sua deposição, degradação dos recursos ambientais, custos elevadíssimos para a sua recolha e deposição entre outros, sendo estes serviços indispensáveis para a vida dos Munícipes. A maior preocupação, é a falta de uma consciencialização dos produtores e das autoridades municipais no acto de jogar o lixo que acabam misturando e não permitindo o reaproveitamento ou tratamento dos resíduos, quando depositados e recolhidos de modo inconvencional, são pouco aproveitados, pela contaminação das matérias”.

Uma das melhores saídas para a situação e que certamente ajudaria a resolver e mesmo evitar que atinjamos estes níveis de imundice, seria optar-se pela reciclagem e reaproveitamento de muitos materiais ali descartados, o que contribuiria igualmente para o melhoramento da renda de muitos que ali recorrem para aproveitar o que ainda dê jeito. Falamos dos captadores de lixo.

Tirando a questão dos custos que pode exigir, o processo de “reciclagem do lixo traz benefícios e reduz o volume de lixo de difícil degradação e contribui para a economia de recursos naturais, e prolonga a vida útil dos aterros sanitários, diminuindo a poluição do solo, água, ar e desperdícios, contribuição para preservação do meio ambiente (Transformação de material para o reaproveitamento na indústria e na agricultura)”. Mas com um pouco de vontade por parte das autoridades e tomadores de decisão, é possível mobilizar recursos para o efeito.

Uma das questões que não se quer calar, é se o Presidente do Município ainda não notou o caos que se instalou naquela lixeira? Ou está a espera que aconteça o mesmo tipo de tragédia que ocorreu na lixeira de Hulene, na periferia da cidade de Maputo para fazer alguma coisa?

É imperioso que o presidente do município e sua equipe resolvam aquela situação o mais urgente possível, e acima de tudo, que avancem para o encerramento da mesma, antes que seja tarde demais. A sociedade e o planeta irão agradecer, e muito.

A situação da lixeira não deixa dúvidas, é um crime ambiental e social, e mais um exemplo de impunidade.

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