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Comunidades afectadas pela Portucel Moçambique recebem oferta de fogões de barro

Por: Missão Tabita

A Justiça Ambiental e a Missão Tabita acompanham há vários anos, com enorme preocupação, o estabelecimento e a expansão das plantações de monoculturas em larga escala no país, e os respectivos impactos ambientais e sociais destas. Este acompanhamento inclui visitas e contacto regular com as comunidades afectadas, a elaboração de inúmeras petições e pedidos de intervenção tem sido elaborados e submetidos às autoridades governamentais, às empresas, neste caso em particular à empresa Portucel Moçambique que detém vários títulos de DUAT e uma larga extensão de terra, em grande parte terra já ocupada por comunidades locais. Os conflitos entre estas comunidades e a empresa já são sobejamente conhecidos, analisados e denunciados por várias organizações da sociedade civil, no entanto, permanecem por resolver. No âmbito deste trabalho, numa parceria entre a Missão Tabita e a Justiça Ambiental, tem sido efectuadas desde Outubro visitas e encontros com todas estas comunidades e nesses encontros tivemos conhecimento de que a empresa Portucel Moçambique ofereceu às comunidades afectadas fogões de barro e que embora primeira vista possa parecer um gesto positivo, a oferta não foi bem vista pelas comunidades afectadas e beneficiárias desta oferta. Porquê esta reação a uma oferta? Importa lembrar que estas mesmas comunidades afectadas pelas plantações da Portucel, tem vindo a reclamar e a contestar a usurpação das suas terras, o facto de terem sido enganados com inúmeras promessas de vida melhor, de empregos, de construção de escolas, de reabilitação de estradas e caminhos e para além de não terem ainda visto nem sinal desta tão prometida vida melhor, e continuarem à espera da intervenção do Estado são ainda alvo de propaganda com estas ofertas irrisórias. Os membros das comunidades afectadas que “cederam” as suas terras receberam como oferta os fogões que se podem ver nas imagens, apenas o que “cederam as suas terras” e muitos destes não ficaram felizes. Sentiram-se revoltados, mais uma vez enganados, pois são convocados para receber fogões que segundo os mesmos não sabem utilizar, e pior ainda não é disto que precisam de facto.

“É para fazermos o quê com estes fogões se não temos comida? Se não temos terra para cultivar a nossa comida? É para nos mostrar que eles tem comida?”

Vários são os membros das comunidades afectadas visitadas que declaram não aceitar as ofertas da Portucel Moçambique porque estas não são o que foi prometido e não contribuem em nada para a melhoria das suas vidas considerando o que perderam… em troca da terra, em troca dos seus meios de vida não esperavam receber fogões, pois sem comida não tem qualquer utilidade para estes, nunca os pediram e não querem ser alvo de publicidade enganosa da empresa, fazendo parecer que de facto apoia as comunidades a quem “roubou” a terra com mentiras. Referem ainda que estas ofertas só vem exacerbar a sua situação, pois aumentam a frustração da situação que vivem diariamente, aumentam a depressão e a revolta.

Explicam ainda que não sabem como utilizar os fogões oferecidos, que os mesmos não são adequados à sua forma de vida, e dizem inclusive que ao tentar colocar a panela sobre o fogão a mesma cai.

As comunidades que a Portucel refere vezes sem conta nas suas publicações como parceiros estratégicos, não se sentem em nada parceiros, sentem-se enganados e prejudicados pelas actividades da empresa. Reclamam que não dominam os processos de gestão de reclamações da empresa, e que apesar das inúmeras reclamações e clara demonstração de que não estão em nada satisfeitos nada é feito, e quando mais reclamam mais se colocam como alvo de intimidação e ameaças pelas lideranças locais, que tem sido os que mais defendem e protegem a empresa.

Referem ainda que em inúmeras reuniões convocadas, veem o seu direito de livre expressão violado, pois são intimidados e aconselhados a não falar dos problemas, a não reclamar, particularmente pelas lideranças locais e técnicos da empresa. Estas mesmas questões já foram denunciadas à Portucel, pela Justiça Ambiental e pela Missão Tabita, e foram prontamente negadas sem qualquer fundamento. No entanto, sempre que voltam a ser denunciadas pouco depois os membros das comunidades que as denunciam são novamente intimidados. E sempre que a Portucel é convidada a participar num encontro em que estejam ao mesmo tempo as comunidades e as organizações, por um motivo ou outro, nunca se fazem presentes.

Neste caso, contam estas comunidades que à medida que os técnicos da empresa Portucel faziam a distribuição dos fogões, alguns membros das comunidades reclamavam, mostravam-se indignados e recusaram a oferta, estes foram prontamente “avisados” pelos técnicos e pelo representante do governo local que se não receberem os fogões de boa vontade, nunca mais irão receber beneficio algum da empresa. E assim decorreu esta distribuição de acordo com inúmeros membros de comunidades distantes entrevistados em diferentes momentos. E a Portucel e os representantes do governo local vão continuar a negar estes actos até quando? Estes acontecimentos levam a um clima de medo e de desconfiança, mas ainda assim não vão calar-nos a todos!

Já são “esperadas” as visitas intimidatórias de técnicos da Portucel junto com o governo local sempre que se apercebem de encontros ou trabalho dos organizações da sociedade civil a decorrer nestas comunidades. O líder de Hapala foi ameaçado que seria substituído se continuasse a permitir encontros entre a comunidade e a Missão Tabita e a JA!, o seu filho foi levado ao Comando da Polícia para explicar melhor o seu papel na convocação destes encontros, estes são apenas alguns exemplos do que a Portucel e o governo local continua a negar ser actos de intimidação e ameaça a quem teima em denunciar os impactos da Portucel. Outros dois membros da mesma comunidade foram “avisados” que seriam levados a tribunal, para responder a um processo por difamação, caso voltassem a mencionar o nome de uma das técnicas da Portucel após uma denúncia feita pela JA! à Portucel, referindo que esta mesma senhora teria impedido que estes dois membros da comunidade participassem do encontro comunitário pois fazem muita confusão. Que mais evidências são necessárias? Quantos mais precisam ser ameaçados, intimidados ou simplesmente difamados para que estas situações sejam devidamente tratadas?

A Missão Tabita é uma organização local, conhecida e a trabalhar há bastantes anos com estas comunidades, a Justiça Ambiental é uma organização nacional também conhecida no local e a trabalhar também com estas comunidades há bastantes anos, no entanto, é notória e demasiado preocupante a reação do governo local que se desdobra em movimentações para “desconvocar” encontros, inviabilizar visitas, dificultar e burocratizar processos simples, chegando inclusive a referir-se a estas mesmas organizações como estando a trabalhar para interesses externos, estando contra o desenvolvimento e mais recentemente como sendo possíveis recrutadores de insurgentes. Estas acusações são simplesmente inaceitáveis, gravíssimas e bastante perigosas e foram também denunciadas em fórum próprio.

De Outubro até então várias visitas tem sido feitas as comunidades afectadas pela Portucel, vários encontros para perceber se as questões de que se queixam já foram ultrapassadas, mas a situação segundo os afectados mantem-se.

É possível confirmar no terreno que a insatisfação com a Portucel, há inúmeras famílias que se sentem lesadas, que perderam a sua terra, suas machambas e culturas, e que não foram devidamente compensadas pelas suas perdas. Muitas destas famílias, beneficiam da distribuição de sementes melhoradas, alguns ainda receberam candeeiros solares, estes fogões e menos ainda foram os que receberam bicicletas devidamente identificadas com os logos publicitários da Portucel, geralmente reservadas apenas para os chefes e lideres locais.

Não faltam queixas sobre os impactos desta empresa, desde as perdas já referidas até a mudanças ou alterações no ambiente que têm sido referidas como impacto das plantações, como a redução da disponibilidade de água em poços e rios, a falta de capim para cobertura de casas, a falta de acesso a madeira para construção das suas casas, ao empobrecimento dos solos nas machambas, referem igualmente problemas sociais como aumento da criminalidade devido às inúmeras carências e à revolta, aumento da fome e das inúmeras carências.

As questões levantadas pelas comunidades têm sido até então justificadas pela empresa como sendo em grande medida derivadas da falta de informação e de comunicação entre a empresa e as comunidades.

No entanto, as comunidades de Ile, Mulevala, Namarroi continuam a afirmar que as plantações não melhoraram as condições de vida das comunidades, não geraram os empregos prometidos, não melhoram o de forma alguma a qualidade do solo nem tao pouco da água, e que os ditos projectos ‘sociais’ da Empresa servem apenas para publicidade da empresa e perante tantos impactos estes projectos não tem qualquer significância.

Continuaremos a elevar a voz e o sentimento destas comunidades até que sejam devidamente tratadas as suas questões.

Zambézia, Dezembro 2020

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