por Tim Jones a 7 de Novembro de 2018
- O povo moçambicano terá que pagar de $1,7 a $2,2 biliões por uma dívida inicial de 760 milhões, que não foi aprovada pela Assembleia da República, e não trouxe benefício algum
O governo de Moçambique anunciou que chegou a um acordo para um novo plano de pagamento da dívida com os credores de algumas das dívidas ilegítimas que mergulharam o país na crise financeira.
Independentemente do prisma pelo qual este acordo é visto, é um acordo ultrajante para o povo Moçambicano. É inaceitável, sob qualquer ponto de vista, que o cidadão Moçambicano pague entre US$ 1,7 bilião a US$ 2,2 biliões, por um empréstimo de US$ 800 milhões do qual não tem recebido benefício algum. Enquanto isso, as empresas agora detentoras das dívidas poderão obter com esses títulos enormes lucros.
Estimamos que uma companhia que tenha adquirido a dívida em 2016 poderá obter um lucro de 50% se a vender agora, ou até mesmo 270% de lucro se Moçambique realmente pagar nos próximos 15 anos, conforme está previsto.
Contexto
A dívida resulta de um empréstimo de $760 milhões em 2014, para uma empresa pública chamada Ematum. A sociedade civil afirma que os empréstimos foram ilegais, pois foram concedidos sem aprovação do parlamento. O empréstimo serviria supostamente para investir numa frota pesqueira de atum, mas $500 milhões nunca foram contabilizados. O governo de Moçambique afirma que o montante foi utilizado em equipamento militar, mas nunca foram providenciadas provas disto. A frota pesqueira de atum encontra-se parada no porto de Maputo.
O valor nominal do empréstimo inicial era de $850 milhões, mas $90 milhões desse valor foi usado em “taxas” pagas aos bancos que organizaram o empréstimo – filiais Londrinas do Credit Suisse e VTB Capital. Esta foi uma forma de fazer parecer que o empréstimo tinha uma taxa de juros menor do que a real. Uma auditoria independente descobriu que os $760 milhões do empréstimo foram todos para um fornecedor de barcos de pesca em Abu Dhabi, nem chegaram a entrar em Moçambique.
Ao contrário de dois outros empréstimos que totalizam $1,4 biliões, concedidos pelo Credit Suisse e VTB, este empréstimo para a Ematum foi anúnciado publicamente após ter sido concedido, com o Credit Suisse e VTB a vender os títulos da dívida no mercado financeiro. De qualquer maneira, o governo de Moçambique garantiu que pagaria a dívida caso a Ematum não conseguisse, sem a aprovação do parlamento, o que torna o empréstimo ilegal perante a lei Moçambicana.
Foto: Pambazuka
Em 2016, pouco antes da dívida de $1,4 biliões se ter tornado públicamente conhecida, o governo de Moçambique concordou em reestruturar o empréstimo, o que reduziu as parcelas de pagamento entre 2016 e 2020, mas aumentou-os no restante período de vigência do empréstimo. Além disso, a dívida foi incluída nas contas gerais do governo, apesar da sua ilegalidade.
Depois das outras dívidas se tornarem públicas, Moçambique não cumpriu com os pagamentos de 2016 e 2017, incluindo a dívida que originou do empréstimo à Ematum. Desde então, nem a Ematum nem o Governo Moçambique fizeram qualquer pagamento.
O incumprimento fez com que o preço da dívida caísse nos mercados internacionais. No final de 2016 e início de 2017, a dívida reestruturada da Ematum poderia ser comprada por entre 55% e 65% do seu valor nominal.
O acordo da dívida
O acordo anúnciado ontem afirma que o governo de Moçambique aceitará pagar a dívida na sua totalidade, incluindo os juros que foram acumulados nos últimos dois anos. Além disso, pagará 5,875% de juros sobre o valor principal e sobre os juros acumulados. E, como um pontapé final, 5% das futuras receitas do gás serão pagas sobre os juros, até um máximo de $500 milhões. O pagamento dos juros começará em 2019, com o valor principal sendo pago entre 2029 e 2033.
Calculámos que este acordo levará o povo Moçambicano a pagar, pelo menos, um total de $1,7 biliões pela dívida, podendo subir até $2,2 biliões, dependendo de quanto perderemos também das receitas de gás. Em contrapartida, o total dos pagamentos nos termos originais do empréstimo teria sido $1,1 bilião entre 2014 e 2020, e nos termos da primeira reestruturação seriam $1,4 biliões entre 2014 e 2023. Cada vez que Moçambique reestrutura a sua dívida concorda em pagar mais, ainda que num futuro mais distante.
Uma empresa que tenha comprado a dívida quando esta foi contraída passa a ganhar quase 200% a mais do que o valor do empréstimo, ou 65% a mais do que se tivesse emprestado ao governo dos EUA. No entanto, muitos dos titulares da dívida não a adquiriram em 2014. Para aqueles que a adquiriram quando Moçambique já se encontrava em situação de incumprimento, em 2016, poderiam ganhar 270% mais do que se tivessem emprestado dinheiro ao governo dos EUA. Desde que o acordo foi anunciado, o valor da dívida Moçambicana nos mercados financeiros aumentou. Mesmo que um comprador de 2016 da dívida a venda agora, ainda assim terá um lucro de 50%.
O que virá a seguir
O acordo anunciado pelo governo de Moçambique é com quatro companhias, que possuem 60% do valor da dívida: Farallon Capital Europe, Greylock Capital Management, Mangart Capital Advisors e Pharo Management. Se 75% dos titulares concordarem com o acordo, os restantes terão de aceitar.
O acordo terá de ser aprovado pela Assembleia da República de Moçambique, portanto ainda pode ser travado, se os deputados estiverem dispostos a lutar contra um acordo tão prejudicial ao povo moçambicano.
As negociações em torno dos outros $1,4 biliões da dívida oculta ainda estão a decorrer, mas este acordo não é um bom sinal de quão mais o povo Moçambicano poderá vir a pagar por todos os empréstimos ilegítimos e inexplicados que não os beneficiaram de forma alguma.
A questão final é: por que razão aceitaria o governo de Moçambique um acordo tão mau? Não temos resposta. É simplesmente chocante.
Síntese dos valores
Empréstimo Inicial
Valor inicial do empréstimo: $760 milhões (valor nominal de $850 milhões, mas $90 milhões destes eram “taxas” que foram inventadas para aparentar taxas de juro menores)
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,1 biliões
Primeira reestruturação, em 2016
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,4 biliões
Acordo estabelecido em Novembro de 2018
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2033: $1,7 biliões + 5% das futuras receitas de gás, no máximo $500 milhões. Portanto um valor total máximo de $2,2 biliões
Lucro Potencial:
Nos finais de 2016 e inícios de 2017, $100 milhões da dívida de Moçambique poderiam ter sido comprados por $60 milhões. Se o acordo for implementado, estes $60 milhões terão um retorno de até $220 milhões. Se o valor tivesse sido emprestado ao governo Americano, haveria um retorno de $82 milhões para o mesmo período de tempo. Isto representa, portanto, um lucro de 270%.
por Tim Jones