O “Disse Não Disse” De Quem Não Quer Dialogar

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Foi com imenso prazer que a JA se fez representar na última Quinta-feira na Conferência Triangular dos Povos: Moçambique, Brasil e Japão, co-organizada pela UNAC (União Nacional de Camponeses) e ORAM (Associação Rural de Ajuda Mútua), e que teve lugar na sala de conferências das Telecomunicações De Moçambique em Maputo.

A conferência, que teve como principal tópico o ProSavana, contou com a presença de vários representantes do campesinato nacional, do Ministro da Agricultura José Pacheco e alguns dos Directores Nacionais do seu ministério, bem como das mais diversas Organizações da Sociedade Civil Moçambicana e também representantes das sociedades civis Japonesa e Brasileira, entre outros.

O evento ficou marcado pelo “disse não disse” do governo e pela consequente reacção de indignação das OSCs. Pressionado pela sociedade civil, o governo meteu os pés pelas mãos, alegou que o projecto estava ainda em fase de investigação, e acabou por acusá-la de trabalhar com base em documentos “piratas” em versão draft, apetrechados de dados especulativos. A resposta das OSCs foi imediata: contrapuseram que infelizmente não podem contar com a partilha de informação do governo e que, como tal, o governo só se pode queixar dele próprio se os dados com os quais as OSCs trabalham não são exatos, e que os documentos que o governo agora chama de “piratas” já foram alvo de escrutínio em reuniões com os seus potenciais parceiros, tendo chegado às mesas de reunião pela mão deles.

Eis uma breve narração de alguns dos momentos que marcaram esta conferência:

 Depois dos habituais procedimentos protocolares, Augusto Mafigo, Presidente da UNAC, abriu a sessão com a leitura da Carta Aberta Para Parar e Reflectir o ProSavana. A palavra foi então dada à ORAM, que na voz do Padre Carlos Matsinhe expressou a sua apreensão pela falta de informação disponibilizada pelo governo em relação ao ProSavana e o receio que a ORAM tem de eventuais reassentamentos e seus moldes.

Fátima Mello, em representação da Organização Não Governamental Brasileira FASE, seguiu o Padre Matsinhe e deixou novo recado aos representantes do governo: “No Brasil, os barões da soja, da cana, do frango e das monoculturas ameaçam a soberania alimentar. (…) Nós não queremos que o modelo fracassado que foi implementado no Brasil seja reproduzido aqui”. Ideia que aliás, foi muito bem estruturada e justificada algumas horas depois na apresentação do Brasileiro Sérgio Schlesinger da mesma ONG.

 Antes da mui aguardada intervenção do Ministro da Agricultura, a Dra. Sayaka Funada-Classen, uma académica japonesa com muitos anos de Moçambique “na bagagem” e diversos estudos publicados ao longo das últimas duas décadas para prová-lo, dirigiu, visivelmente abalada, um pedido de desculpa em nome da sociedade civil Japonesa ao povo e governo Moçambicano pelo papel desempenhado pelo Japão neste processo, reiterando, à semelhança do que fizeram os oradores que a antecederam, o receio que tem de o ProSavana não servir adequadamente os interesses e necessidades dos camponeses e demais Moçambicanos.

 Chegou então a vez do Ministro da Agricultura se dirigir aos presentes. Como já se esperava, num discurso bastante cuidadoso e hábil, José Pacheco falou da política de desenvolvimento do seu ministério, afirmando que estão “comprometidos com um desenvolvimento socioeconómico sustentável” e vangloriando as políticas em vigor afirmando nesse enquadramento que “num passado recente fomos um país de mão estendida e hoje somos autossuficientes em alguns sectores”, embora não tenha mencionado quais… Quanto ao ProSavana, pouco ou nada disse em relação ao assunto e às preocupações levantadas pelos que falaram antes de sí.

 Mas foi já depois de José Pacheco abandonar a plenária que a conferência ganhou vida. Dada a agenda do Ministro, coube a Raimundo Matule, Director Nacional de Economia do Ministério da Agricultura, assumir no programa da conferência a apresentação do governo do programa ProSavana. Em pé no palco, com a mão direita no bolso, munido de sua voz como se de uma AKM com o carregador cheio de soberba se tratasse, Matule disparou uma boa série de “tiros para o ar”. Numa atitude que a sociedade civil entendeu como tão desrespeitosa e petulante quão típica e previsível, o Director Nacional de Economia do Ministério da Agricultura deu inicio à sua apresentação contestando a fidelidade da informação com a qual as OSCs têm trabalhado, rotulando-a de “pirata”. Apesar da indignação geral e do irromper de um mar de murmúrios na sala, ninguém o interrompeu.

Sérgio  Schlesinger seguiu o controverso Raimundo Matule, e, como já havíamos mencionado anteriormente, sublinhou o que a sua colega Fátima Mello já havia dito no período da manhã.  Explicando de forma cabal o porquê o ProSavana não pode ser comparado ao ProDeCer, Sérgio deixou bem claro que a ponte estabelecida entre os dois programas (da qual na intervenção anterior o governo tentara distanciar-se sorrateiramente) fora desde inicio feita pelo governo. O mesmo governo que agora insinuava que essa informação era produto da imaginação da sociedade civil.

Terminada a apresentação do economista brasileiro, teve início um acalorado debate desencadeado pelas palavras incendiárias de Raimundo Matule, que ainda assim não se “rendeu”, e teimosamente ainda brindou os presentes com mais uma série de declarações que só podemos interpretar como brincadeira de mau gosto. Ou isso ou o governo está mesmo convencido que somos todos ignorantes e analfabetos.

“Não sei onde é que ouviram falar desses 14.5 milhões de hectares. O zoneamento agroecológico que fizemos agora à região identificou somente 4 milhões de hectares disponíveis nas 3 províncias e essa terra não é toda para o ProSavana”.

“Vamos usar adubos orgânicos.” – disse a certa altura.

 Ridículo…

Apesar de muito poucos resultados palpáveis terem saído deste encontro, fruto da clara falta de vontade em partilhar informação relativa aos seus planos com a sociedade civil, o governo deu a cara. E os directores nacionais que ficaram para ouvir o que o ministro não pode, levaram certamente para os seus ouvidos a mensagem uníssona que a sociedade civil lhes passou:

“Sabemos o que vocês estão a fazer e não queremos o ProSavana nem pintado de ouro.”

De realçar pela negativa foi a total ausência da imprensa no evento, bem como dos embaixadores do Brasil e do Japão, que haviam igualmente sido convidados a participar no debate.

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