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Comunidades afectadas pela empresa Green Resources em Nampula continuam à espera de ver resolvidas as suas preocupações

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Há mais de 5 anos que a Justiça Ambiental tem vindo a denunciar os inúmeros conflitos de terra entre a Green Resources Moçambique e as comunidades rurais afectadas pelas plantações da empresa. Para além da denúncia, a JA! tem igualmente vindo a exigir a intervenção do governo na resolução destes conflitos. Em 2015, a Justiça Ambiental em parceria com a Livaningo e a União Nacional de Camponeses, realizou um estudo sobre a situação denominado “O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: O caso da Green Resources Moçambique”, e ainda um documentário sobre o mesmo tema. O estudo surgiu da necessidade de registar os referidos conflitos de terra, bem como suas causas e seus principais afectados, de modo a dar voz aos inúmeros apelos das comunidades afectadas e na esperança de ver as questões resolvidas.

Desde 2012 que as comunidades afectadas têm vindo a reclamar junto dos órgãos locais do governo e da empresa e nada foi resolvido. O estudo confirma que parte das áreas atribuídas à Green Resources pelo Governo moçambicano coincidem, em muitos casos, com as áreas ocupadas pelas famílias e comunidades locais, e que as compensações às comunidades locais, quando aconteceram, foram injustas, irrisórias e pagas através de processos nada dignificantes para as pessoas e famílias afectadas, para além de não ter sido respeitada a Directiva Geral para o Processo de Participação Pública através do Diploma Ministerial Nr. 130/2016 de 19 de Julho.

Passados cerca de 8 anos – e decorridos inúmeros apelos, cartas, petições, encontros de sensibilização com instituições governamentais relevantes, com a empresa, com a Embaixada da Noruega (por se tratar de um investimento norueguês) e até viagens à Noruega e à Suécia – as comunidades afectadas continuam a reclamar pela reposição dos seus direitos, pela devolução das suas terras, pelo pagamento de compensações justas e pelo cumprimento das muitas promessas efectuadas apenas para obter o seu consentimento e que, desde então, foram esquecidas. Até à data, muitas destas cartas e petições continuam sem resposta e os representantes das comunidades afectadas continuam a andar de porta em porta nos gabinetes do governo local e provincial a apelar para a resolução da sua situação e nada acontece.

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No passado dia 24 de Junho do corrente ano, teve lugar um encontro de auscultação às comunidades afectadas a nível do distrito de Ribaue. O encontro foi presidido pelo Administrador do Distrito de Ribaue e contou com a participação: do Director dos Serviços das Actividades Económicas, do Chefe do Posto Administrativo de Ribaue-sede, do Chefe da Localidade de Namiconha, de Líderes Comunitários das comunidades afectadas, de representantes da empresa e de membros das comunidades (452 membros). Neste encontro, mais uma vez, os afectados exigiram ao governo do Distrito, na pessoa do Administrador, a resolução com máxima urgência dos casos mal parados entre a empresa e as comunidades, incluindo todas as promessas feitas durante o processo das consultas comunitárias.

Perante as exigências das comunidades e dada a gravidade do assunto, o Administrador propôs que se retomasse a discussão no mês seguinte (Julho) na cidade de Nampula com o envolvimento do Governador da Província, da Direcção Provincial da Agricultura e de representantes da empresa e dos afectados. No entanto, desde então nada mais aconteceu. Os representantes das comunidades afectadas tem pressionado o governo do distrito para a marcação do referido encontro e este tem vindo a ser marcado e posteriormente cancelado vezes sem conta.

As comunidades afectadas sentem-se enganadas pela empresa e pelo governo e completamente abandonadas à sua sorte. Enquanto uns desistem da luta e abandonam o local, noutros cresce a revolta e ameaçam queimar toda a plantação. Outros tantos ainda querem marchar até Maputo, pois creem que foi em Maputo que deram as suas terras à empresa. O desespero é visível e a situação precária em que vivem estas comunidades é evidente para qualquer um que as visite.

Até quando a impunidade destas empresas? Até quando vamos ter um governo para as empresas e não para o povo?

Até dizermos Basta!

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O meu ponto de vista Casamentos prematuros e gravidezes precoces

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Por: Alana Sousa (10 anos)

Eu tive o privilégio de ser umas das únicas crianças da cidade a ir a Namadoe, uma das 4 comunidades com que a JA trabalha, na base do monte Mabu.

Uma das coisas que notei primeiro foi a quantidade de meninas que já tinham bebés, como a filha do senhor Cubaniwa que já tinha 1 filho de 2 anos e ela só tem 19 anos, o que indica que ela teve um filho com 17 anos. Na comunidade parece que é normal, casar com 16 ter filhos com 17. O caso que mais me chamou atenção, foi o de uma menina com 15 anos a segurar um bebé que dizia ser dela, notava-se que a bebé tinha mais de 1 ano e pouco, porque já andava e andava rápido. Por exemplo a minha prima, tem 15 anos de idade e mesmo assim ninguém na família poderia sequer imaginar ela grávida.

E a menina mãe é minha amiga, e era notável que ela ainda queria brincar, e que não era a idade certa para ter uma filha, mesmo sendo mãe ainda era uma criança uma menina. Mas mesmo assim tenho quase a certeza que ela ama a filha, mas… ela tem uma vida para aproveitar como criança, brincar, correr, enfeitar palhaçadas, fazer coisas que as crianças normais fazem.

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O breve texto foi elaborado por uma menina de 10 anos, que viveu uma realidade muito diferente da sua, gostou de muito do que viu e fez muitos amigos e amigas, mas também viu muito que não gostou, que não percebeu e que não aceita…dessa indignação nasceu este texto, carregado da inocência própria de uma menina de 10 anos! “

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O continente negro de carvão: África na mira dos gigantes da mineração

VIAGEM ENTRE AS MINAS A CÉU ABERTO QUE COLOCAM EM RISCO O MEIO AMBIENTE E A VIDA DOS HABITANTES

Por Marina Forti

Em Moçambique e no Zimbabwe, a economia de mineração de combustíveis fósseis e diamantes está a destruir o planeta e a comprometer a saúde das comunidades locais. Estas resistem, apoiadas por um movimento internacional.

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foto: http://www.altreconomia.it

O carvão mudou dramaticamente a vida de Moatize, um distrito rural no vale do rio Zambeze, no norte de Moçambique. A mina forçou milhares de pessoas a deixar tudo e ir embora. Duzéria, uma das reassentadas, lembra: “O governo disse que não poderíamos ficar ali porque estávamos sentados em cima de uma montanha de dinheiro”.

No lugar das casas, há agora uma gigantesca mina a céu aberto, uma das maiores do mundo. O Moatize Coal Project é um bom exemplo do que significa “economia extractiva”, pelo menos para aqueles que vivem por perto. O local está concessionado à Vale Moçambique, uma subsidiária do grupo brasileiro Vale SA, e ocupa 23 mil hectares de terra. A empresa começou a construir as instalações em 2008; em 2011 iniciou a extracção. Foi então que, para dar lugar à mina, mais de 1.300 famílias foram transferidas para um local a 36 quilómetros de distância. A empresa prometera compensação: 2 hectares de terra por família e ajuda alimentar nos primeiros anos, diz Duzéria. No entanto, na nova aldeia, a população reassentada encontrou apenas fileiras de casas na terra empoeirada: “Elas já estavam cheias de rachas, porque não têm fundações”.

Não que antes a vida fosse florida nas aldeias de Moatize. A comunidade vivia da agricultura e da pesca numa economia de subsistência, mas conseguia vender os produtos no mercado da cidade, o maior dos arredores, e ficava perto dos correios, da escola, do rio. O novo povamento é isolado, a terra imprópria para a agricultura, o rio não existe, o mercado está longe. Os oleiros, fabricantes de tijolos de barro, perderam a matéria-prima e, portanto, a sua actividade.

Mais tarde, a empresa ofereceu-se para pintar novamente as casas e colocar telhados de zinco. Houve protestos, duramente reprimidos. O governo ofereceu ajuda para reconstruir: “Eles deram-nos 300 meticais [cerca de US$ 12] por quarto”, continua Duzeria: “Mas não é suficiente, só o transporte de areia e tijolos para a nova aldeia custa mais que isso”.

Na foto, uma assembleia de protesto da comunidade de Bagamoyo, cuja aldeia fica ao lado da mina de carvão. Em Outubro bloquearam o acesso à mina e opõem-se à sua ampliação.

Entretanto, a mina cresceu: à primeira escavação foi adicionada uma segunda, ainda maior. A mina emprega mais de 11 mil pessoas. A produção subiu para 25 mil toneladas por dia. Uma mina a céu aberto é um grande buraco onde trabalham escavadeiras, homens, correias transportadoras e camiões; em torno dele crescem montanhas de carvão que depois são carregadas em comboios, o pó preto voa por toda a parte.

“Não nos disseram que dariam à Vale as melhores terras agrícolas”, acrescenta Fátima, que vem de uma das aldeias de Moatize que permanece ao lado da mina, esperando ser reassentada para um lugar talvez ainda mais longe. Explica que explosões de dinamite fazem tremer as suas casas que enfrentam risco de colapso; que a sua comunidade respira pó de carvão; que “não podemos mais usar a estrada e não sabemos como apanhar lenha”.

A mina impõe-se sobre a aldeia de Bagamoyo, em Moatize.

Assim, quando a empresa fez os preparativos para abrir uma terceira mina ao lado das duas primeiras, o protesto foi ressuscitado. A 4 de Outubro, os habitantes de Bagamoyo, uma aldeia adjacente às escavações, invadiram a mina, bloqueando o trabalho (mas sem danificar os equipamentos, explica Fátima). A invasão foi repetida em Novembro; os habitantes bloquearam a ferrovia para impedir a passagem dos comboios de carvão. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo, balas de borracha e também balas reais. Houve vários feridos. A empresa teve que suspender parcialmente as actividades. Numa tentativa de conter os protestos, os líderes da empresa prometeram regar o carvão nos depósitos para que soltassem menos poeira ou consertar as casas. Mas isto já não é o suficiente para os habitantes. “Em vez de nos defender, o governo envia a polícia para nos agredir”, diz Fátima. “A empresa fala apenas com o governo, diz-nos que já pagou a indemnização, mas não vemos nada. Basta! Queremos que a empresa lide directamente connosco.” A extracção retomou apenas no final de Novembro, após a visita a Moatize de uma comissão parlamentar, que reconheceu as razões dos habitantes. Mas uma solução continua distante.

A ocasião que proporcionou o encontro com Duzéria, Fátima e alguns activistas da Justiça Ambiental, um grupo moçambicano afiliado a organização internacional Amigos da Terra, foram dois eventos realizados em Novembro, em Joanesburgo, África do Sul: a sessão do Tribunal Internacional pelos direitos dos povos sobre o poder das corporações multinacionais, o terceiro e último acto de uma série acerca da indústria de mineração na região da África Austral, e um Fórum Social Temático sobre minas e a indústria mineira – com a participação de centenas de delegados vindos de África, das Américas e da Ásia: representantes de movimentos populares, organizações de justiça ambiental, sindicatos rurais, igrejas, representantes de povos indígenas.

O caso da mina de carvão da Vale Moçambique, não é, na verdade, um caso isolado. A África Austral está repleta de conflítos: comunidades deslocadas para abrir espaço a projectos de mineração, habitantes em revolta. As forças de segurança respondem frequentemente com violência.

“Testemunhamos uma nova corrida para saquear os recursos da África, acompanhada por todos os tipos de violações dos direitos fundamentais”, diz Brian Ashley, director do Centro Alternativo de Informação e Desenvolvimento (AIDC, uma das forças sociais Sul-Africanas que organiza o Fórum Social). São lançadas nessa corrida empresas de mineração ocidentais (a Europa e os EUA continuam a ser os principais investidores em África), mas agora também chineses, brasileiros, indianos ou sul-africanos: os BRICS, os países definidos como “emergentes”. Nesta competição, os estados concorrem para oferecer as melhores condições às empresas de mineração, enquanto os custos sociais são descarregados sobre as comunidades. “Os estados africanos estão mais preocupados em proteger os investimentos do que em garantir os direitos dos cidadãos”, prossegue Ashley.

Em Moçambique, por exemplo, na mesma província onde a Vale trabalha, encontramos a indiana Jindal Africa, uma subsidiária do grupo Jindal Steel and Power, que detem desde 2013 a concessão de uma mina de carvão a céu aberto no distrito de Marara. Também aqui a empresa prometeu novas casas, escolas, clínicas e estradas para chegar ao mercado, mas pouco foi alcançado; em vez disso, as autoridades também enviaram as Forças de Intervenção Rápida, uma força policial especial, para reprimir protestos. “Os habitantes tornaram-se efectivamente reclusos no entorno da mina, com a proibição de receber estranhos e circular depois do anoitecer”, diz Erika Mendes, uma activista da Justiça Ambiental. “É claro que a empresa não quer testemunhas”.

A Justiça Ambiental levou a questão ao Tribunal Administrativo da Província de Tete e depois ao da capital, em Maputo, que no verão passado emitiu a sua primeira decisão em favor dos cidadãos afectados pelo projecto de mineração: delibera que os seus direitos fundamentais à compensação e ao reassentamento foram violados pela empresa e pelo governo. O silêncio paira também sobre Marange, no Zimbabwe, onde no início dos anos 2000 foi encontrado um rico depósito de diamantes, palco de conflitos de extrema brutalidade. É um depósito aluvial: as pedras estão na camada superficial do solo, principalmente no leito dos córregos, e para se garimpar, podem ser suficientes pás e peneiras. Desde o início dos anos 2000, este local atraiu dezenas de milhares de mineiros autónomos, “artesanais”. Estes, no entanto, são considerados ilegais, abusivos e quando o governo começou a dar concessões formais às empresas de mineração, começou uma espécie de guerra. Entre os defensores dos direitos humanos, o nome Marange evoca o massacre do exército em Outubro de 2008, quando 214 mineiros artesanais foram mortos como forma de conter os seus protestos. Desde então, a tensão persiste. O Centro para Governança de Recursos Naturais (CNRG), um centro para a defesa dos direitos humanos, conta que pelo menos 40 garimpeiros foram mortos nos últimos dois anos pelos militares ou guardas privados das empresas de mineração. “O partido no poder administra as minas de Marange em seu exclusivo interesse, todas as concessões são aprovadas pela via política”, explica Moses Mukwada.

Isso explica a extrema violência exercida pelas forças de segurança, em total impunidade. Fala-se de lucros bilionários e um milhão de quilates subtraídos dos cofres do Estado, “mas ninguém jamais foi processado”, explica Mukwada. Na zona de diamantes é quase impossível o acesso de visitantes externos, e explica que a intimidação dos guardas militares e privados é contínua. Além disso, a poluição é impressionante: as empresas de mineração descarregam os produtos químicos usados para lavar os diamantes brutos nos rios. E não há investimento em desenvolvimento local, escolas, saúde ou estradas: os diamantes certamente não enriqueceram aqueles que os extraem.

Marange é um caso de extrema militarização, que “ilustra de modo brutal o que as forças da indústria de mineração podem fazer em conjunto com as do estado”, conclui o activista.

EM DETALHE

O DIREITO “A DIZER NÃO “

Uma campanha global pelo Direito a Dizer Não a minas e projectos de extracção de recursos naturais foi lançada na conclusão do Fórum Social Temático sobre minas e a economia extractiva, realizado de 12 a 15 de Novembro em Joanesburgo, na África do Sul. Centenas de delegados vindos de África, das Américas e da Ásia, representantes de movimentos populares, organizações de justiça ambiental, igrejas, sindicatos rurais e representantes de povos indígenas debruçaram-se sobre o que eles chamam de “ataque sistemático” nos seus territórios que, “por expulsão da terra e deslocamentos forçados, desmatamento, poluição e contaminação dos recursos hídricos, ameaçando destruir a vida das comunidades locais”, diz a declaração final do Fórum.

O link original – https://altreconomia.it/

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Idai & Kenneth: “Mudanças climáticas sentidas na pele”

Há já alguns anos que é quase impossível falar sobre mudanças climáticas sem mencionar Moçambique. Isto porque, a nível global, somos um dos países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas – facto este que nos é confirmado por indicadores como a alteração de padrões de precipitação e temperatura e o consequente aumento na incidência de calamidades “naturais”.IMG-20190628-WA0014

A crescente intensidade e frequência de eventos climáticos extremos – como cheias e inundações, secas, tempestades de vento (incluindo ciclones tropicais) e a subida do nível das águas do mar – registados nos últimos anos, são manifestação clara das alterações climáticas, e só têm demonstrado o quão vulnerável o país é. Em virtude desses eventos climáticos extremos, Moçambique tem se debatido com a perda de vidas humanas, uma recorrente destruição de infraestruturas socioeconómicas, enormes perdas de produtividade agrícola e uma avultada degradação ambiental causada por uma erosão acelerada e por intrusão salina, entre outros.

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Não só em Moçambique mas a nível global, os últimos anos têm sido marcados por inesperados eventos climáticos extremos, tais como a ocorrência de ondas de calor intenso, secas cíclicas, inundações, cheias e ciclones tropicais de magnitudes nunca antes registadas e com impactos devastadores. Em Moçambique, o destaque vai para a recente ocorrência dos ciclones Idai e Kenneth que afectaram o país de forma assoladora, com impactos enormes nas províncias de Sofala e Cabo Delgado onde, respectivamente, entraram no continente. Estranhamente, os dois ciclones ocorreram no espaço de 2 meses, tendo o Idai ocorrido em Março e o Kenneth em Abril do corrente ano. Estes dois eventos climáticos extremos foram considerados os piores ciclones tropicais registados a nível do continente Africano e de todo o Hemisfério Sul, tendo causado a morte de mais de 1000 pessoas e deixado centenas de outras desaparecidas, bem como milhares de casas e outras infraestruturas sociais destruídas.

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Embora Idai e Kenneth tenham incidido principalmente nas duas províncias supracitadas, estes ciclones também se fizeram sentir tanto em outras províncias de Moçambique, como nos países vizinhos da região como o Malawi, o Zimbabwe ou a África do Sul. Sem quaisquer dúvidas, eles são indício inequívoco das mudanças climáticas.

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O Ciclone Idai resultou de uma depressão tropical formada junto à costa de Moçambique no dia 4 de Março, tendo atingido terra e enfraquecido no final desse mesmo dia. Foi após esse aparente enfraquecimento que, volvidos alguns dias, voltou a intensificar-se – atingindo a sua intensidade máxima a 14 de Março, com ventos de cerca de 195 km/h e uma pressão central mínima de 940 hPa. Subsequentemente, perde força ao reaproximar-se da costa e, no dia 15 de Março, toca terra firme perto da Beira, com a classificação de ciclone tropical intenso. O resultado foi calamitoso: perda de vidas humanas, destruição de várias infraestruturas, morte de milhares de animais e destruição de diversos outros meios de subsistência, afectando mais de um milhão de pessoas.

Dois meses depois, embora significativamente menos devastador que o seu antecessor, registando ventos de 215 km/h, o Ciclone Kenneth torna-se o ciclone tropical mais intenso a atingir Moçambique.

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Os dois eventos, caracterizados por ventos fortes e chuvas torrenciais que causaram graves inundações, afectaram cerca de 3 milhões de pessoas de uma região compreendida por 4 países: Moçambique, Malawi, Zimbabwe e Tanzânia. A cidade da Beira foi a mais afectada, sendo que mais de 90% da cidade foi destruída pelo Idai, considerado o mais calamitoso ciclone do século. Sabe-se que só em Moçambique, as inundações causadas por estas depressões tropicais, mataram e feriram centenas de pessoas, tendo igualmente destruído centenas de milhares de casas, hospitais, salas de aulas, pontes e estradas. As inundações devastaram ainda milhares de hectares de culturas alimentares. Estima-se que serão necessários um pouco mais de 3 bilhões de dólares americanos em ajuda humanitária, incluindo para a reconstrução das infraestruturas destruídas por conta do ciclone nas províncias de Sofala e Cabo Delgado.

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Apesar dos dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) mostrarem haver registo da ocorrência de calamidades similares às dos últimos anos nas décadas de 80, 90 e 2000, o diferencial na presente década é o facto destas calamidades estarem a ocorrer com maior frequência e intensidade. Os ciclones Idai e Kenneth e seus impactos são um exemplo claro disso e prova de que as mudanças climáticas são uma realidade.

Estudos mostram ainda que a exposição ao risco dos desastres naturais em Moçambique poderá aumentar de forma significativa ao longo dos próximos anos como resultado das mudanças climáticas, sendo que o clima será ainda mais extremo, com períodos de seca mais quentes e longos, e com chuvas mais imprevisíveis, havendo riscos ainda mais altos de fracas colheitas. Estima-se igualmente que aumente a proporção dos ciclones tropicais intensos e prevê-se que Moçambique passe por mudanças em termos de disponibilidade de água, e que até 2050 grande parte do país sofra maior pressão por falta de água (devido à procura aumentada do recurso, por um lado, e à redução das chuvas, por outro), algo que já se sente actualmente, sendo que o abastecimento de água é condicionado, pois o seu fornecimento é feito apenas em regime intercalado em quase todo território nacional. Ficar 24 horas sem água não é incomum para a maioria dos moçambicanos, o que torna a vida das pessoas – sobretudo de famílias de baixa renda – ainda mais dura.

Este cenário retrata o quão urgente é a tomada de decisões e medidas que visem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, pois, tendo em conta a tendência e a previsão de aumento de tais eventos extremos e tendo em conta que Moçambique é um dos países mais vulneráveis aos mesmos, haverá um momento em que não poderemos mais nos adaptar a estas mudanças. Isto, caso não sejam tomadas medidas que visem a redução drástica de emissões, com vista a garantir que o aumento da temperatura média global não ultrapasse os 1,5ºC, conforme recomendam os vários estudos científicos e projecções.

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Importa referir que o aumento (em intensidade e frequência) de eventos climáticos extremos como ciclones tropicais, cheias, inundações e secas, associado a fracas políticas na área de mudanças climáticas, irá aumentar significativamente a vulnerabilidade da população devido à redução de activos que garantem a sua subsistência, tais como: serviços de saúde e saneamento, abastecimento de água e infraestruturas. Tal afectará também a produção de alimentos, minando assim a possibilidade de melhoramento das condições de vida da maioria do moçambicanos.

Mais, a magnitude dos impactos das mudanças climáticas sobre Moçambique (conforme nos provaram o Idai e o Kenneth) dependerá da capacidade do país em termos de mitigação e adaptação. Por seu turno, isto dependerá em grande parte do curso de desenvolvimento socioeconómico e tecnológico que o país seguirá e do quadro de planificação para os próximos 10 anos. Contudo, a vulnerabilidade do país só aumenta, pois o Governo, ao invés de tomar medidas que visem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, apenas concentra o seu limitado esforço em acções de adaptação, por um lado, e promove acções que contribuem para o aumento da emissão de gases de efeito de estufa – tais como a exploração e queima de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo) – ignorando os impactos que estas têm sobre o clima, por outro. A queima de combustíveis fósseis é a principal causa da crise climática e planetária que assola o mundo.

Neste momento, precisamos com urgência de uma resposta efectiva por parte do governo, de modo a resolver o problema das mudanças climáticas e seus impactos, ou pelo menos reduzir a vulnerabilidade do país. E para o efeito, é necessário que haja um foco institucional sistemático sobre esta matéria. Considerando os impactos que as mudanças climáticas terão na população, nos ecossistemas e na economia, uma resposta institucional requererá uma revisão do quadro legal que determine os papéis e as competências, incluindo a informação. À medida que os efeitos das mudanças climáticas se intensificam, pode-se esperar que essas condições climáticas extremas nos visitem com mais frequência.

A devastação causada pelos dois ciclones é mais um alerta, não só para Moçambique, mas para que o mundo inteiro implemente medidas ambiciosas de mitigação das mudanças climáticas, com vista a uma transição energética radical, por forma a reduzir de forma drástica a emissão dos gases de efeito de estufa.

É fundamental que os planificadores e tomadores de decisão, tanto a nível nacional como sectorial, sejam capazes de fazer uma análise do nosso grau de vulnerabilidade à variabilidade climática, dadas as actuais estratégias de desenvolvimento e programas sectoriais; que analisem de que forma estes programas impactam sobre as vulnerabilidades da população e do país; e que examinem as opções para a minimização dos riscos e a melhoria das capacidades de resposta.

Estudos mostram ainda que, se as tendências de subida de temperatura média global que se verificam hoje prevalecerem nos próximos anos – o que é mais do que provável – até 2050 poderá registar-se um aumento de 2ºC à média global. Para Moçambique, isso significará um aumento de cerca de 4ºC. Esta subida de temperatura, por sua vez, significará precipitação pouco frequente mas em volumes muito elevados. Ou seja, teremos chuvas de maior intensidade e com muito poder destrutivo por um lado, e secas mais intensas, mais frequentes e extensas, por outro. Para mais, Moçambique tornar-se-á mais susceptível a ciclones, que se prevê que venham a ser mais frequentes, intensos e consequentemente mais destrutivos.

O facto da cidade da Beira localizar-se na costa e estar abaixo do nível das águas do mar é, por si só, um garante de que, em caso de ciclones, os danos serão indubitavelmente mais devastadores. As mudanças climáticas têm vindo a agravar as inundações costeiras aquando da ocorrência de ciclones. Normalmente, os danos causados pelos ciclones tropicais vêm de ventos excessivamente fortes, que danificam directamente a infraestrutura construída e o ambiente natural; e de inundações costeiras causadas por tempestades e chuvas fortes que frequentemente as acompanham.

Devido às mudanças climáticas, as tempestades têm ocorrido numa atmosfera mais energética e carregada de humidade, o que propicia o seu nível de destruição e, consequentemente, aumenta os seus custos sociais. Além de causarem danos a propriedades, infraestruturas e de ceifarem vidas humanas, os ciclones tropicais também afectam sobremaneira a saúde das pessoas, aumentando o risco de eclosão de doenças como a cólera e malária e causando ainda doenças de foro psicológico. Após ciclones como os que afectaram Moçambique no primeiro semestre deste ano, é normal que sobreviventes e outros afectados venham a padecer de depressões, fruto de stress emocional, o que sem dúvida afecta negativamente a capacidade de resiliência de indivíduos e comunidades afectadas, colocando mais carga física, emocional e financeira nos seus esforços de recuperação.

Segundo o secretário-geral da ONU António Guterres, que visitou o país recentemente, “Moçambique tem direito a exigir da comunidade internacional solidariedade e apoio em caso de desastres naturais”. Guterres apelou igualmente que a comunidade internacional prestasse mais apoio ao país e concretizasse as ajudas prometidas o mais rápido possível, sublinhando que os fundos postos à disposição de Moçambique, por si só, não chegam para suportar a reconstrução que deve ser feita.

Neste sentido e reconhecendo a solidariedade e o apoio já recebido da comunidade internacional, é imperioso que os países ricos (principais emissores de gases de efeito de estufa) façam a parte que justamente lhes compete para resolver o problema das mudanças climáticas. Afinal, este problema é inegável resultado do seu egoísta trajecto rumo ao progresso económico e “desenvolvimento” de que hoje disfrutam. Que paguem a sua dívida climática para que os países mais pobres e em vias de desenvolvimento – que apesar de serem responsáveis por ínfima parte das emissões que estão a despoletar esta mudança climática são, por triste ironia, os mais vulneráveis às suas consequências – possam aumentar a sua capacidade de resposta, adaptação e resiliência a eventos climáticos extremos. E sem condicionalismos, pois não se trata de um empréstimo, mas sim do pagamento ao resto do planeta da dívida que contraíram em seu nome.

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JA! provoca tumulto na Reunião Geral Anual (AGM) da Eni

Na quarta feira, dia 14 de Maio, a JA! participou na Reunião Geral Anual (AGM) da Eni, em Roma, gigante italiana de petróleo e de gás, onde colocamos o CEO da Eni, Sr. Claudio Descalzi, a Presidente Emma Marcegaglia e o conselho de directores na ribalta em frente de cerca de 50 accionistas, ao colocar questões com as quais eles realmente não queriam lidar, questões sobre seu trabalho com o gás em Moçambique e o petróleo na África do Sul. Esta foi a primeira vez que estivemos na Reunião Geral Anual da Eni, com a ajuda dos nossos parceiros italianos, Re: Common.

A reunião começou às 10h e foi até as 21h do mesmo dia, excepcionalmente tarde. Depois de termos enviado as perguntas por escrito duas semanas antes, recebemos as respostas por escrito em italiano, literalmente, quando entramos na reunião, e tivemos que estudá-las enquanto a reunião já estava em andamento, para ver o que tinham ou não respondido satisfatoriamente, antes que nos fosse dada a oportunidade de falar.

Foram dados à JA! 10 minutos para fazer a sua intervenção. Em primeiro lugar, apresentamos o contexto sobre como o projecto Coral de gás natural líquido da Eni estava a ameaçar a flora e a fauna e a forçar as pessoas a saírem de suas terras antes do início das operações, bem como a exploração de petróleo no Bloco ER236, na costa sul de Durban, que está a afectar a subsistência de pelo menos 20 comunidades de pescadores, tendo depois feito uma enxurrada de perguntas em torno de duas questões, que anteriormente não tinham sido respondidas de forma adequada pelo CEO Descalzi.

Embora tenhamos feito muitas perguntas cobrindo uma série de tópicos, as principais questões que levantamos foram:

  • Porque é que a Eni começou a operar em Moçambique em 2006, quando só recebeu a sua licença em 2015, e só completou a sua avaliação de impacto ambiental (AIA) em 2014? (A AIA foi feita em conjunto com a Anadarko);

  • Porque é que o projecto de gás da Eni em Moçambique vai libertar gases com efeito de estufa que aumentará as emissões de carbono de Moçambique em 9,4% até 2022, quando o foco principal para os próximos dez anos é a “descarbonização”?;

  • Por que a Eni, ao fazer a sua AIA ignorou as comunidades pobres e marginalizadas da costa sul de Durban, ao mesmo tempo em que apenas se envolvia com as comunidades ricas dos clubes de campo e hotéis de luxo?

O CEO Descalzi foi extremamente condescendente nas suas respostas, dizendo que a Eni não havia feito nenhuma “perfuração” na África do Sul, então ele “não tem certeza sobre a remoção forçada de comunidades de pescadores que você (Sra. Ilham) está a falar”. Ele também interrompeu a JA, para dizer que a Eni não está envolvida na Área 1, então a AIA é para Moçambique. Mas isso é uma mentira, já que o logotipo da Eni está na primeira página da AIA. Ele não respondeu às perguntas sobre o início das operações da Eni em Moçambique, antes de receberem a sua licença. Ele também alegou que o processo de reassentamento, onde sabemos que as comunidades estão a ser removidas à força em Moçambique, está alinhado com a AIA. Ele disse que as respostas para as outras perguntas estavam no documento de respostas escritas, que será divulgado no próximo mês.

Após o término da AGM, o Sr. Descalzi procurou o representante da JA! e agradeceu a JA! pelas perguntas, a que a JA! respondeu que nenhuma das perguntas feitas havia sido suficientemente respondida e que as suas chamadas respostas eram “ofensivas”, uma vez que contradiziam o que a JA! observou no local, e que nos é dito pelas comunidades afetadas. A JA! disse, que ele está basicamente a dizer que somos ignorantes ou mentirosos.

Ficou claro que nós, e nossos parceiros Re: Common tivemos um impacto sobre o Sr. Descalzi – pela forma como este respondeu as nossas perguntas, em que ele se atrapalhou e disse “Estou bem cozido”, um ditado italiano que significa que ele estava extremamente cansado. O facto de ele ter procurado a Sra. Ilham antes que mais alguém o fizesse, e ofereceu a ela seus dados de contato pessoais. Agora vamos ver o que acontece.

A JA! Publicará um comunicado com mais detalhos,com as perguntas feitas e as respostas verbais de Sr. Descalzi, bem como uma análise. É importante notar que Eni e o Sr. Descalzi, juntamente com a Shell, são actualmente réus num processo judicial, onde são acusados de um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, supostamente por ter pago US $ 1,3 bilhão em subornos a políticos nigerianos, para a compra de um campo de petróleo na Nigéria. Vamos ver agora, se ele irá manter sua palavra e vai dar pessoalmente respostas completas às nossas perguntas, como ele se ofereceu a fazer, enquanto nos lembramos. Podemos confiar em um dos homens mais corruptos do mundo?

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Petições às instituições governamentais caem em esquecimento

A 21 de Setembro de 2016, a Justiça Ambiental em parceria com a World Rainforest Movement submeteram ao Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, ao Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, à Green Resources e à Portucel uma petição assinada por 12332 pessoas onde se expõem os inúmeros conflitos e impactos sociais, ambientais e económicos sobretudo nas comunidades locais directamente afectadas e por fim, pode-se ler:

Nós, organizações, grupos, movimentos e indivíduos abaixo assinados, por ocasião do 21 de setembro, Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores, expressamos a nossa solidariedade e nosso apoio às comunidades que lutam contra a expansão dessas grandes plantações. Exigimos que a Green Resources, a Portucel e todas as outras empresas e investidores de capital financeiro que estão a usurpar terras ou a planear apoiar a concentração das terras agrícolas férteis para monoculturas de árvores no leste e no sul da África as devolvam às comunidades. Ao fazer isso, podem contribuir para impedir novos conflitos entre as companhias de plantação e governos e resolver os muitos já existentes em toda a região. Exigimos que o Governo de Moçambique mantenha sua Lei de Terras e garanta que os direitos das comunidades a terra, água e alimentos sejam devidamente respeitados.”

Os conflitos e impactos das plantações de monocultura não só afectam apenas e exclusivamente as comunidades rurais em Moçambique, são característicos deste tipo de investimento. O mesmo verifica-se um pouco por todo o lado onde se promovem plantações deste tipo.

A referida petição foi submetida aos órgãos acima mencionados com o conhecimento de:

  • Gabinete do Presidente da República

  • Assembleia Geral da República

  • Procuradoria-Geral da República

  • Governador da Província de Zambézia

  • Governador da Província de Niassa

  • Governador da Província de Nampula

No entanto, até ao momento, passados mais de 2 anos, nenhuma das instituições acima referidas se dignou responder…

São estas as instituições públicas que gostaríamos de acreditar que existem para servir e defender os interesses do povo, e são estas mesmas que ignoram sistematicamente as preocupações, reivindicações e petições desses mesmos cidadãos…

Em Agosto de 2018, a Justiça Ambiental, a Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) e a União Provincial de Camponeses de Nampula facilitaram o processo de elaboração e submissão de uma petição em nome das comunidades afectadas pela Green Resources, que contou com cerca de 3406 assinaturas de membros das comunidades afectadas. A petição expunha detalhadamente as inúmeras situações a que estas comunidades estão sujeitas e as várias tentativas de resolução de conflito que em nada resultaram. Esta última petição foi submetida as seguintes instituições:

  • Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, à atenção do Sr. Ministro;

  • Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, , à atenção do Sr. Ministro;

  • 5a Comissão da Assembleia da República – Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente;

  • Green Resources Moçambique;

  • Ordem dos Advogados de Moçambique;

  • Norfund;

  • Embaixada da Noruega em Moçambique; e

  • Comissão Nacional de Direitos Humanos

Destas instituições, apenas a Comissão Nacional dos Direitos Humanos respondeu e mostrou-se interessada em averiguar, no entanto, até ao momento nada mais aconteceu.

Os conflitos de terra permanecem, as comunidades afectadas e enganadas com promessas de vida melhor e emprego continuam à espera de resposta, continuam à espera de solução para as suas inúmeras queixas, e a acreditar que haverá respostas aos seus inúmeros apelos!!!

Mais alarmante do que o silêncio e a inação do governo em relação às petições, queixas e reclamações sobre este tipo de investimento é o facto de continuarem a promover o negócio das plantações de monoculturas, continuarem a convidar investidores e a distribuir terra que não está livre, nem tão pouco é infértil ou marginal, como argumentam para defender os seus investimentos.

As mais recentes versões da Politica Florestal e Estratégia de Implementação e Agenda Florestal 2035 e Programa Nacional de Florestas ainda em suposta discussão pública demonstram claramente que o nosso governo, em particular o sector do ambiente e florestas, está longe de perceber a dimensão dos impactos deste tipo de investimento, a nível social, ambiental e até económico.

Mais grave ainda do que a completa ausência de conhecimento actual sobre os impactos negativos de largas extensões de monoculturas no ambiente, em particular na manutenção do equilíbrio ecológico de que dependemos todos, é a arrogância com que se recusam a aprender com os inúmeros exemplos que existem pelo mundo inteiro. É completamente inaceitável e absurdo ouvir um técnico do sector florestal defender efusivamente que plantações de monoculturas são florestas e ainda perguntar “não tem árvores”?!! é igualmente inaceitável que a definição de florestas seja alterada para acomodar os interesses das inúmeras falsas soluções como o REDD e a mercantilização da natureza, mas é precisamente isto que está a acontecer no sector.

Importantes instrumentos como a Agenda Florestal 2035 e Programa Nacional de Florestas estão a ser elaborados, sob a liderança de “parceiros estratégicos” do governo, com tremendos interesses económicos no sector, como é o caso do Banco Mundial que tem despejado milhões e milhões de dólares nestes processos “faz de conta”. E somos nós, as organizações moçambicanas, que somos constantemente acusados de servir interesses estrangeiros quando defendemos posições contrárias à pilhagem completa dos nossos recursos? A influência e o poder de que gozam estes “parceiros estratégicos” que financiam e direcionam estes processos é visível e assustadora. Quem governa o nosso país? Seremos nós realmente soberanos? Ou este discurso só é válido quando os vossos “parceiros estratégicos” e nossos eternos “financiadores” se zangam com os vossos devaneios aos cofres do estado? Aí, já somos muito soberanos!!!

A participação pública representa ainda um enorme desafio, e não nos parece que haja realmente vontade de melhorar, assim é bem mais fácil conduzir os processos, sem muita resistência. A sociedade civil moçambicana pouco participa dos processos de discussão públicos, seja de aspectos ambientais como outras questões, os participantes destes encontros são na sua maioria representantes de organizações da sociedade civil e de outras tantas organizações e por vezes alguns estudantes, esta fraca participação também pode nos dizer bastante sobre o sentimento dos cidadãos relativamente a estes processos e acima de tudo ao que se pode esperar dos mesmos.

No caso dos instrumentos acima referidos, importa referir que foram constituídos comités técnicos para elaboração e discussão dos mesmos, mas o espaço definido para as organizações da sociedade civil é sempre muito reduzido e não se sabe ao certo como são “escolhidas” as organizações a participar. A JA! participou do comité técnico e apesar dos inúmeros comentários às várias versões do documento nada foi de facto considerado e devidamente analisado. Os nossos recursos naturais, as nossas florestas e ecossistemas são tratados apenas como recursos que geram lucro, não se considera a sua importância biológica e o facto de fazermos parte deste planeta e dependermos dos serviços biológicos que estes ecossistemas nos fornecem e que permitem a vida na Terra.

Parece infantil lembrar que nós não somos donos da Terra e da natureza, somos parte desta e somos a parte mais estúpida e destrutiva da mesma…

A nossa estupidez é demonstrada vezes sem conta pelo estado do nosso planeta, pelo estado das nossas florestas, rios e demais ecossistemas…não vemos os demais animais ditos selvagens a destruir o seu habitat como nós o fazemos… por lucro!

CARTA ABERTA AO GOVERNO MOÇAMBICANO: PRECISAMOS DE FALAR SOBRE OS NOSSOS ACORDOS DE COMÉRCIO E INVESTIMENTOS

pelos Moçambicanos e Moçambicanas abaixo assinados.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

Nos dias 3 e 4 de Julho de 2018, mais de 80 pessoas em representação de diversas instituições governamentais e não-governamentais participaram numa sessão de formação e debate, em Maputo, com o objectivo de discutir o poder desregulado das corporações transnacionais e como a impunidade corporativa tem resultado em graves violações de direitos humanos por todo o planeta, particularmente em países do Sul Global. Convidados pela Justiça Ambiental (JA!) / Amigos da Terra Moçambique, os participantes tiveram a oportunidade de reflectir e debater os diferentes elementos que sustentam a desenfreada exploração dos recursos naturais e das pessoas.

O grupo envolveu-se em debates, abordando temas como a ineficácia de mecanismos não
vinculativos que pretendem garantir a protecção dos direitos humanos, as desiguais relações de poder entre os diferentes Estados e entre Estados e grandes corporações, bem
como a consequente perda de soberania e de independência nos processo de tomada de decisões por parte de alguns Estados, que se tornaram economicamente mais fracos que muitas companhias transnacionais. Tornou-se claro para muitos participantes que há uma urgente necessidade de repensar o nosso modelo de desenvolvimento e impôr padrões melhores e mais elevados a todo o investimento estrangeiro na região.

Um dos amplos temas abordados durante esta formação foi a arquitectura do comércio, e o importante papel desempenhado por Acordos de Livre Comércio e Investimentos em reforçar o poder das corporações transnacionais e limitar a capacidade dos Estados de regulá-las. Ficou evidente que estes acordos internacionais estão a ameaçar e a violar os pilares mais básicos da nossa democracia, e um esforço organizado deve ser posto em prática de forma a garantir que o nosso Governo se senta à mesa de negociações devidamente preparado, bem informado e comprometido a exigir a protecção e salvaguarda dos melhores interesses da sua população.

Foi com tudo isto em mente que, no final do primeiro dia desta sessão de formação e debate, os participantes apelaram à realização de uma acção específica para lidar com esta situação. Foi então colectivamente decidido que deveria ser enviada uma carta a todas as autoridades competentes Moçambicanas, exortando o nosso Estado a que reveja urgentemente todos os Tratados Bilaterais de Investimento dos quais Moçambique é signatário.

Sumariamente explanadas abaixo estão algumas das preocupações de indivíduos e organizações da sociedade civil Moçambicana.

O PERIGO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS DE INVESTIMENTO e o que estes significam para um país como Moçambique

Um Acordo Internacional de Investimento (AII) é um compromisso entre dois ou mais Estados estabelecendo normas vinculativas em questões relacionadas com políticas de protecção e promoção de investimentos. Os AII mais conhecidos são os Tratados Bilaterais de Investimentos (TBI) e os capítulos de investimento contidos nos Acordos de Livre Comércio (ALC).

Existe uma preocupação crescente, por todo o mundo, em relação às concessões e compromissos a serem celebrados pelos ditos países menos desenvolvidos, numa busca por investimento estrangeiro. De indicadores financeiros e económicos a análises de risco, esta corrida para o fundo do poço tem vindo a obstruir a nossa capacidade de solucionar os principais desafios ambientais e sociais dos dias de hoje. A actual arquitectura de comércio promove uma exploração desregulada de recursos naturais e humanos e influencia todos os aspectos das nossas vidas – da gestão de resíduos à conservação da vida selvagem, da nutrição às energias sujas – e portanto necessita de uma reforma urgente.

Uma das cláusulas mais controversas que existe na maioria dos AII é o ISDS (resolução de litígio investidor-Estado). Diz respeito a um mecanismo obscuro para resolver litígios entre Estados e investidores por meio de um tribunal internacional de arbitragem que frequentemente está alinhado aos interesses do capital privado. O ISDS tem possibilitado que companhias privadas contestem decisões e políticas de Governo pelas alterações na legislação nacional que possam vir a afectar os lucros projectados da empresa – muitas vezes em sigilo absoluto, uma vez que a maioria dos AII permite uma arbitragem totalmente confidencial. Isto tem resultado em Estados condenados a pagar bilhões de dólares Norteamericanos de multas a grandes corporações, enquanto vêem restringidos os seus esforços de avançar leis que protegem o meio ambiente e as pessoas.

Mais de metade de todos os casos de ISDS conhecidos foram iniciados contra países em desenvolvimento e países em transição – justo os países que estão mais dispostos a apresentar um ambiente interno que seja considerado “favorável ao negócio”. O Governo do México, por exemplo, foi processado pela companhia Norte-americana de gestão de resíduos Metalclad Corporation e recebeu uma sanção de USD 16 milhões por proibir uma lixeira de resíduos tóxicos.

E não só é o ISDS uma ameaça à democracia, como pode também ser uma enorme despesa pública, ao conceder a corporações quantias absurdas de dinheiro de contribuintes para pagar astronómicas despesas legais, para não mencionar as sentenças. Por todas estas razões e mais, existe uma visível e crescente sensibilização e oposição ao ISDS, e vários países estão a re-desenhar os seus modelos de tratados para que não contenham este tipo de direitos corporativos extremos.

Até onde conseguimos apurar, Moçambique conta actualmente com 20 Tratados Bilaterais de Investimento em vigor. Alguns destes terminarão o seu primeiro termo em Setembro de 2019, no próximo ano. Tanto o tratado com a Holanda como o tratado com a BLEU (União Económica Belgo-Luxemburguesa) serão automaticamente renovados por mais 10 anos se nenhuma das partes decidir terminá-los respeitando o aviso prévio de 6 meses. Ambos TBI contém cláusulas de ISDS.

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A IMPORTÂNCIA DE REFORMAR as leis e regulações do investimento internacional

Com o poder vem a responsabilidade? Não necessariamente. O actual quadro legal de comércio e investimentos é incapaz de assegurar um equilíbrio de direitos e responsabilidades entre os investidores estrangeiros e os Estados. Estes Acordos Internacionais de Investimento transferem um enorme poder para as corporações transnacionais, e estas entidades guiadas pelo princípio do lucro privado nem precisam de se preocupar com responsabilidades correspondentes.

Talvez a maior ironia de todas seja que os AII são celebrados entre os Estados com a intenção de atrair investimento e impulsionar a economia – mas não só esta premissa tem se provado errada, como estes acordos acabam por resultar, frequentemente, num enorme encargo financeiro para o país receptor do investimento estrangeiro. Outra ironia é que estas cláusulas que protegem os investidores são bastante selectivas. Se uma corporação transnacional baseada na Holanda, por exemplo, considera que o Governo de Moçambique alterou a legislação do país de uma forma que possa reduzir os seus resultados financeiros projectados, ela poderá fazer uso do mecanismo de ISDS para abrir um processo num tribunal internacional de arbitragem e, provavelmente, lucrar com isso. Se, por outro lado, um produtor e revendedor Moçambicano for vítima de violação dos seus direitos por parte das entidades Governamentais, apenas poderá apresentar o seu caso perante tribunais nacionais, não internacionais.

No que diz respeito a terminar Acordos de Investimento que não estejam alinhados com as necessidades e prioridades actuais do país, podemos encontrar inspiração em outros países Africanos. Depois de algumas más experiências, decisores políticos e especialistas em desenvolvimento da África do Sul consideraram que a primeira geração de TBI deste país favorecia desproporcionalmente os investidores estrangeiros, preocupando-se menos com a criação do equilíbrio sócio-económico almejado pelo país. Em seguida, o país iniciou uma revisão de todos os TBI em vigor, concebendo novos modelos de tratados que não continham uma cláusula de ISDS.

Recentemente, a ONG regional Africana Seatini, em conjunto com o seu parceiro Holandês Both Ends, elaborou uma análise técnica exaustiva do TBI entre Uganda e Holanda, chamando a atenção para os seus potenciais impactos negativos. O Governo do Uganda optou mesmo por terminar este TBI, uma decisão aceite pela parte Holandesa, e estão agora a discutir um novo tratado.

O recém terminado TBI entre Uganda e Holanda é semelhante a muitos outros TBI entre países Africanos e Europeus. É praticamente idêntico ao TBI em vigor entre Moçambique e Holanda, que cumpre o seu primeiro termo em Setembro de 2019 – a pouco mais de 10 meses de hoje. Conforme previsto pelo Artigo 14 deste TBI, as partes signatárias devem dar um aviso prévio de seis meses antes da data de término para poder efectivamente interrompê-lo. Isto significa que temos aqui uma janela de oportunidade para negociar as condições do actual TBI entre Moçambique e Holanda, se devidamente manifestado até Março de 2019, e formular um novo acordo que respeite os direitos humanos e o meio ambiente. Não o fazendo, caso Moçambique decida ignorar este importante prazo, ficaremos de mãos atadas por mais uma década, enquanto temos motivos suficientes para estar preocupados com os potenciais impactos negativos deste Tratado tal qual se encontra hoje.

À medida que o criticismo em relação a AII perigosos e anti-democráticos continua a aumentar, cada vez mais Governos procuram uma saída, seja terminando ou renegociando acordos. Acreditamos que este processo, embora não seja simples, é fundamental para o estabelecimento de uma arquitectura de comércio e investimentos diferente e que não esteja ancorada na exploração desumana das populações do Sul Global nem na destruição do meio ambiente.

 

Assim sendo:
Os indivíduos e organizações Moçambicanas abaixo assinados apelam ao Estado Moçambicano, por meio de todos os seus ministérios competentes para os quais esta carta é endereçada, a analisar e rever ou terminar todos os seus Tratados Bilaterais de Investimento e Acordos de Livre Comércio em vigor, com particular atenção para os TBI prestes a atingir o fim do seu primeiro termo – como o TBI entre Moçambique e Holanda e o TBI entre Moçambique e BLEU, ambos a terminar no próximo ano (2019). Ao manifestarmos interesse em re-negociar as condições destes acordos, teremos a oportunidade de posicionar os direitos humanos e o meio ambiente correctamente acima dos interesses corporativos, e seleccionar cuidadosamente as condições e limitações pelos quais os investimentos estrangeiros terão de ser regulados em Moçambique.

A JA! / Amigos da Terra Moçambique, enquanto organização a coordenar esta petição, bem como diversas outras que a apoiam, gostaria de manifestar a sua disponibilidade para contribuir com análises aprofundadas e discussão em torno dos conteúdos para o processo de revisão dos Acordos de Livre Comércio e Acordos Internacionais de Investimento actualmente em vigor em Moçambique. Consideramos que as organizações e indivíduos da sociedade civil devem ser consultados para que contribuam para o processo de estabelecimento dos termos de referência para avaliar e analisar os custos e benefícios desses acordos, e a nossa diversidade de experiência e conhecimento deve ajudar a definir e moldar o modelo de investimento que buscamos, enquanto país.

Esta Carta Aberta reuniu assinaturas de 62 Moçambicanos e Moçambicanas e 6 Organizações da Sociedade Civil Moçambicana. Foi entregue no passado dia 22 de Novembro às seguintes repartições públicas: Ministério da Terra e Desenvolvimento Rural, Ministério da Indústria e Comércio, Ministério da Justiça,  Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Procuradoria da Cidade de Maputo, Procuradoria-Geral da República, Gabinete do Provedor de Justiça e Comissão Nacional de Direitos Humanos.

DECLARAÇÃO DE TÓQUIO: “Reiteramos a rejeição ao ProSAVANA e ao MATOPIBA e defendemos a soberania alimentar dos povos”

nao ao prosavana

Nós, movimentos camponeses e organizações da sociedade civil de Moçambique, Brasil e Japão, reunimo-nos de 20 a 22 de Novembro de 2018, no âmbito da quarta Conferência Triangular dos Povos contra o ProSAVANA, realizada na cidade Japonesa de Tóquio.

Nos dias que antecederam a conferência, realizámos visitas a machambas de camponeses e camponesas do Japão, com os quais trocámos valiosas experiências sobre a agricultura camponesa e fortalecemos a solidariedade que temos vindo a construir ao longo dos últimos anos.

Com a sociedade civil japonesa, e junto a um público mais alargado, expusemos a agenda do capital agroindustrial de eliminar a agricultura camponesa nos nossos territórios, tal como é o caso do programa ProSAVANA em Moçambique e MATOPIBA no Brasil, promovidos pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), em aliança com o capital financeiro e os governos desses países. Tanto o ProSAVANA quanto o MATOPIBA são programas agrários pensados para a produção em larga escala de commodities para o benefício do capital, embora se mencione de forma manipulada nos documentos que é para o desenvolvimento rural e a garantia da segurança alimentar.

A nossa conferência permitiu-nos igualmente partilhar casos de resistência a este tipo de programas de imposição agrícola e mostrámos experiências concretas de agroecologia em Moçambique, Brasil e Japão.

Ao fim destes dias de encontro e deliberações – e após termo-nos reunido com os representantes da JICA, do Ministério Japonês dos Negócios Estrangeiros (MOFA), do Ministério Japonês das Finanças e do Banco Japonês para a Cooperação e Internacional (JBIC) – reiteramos a nossa rejeição ao ProSAVANA em Moçambique e ao MATOPIBA no Brasil. Exigimos do governo do Japão e da JICA sua retirada urgente destes programas.

Quase 40 anos depois de seu início, a JICA continua a celebrar o programa agrícola PRODECER do Brasil. Embora os últimos discursos se refiram a uma não réplica do PRODECER em Moçambique, a JICA continua a usar a experiência desastrosa do Brasil como um caso de sucesso agrícola, mesmo que tenha provocado extermínio, expulsão e subordinação de diversos povos indígenas e sertanejos que ali viviam e cujos saberes constituíram ao longo dos séculos a agrobiodiversidade dos Cerrados. Agricultura promovida pela JICA no Brasil é de extensos monocultivos – sobretudo de soja transgénica – provoca a erosão da biodiversidade e a exaustão hídrica e dos solos, contaminando as águas com agrotóxicos – alguns dos quais, inclusive, proibidos no Japão. É que o Japão depende da importação de grandes quantidades de soja (milho e trigo) para responder às necessidades alimentares da sua densa população.

A mais recente fronteira do Cerrado brasileiro, o MATOPIBA, enfrenta actualmente graves conflitos em decorrência da persistência dessa visão. E uma vez mais a JICA e o governo japonês preferem ignorar as críticas públicas e os desastres socioambientais decorrentes de décadas de ocupação predatória, associando-se ao programa.

Na última Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada neste mês de Novembro (2018), o Japão não votou a favor da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Camponeses, Camponesas e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais. Optando por abster-se, o Japão envia-nos uma mensagem clara. Seria uma contradição acreditar que a mais importante agência de cooperação do Estado Japonês tenha intenções de apoiar os camponeses e camponesas moçambicanas se este país defende que o campesinato não é digno de direitos.

O ProSavana e o MATOPIBA representam um claro atentado à classe camponesa. A forma pela qual têm sido, até aqui, conduzidos estes processos, os camponeses e camponesas das regiões de implementação têm sido recusados o direito de decisão sobre seus próprios sistemas alimentares. Continuam a ser tratados como objetos passivos e nega-se o seu protagonismo e um acumulado de saberes e valores ligados a agricultura camponesa e a importância da cooperação e solidariedade entre si. Ao imporem-se práticas e opções agrícolas estranhas a sua concepção, não só atenta à soberania alimentar dos povos, como também compromete uma forma de organização social, cultural, económica e ambiental dos camponeses dessas regiões.

Convocamos a sociedade civil e o público Japonês a se posicionarem em solidariedade com os povos de Moçambique e Brasil, em especial ao povo do Corredor de Nacala em Moçambique e do Cerrado Brasileiro, rejeitando o uso de recursos públicos do povo Japonês para financiar programas de cooperação que violam os direitos humanos de povos e devastam o meio ambiente de territórios alheios, conforme se pretende com o ProSAVANA e o MATOPIBA.

Ao mesmo tempo que reiteramos a nossa rejeição incondicional ao ProSAVANA e ao MATOPIBA, exigimos:

  • Que o Governo de Moçambique e do Brasil, junto com organizações camponesas e sociedade civil desenhe planos nacionais de agricultura camponesa, genuínos e concebidos localmente, com a visão posta na soberania alimentar dos países.

  • Que se pare com programas e investimentos que promovem ocupação predatória dos territórios, comprometam a integridade dos povos e violem sistematicamente direitos humanos dos povos.

  • Que a Agência Japonesa de Cooperação Internacional abandone o ProSAVANA e o MATOPIBA.

  • Que o governo do Japão, através dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, considere com responsabilidade as queixas e as denúncias feitas por camponeses e pela sociedade civil.

  • Que o Estado do Japão responsabilize as empresas Japonesas pelas violações dos direitos humanos cometidas em Moçambique e no Brasil.

  • Que o Governo de Moçambique divulgue toda a informação relativa aos programas e investimentos em curso no corredor de Nacala, tal como o deverá fazer no caso do ProSAVANA, na sequência de uma decisão do tribunal Moçambicano a pedido da Ordem dos advogados de Moçambique.

Nós, camponeses e camponesas e organizações da sociedade civil da Conferência Triangular dos Povos, declaramos que continuaremos a articular-nos como Campanha Não ao ProSAVANA e a dar continuidade às acções de resistência, ao mesmo tempo que seguiremos praticando a agricultura camponesa de acordo com nossos costumes e nossa cultura, cuidando da terra, da agua, das sementes nativas e a biodiversidade como um todo, assim como seguiremos respeitando os conhecimentos dos nossos antepassados e repassando os mesmos à futuras gerações, como garantia da soberania alimentar dos nossos povos.

Não ao ProSAVANA!

Sim à agricultura camponesa e à soberania alimentar!

Tóquio, 22 de Novembro de 2018

O acordo “ultrajante” da dívida de Moçambique poderá trazer um lucro de 270% aos especuladores

por Tim Jones a 7 de Novembro de 2018

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  • O povo moçambicano terá que pagar de $1,7 a $2,2 biliões por uma dívida inicial de 760 milhões, que não foi aprovada pela Assembleia da República, e não trouxe benefício algum

O governo de Moçambique anunciou que chegou a um acordo para um novo plano de pagamento da dívida com os credores de algumas das dívidas ilegítimas que mergulharam o país na crise financeira.

Independentemente do prisma pelo qual este acordo é visto, é um acordo ultrajante para o povo Moçambicano. É inaceitável, sob qualquer ponto de vista, que o cidadão Moçambicano pague entre US$ 1,7 bilião a US$ 2,2 biliões, por um empréstimo de US$ 800 milhões do qual não tem recebido benefício algum. Enquanto isso, as empresas agora detentoras das dívidas poderão obter com esses títulos enormes lucros.

Estimamos que uma companhia que tenha adquirido a dívida em 2016 poderá obter um lucro de 50% se a vender agora, ou até mesmo 270% de lucro se Moçambique realmente pagar nos próximos 15 anos, conforme está previsto.

Contexto

A dívida resulta de um empréstimo de $760 milhões em 2014, para uma empresa pública chamada Ematum. A sociedade civil afirma que os empréstimos foram ilegais, pois foram concedidos sem aprovação do parlamento. O empréstimo serviria supostamente para investir numa frota pesqueira de atum, mas $500 milhões nunca foram contabilizados. O governo de Moçambique afirma que o montante foi utilizado em equipamento militar, mas nunca foram providenciadas provas disto. A frota pesqueira de atum encontra-se parada no porto de Maputo.

O valor nominal do empréstimo inicial era de $850 milhões, mas $90 milhões desse valor foi usado em “taxas” pagas aos bancos que organizaram o empréstimo – filiais Londrinas do Credit Suisse e VTB Capital. Esta foi uma forma de fazer parecer que o empréstimo tinha uma taxa de juros menor do que a real. Uma auditoria independente descobriu que os $760 milhões do empréstimo foram todos para um fornecedor de barcos de pesca em Abu Dhabi, nem chegaram a entrar em Moçambique.

Ao contrário de dois outros empréstimos que totalizam $1,4 biliões, concedidos pelo Credit Suisse e VTB, este empréstimo para a Ematum foi anúnciado publicamente após ter sido concedido, com o Credit Suisse e VTB a vender os títulos da dívida no mercado financeiro. De qualquer maneira, o governo de Moçambique garantiu que pagaria a dívida caso a Ematum não conseguisse, sem a aprovação do parlamento, o que torna o empréstimo ilegal perante a lei Moçambicana.

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Foto: Pambazuka

Em 2016, pouco antes da dívida de $1,4 biliões se ter tornado públicamente conhecida, o governo de Moçambique concordou em reestruturar o empréstimo, o que reduziu as parcelas de pagamento entre 2016 e 2020, mas aumentou-os no restante período de vigência do empréstimo. Além disso, a dívida foi incluída nas contas gerais do governo, apesar da sua ilegalidade.

Depois das outras dívidas se tornarem públicas, Moçambique não cumpriu com os pagamentos de 2016 e 2017, incluindo a dívida que originou do empréstimo à Ematum. Desde então, nem a Ematum nem o Governo Moçambique fizeram qualquer pagamento.

O incumprimento fez com que o preço da dívida caísse nos mercados internacionais. No final de 2016 e início de 2017, a dívida reestruturada da Ematum poderia ser comprada por entre 55% e 65% do seu valor nominal.

O acordo da dívida

O acordo anúnciado ontem afirma que o governo de Moçambique aceitará pagar a dívida na sua totalidade, incluindo os juros que foram acumulados nos últimos dois anos. Além disso, pagará 5,875% de juros sobre o valor principal e sobre os juros acumulados. E, como um pontapé final, 5% das futuras receitas do gás serão pagas sobre os juros, até um máximo de $500 milhões. O pagamento dos juros começará em 2019, com o valor principal sendo pago entre 2029 e 2033.

Calculámos que este acordo levará o povo Moçambicano a pagar, pelo menos, um total de $1,7 biliões pela dívida, podendo subir até $2,2 biliões, dependendo de quanto perderemos também das receitas de gás. Em contrapartida, o total dos pagamentos nos termos originais do empréstimo teria sido $1,1 bilião entre 2014 e 2020, e nos termos da primeira reestruturação seriam $1,4 biliões entre 2014 e 2023. Cada vez que Moçambique reestrutura a sua dívida concorda em pagar mais, ainda que num futuro mais distante.

Uma empresa que tenha comprado a dívida quando esta foi contraída passa a ganhar quase 200% a mais do que o valor do empréstimo, ou 65% a mais do que se tivesse emprestado ao governo dos EUA. No entanto, muitos dos titulares da dívida não a adquiriram em 2014. Para aqueles que a adquiriram quando Moçambique já se encontrava em situação de incumprimento, em 2016, poderiam ganhar 270% mais do que se tivessem emprestado dinheiro ao governo dos EUA. Desde que o acordo foi anunciado, o valor da dívida Moçambicana nos mercados financeiros aumentou. Mesmo que um comprador de 2016 da dívida a venda agora, ainda assim terá um lucro de 50%.

O que virá a seguir
O acordo anunciado pelo governo de Moçambique é com quatro companhias, que possuem 60% do valor da dívida: Farallon Capital Europe, Greylock Capital Management, Mangart Capital Advisors e Pharo Ma
nagement. Se 75% dos titulares concordarem com o acordo, os restantes terão de aceitar.

O acordo terá de ser aprovado pela Assembleia da República de Moçambique, portanto ainda pode ser travado, se os deputados estiverem dispostos a lutar contra um acordo tão prejudicial ao povo moçambicano.

As negociações em torno dos outros $1,4 biliões da dívida oculta ainda estão a decorrer, mas este acordo não é um bom sinal de quão mais o povo Moçambicano poderá vir a pagar por todos os empréstimos ilegítimos e inexplicados que não os beneficiaram de forma alguma.

A questão final é: por que razão aceitaria o governo de Moçambique um acordo tão mau? Não temos resposta. É simplesmente chocante.

atum ascendente

Síntese dos valores

Empréstimo Inicial

Valor inicial do empréstimo: $760 milhões (valor nominal de $850 milhões, mas $90 milhões destes eram “taxas” que foram inventadas para aparentar taxas de juro menores)
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,1 biliões

Primeira reestruturação, em 2016
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,4 biliões

Acordo estabelecido em Novembro de 2018

Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2033: $1,7 biliões + 5% das futuras receitas de gás, no máximo $500 milhões. Portanto um valor total máximo de $2,2 biliões

Lucro Potencial:

Nos finais de 2016 e inícios de 2017, $100 milhões da dívida de Moçambique poderiam ter sido comprados por $60 milhões. Se o acordo for implementado, estes $60 milhões terão um retorno de até $220 milhões. Se o valor tivesse sido emprestado ao governo Americano, haveria um retorno de $82 milhões para o mesmo período de tempo. Isto representa, portanto, um lucro de 270%.

por Tim Jones

Tribunal Administrativo sentenceia a mineradora JINDAL e o Governo da Província de Tete pela violação dos direitos das comunidades

A Justiça Ambiental submeteu, em Fevereiro de 2016, um processo ao Tribunal Administrativo da Província de Tete (TAPT). O processo teve por objecto o comportamento do Governo e da mineradora JINDAL que se traduz na violação dos direitos e liberdades fundamentais das comunidades afectadas, pela não materialização do reassentamento justo das mesmas no contexto da exploração de carvão mineral numa área localizada em Chirodzi, Distrito de Marara, na Província de Tete – concessão mineira n.º 3605C atribuída à JINDAL.

Em resposta, o TAPT indeferiu o pedido da Justiça Ambiental, a 29 de Fevereiro de 2016, alegando, sem base legal, que o Estado é parte ilegítima e que o meio processual usado pela Justiça Ambiental é impróprio.

Para a Justiça Ambiental, não há dúvidas de que a decisão do TAPT se baseou em presunções e procurou, a todo custo, acomodar questões prévias para não conhecer do mérito da causa. Decidiu este tribunal com base em arbitrariedades e em claro abuso dos poderes discricionários que a lei confere a juíza da causa.

Nos termos da lei, com destaque para a Constituição da República, Lei de Minas e para o Regulamento sobre Reassentamentos Resultante das Actividades Económicas, cabe ao Estado Moçambicano e à JINDAL criarem condições para reassentamento justo e pra a melhoria das condições de vida das comunidades em causa.

Entretanto, a Justiça Ambiental não concordando com a decisão do referido Acórdão nº 03/TAPT/16, interpôs o recurso em Março de 2016, e o processo correu os seus trâmites com referência nº 25/2016 – 1ª, na Primeira Secção do Contencioso do Tribunal Administrativo. Este Tribunal analisou o caso por um período de dois anos e decidiu dar razão à Justiça Ambiental, julgando procedente o pedido desta organização da sociedade civil de defesa do ambiente e dos direitos sociais e económicos das comunidades locais, através do Acórdão nº 41/2018 de 12 de Junho.

O Tribunal decidiu pela anulação do Acórdão nº 03/TAPT/2016 proferido pelo TAPT e condenou a JINDAL e o Governo da Província de Tete para, no prazo de seis meses a contar da data da notificação do Acórdão ou desta decisão, finalizarem o processo de reassentamento da comunidade de Cassoca.

A Justiça Ambiental demonstrou ao Tribunal Administrativo que o reassentamento das famílias afectadas pelo empreendimento ainda não foi materializado por responsabilidade simultânea da JINDAL e do Governo moçambicano. A Justiça Ambiental demonstrou ainda a inexistência de infraestruturas necessárias e demais condições de natureza social, económica e cultural básica para uma vida com o mínimo de dignidade para das famílias em causa.

Importa referir que a Primeira Secção do Tribunal Administrativo refere na sua decisão que o processo de reassentamento em questão já se arrasta há muito tempo, com a consequente degradação das condições de vida e de sobrevivência das populações abrangidas pela exploração mineira na área concedida à JINDAL, o que justifica a censura por este Tribunal, tanto é que a JINDAL tem o plano de reassentamento aprovado desde 2013 e assinou compromissos com o Governo para erguer as casas e garantir habitação adequada das famílias afectadas, mas nunca cumpriu com tais obrigações até ao presente.

Portanto, trata-se pois, de uma vitória jurisdicional, mas que ainda não se faz sentir nas condições de vida das comunidades afectadas, por isso, a Justiça Ambiental apela a toda a sociedade interessada para uma campanha conjunta no sentido dos ora condenados respeitarem o Acórdão em causa e efectivarem o reassentamento em conformidade. A Justiça Ambiental tem conhecimento de que a Ordem dos Advogados de Moçambique também levou a condenação da JINDAL pela violação dos direitos das comunidades em causa.

Portanto, não restam dúvidas que a exploração do carvão mineral em Tete constitui fonte de violação dos direitos e liberdades fundamentais das comunidades afectadas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento social e económico das mesmas.

Maputo, 17 de Setembro 2018