É quase impossível falar em mudanças climáticas e não mencionar Moçambique, pois no que diz respeito a mudanças climáticas, o nosso país é um dos mais vulneráveis do mundo – facto que nos é confirmado por indicadores como a alteração de padrões de precipitação e temperatura e consequentes aumentos na incidência de calamidades.
O exemplo mais recente de um evento climático extremo em Moçambique, deu-se a 15 de Fevereiro: o Ciclone Tropical Dineo. Esta “perigosa tempestade”, que causou avultados danos nas regiões junto à costa, fustigou a zona sul do país – principalmente a Província de Inhambane – com chuvas torrenciais e ventos de mais de 150 Km/h.
As consequências das mudanças climáticas têm tido um impacto significativo sobre a subsistência das comunidades e, de um modo geral, sobre toda a economia do país. Depois das cheias que afectaram sobretudo o centro e norte do país no início de 2015, em 2016 Moçambique foi palco de uma seca que assolou as três províncias do sul do país, afectando mais de 200 mil pessoas e dizimando centenas de cabeças de gado devido à falta de água e de pasto. Em termos de custos, estimou-se então que seriam necessários cerca de 12 milhões de Euros (621 milhões de meticais) para assistência alimentar às vítimas até Junho de 2016.
Convém mencionar também que, embora sem a mesma gravidade de anos anteriores, nos últimos 12 meses, enquanto no sul do país não chovia, as zonas centro e norte já foram fustigadas por cheias que criaram danos materiais avultados.
De acordo com a avaliação efectuada pelo Governo de Moçambique, durante a passagem do Ciclone Tropical Dineo foram registados um total de 7 óbitos, 51 feridos ligeiros, 4 feridos graves e estima-se que tenham sido afectadas mais de 650.000 pessoas, nas Cidades de Inhambane e Maxixe e nos Distritos de Morrumbene, Massinga, Jangamo, Zavala, Inharrime, Panda, Vilankulo, Funhalouro, Mabote e Homoíne. O ciclone também provocou danos em infra-estruturas, afectando pouco mais de 100 edifícios públicos, 70 unidades sanitárias e 2.222 salas de aula em 11 Distritos das Províncias de Inhambane e Gaza – condicionando o acesso à escola a 207.000 alunos e 5.500 professores. Foram igualmente destruídas torres de comunicação, postes de transporte de energia eléctrica, sistemas de abastecimento de água e uma ponte-cais na Maxixe. Os aeroportos de Inhambane e de Vilankulo viram-se também forçados a cancelar voos.
Segundo dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), há registo da ocorrência de calamidades similares às dos últimos anos nas décadas de 80, 90 e 2000. No entanto, recentemente os mesmos têm ocorrido com maior frequência. Apesar do Dineo ter sido o primeiro ciclone a atingir a província de Inhambane nos últimos 10 anos, importa recordar que, no passado recente, eventos similares ocorreram em várias regiões do país: em 2000 o Ciclone Eline, em 2007 o Ciclone Fávio e em 2008 o Ciclone Jokwe, todos de magnitudes 3 a 4.
O aumento de intensidade e frequência de eventos climáticos extremos como cheias e inundações, secas, tempestades de vento (incluindo ciclones tropicais do tipo Dineo) e a subida do nível das águas do mar, são manifestações claras das alterações climáticas e demonstram quão vulnerável o país é. Em virtude dessas mudanças climáticas, Moçambique tem se debatido com uma recorrente destruição de infra-estruturas socioeconómicas, com enormes perdas de produtividade agrícola, com uma avultada degradação ambiental (nomeadamente causada por uma erosão acelerada e por intrusão salina) e com a perda de vidas humanas.
Actualmente, mais de 1,5 milhões de moçambicanos vivem em insegurança alimentar devido à pior seca dos últimos 30 anos, e por isso as Regiões Sul e Centro estão em alerta vermelho desde Abril último. Já o Norte, está em alerta laranja devido a cheias causadas durante o pico da época chuvosa e que afectaram mais de 90 mil compatriotas.
Este cenário, mostra o quão urgente é a tomada de decisões e medidas que visem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, pois, tendo em conta a tendência e a previsão de aumento de tais eventos extremos e tendo em conta que Moçambique é um dos países mais vulneráveis a tais eventos, haverá um momento em que não poderemos mais nos adaptar a estas mudanças. Isto, caso não sejam tomadas medidas que visem a redução drástica de emissões, com vista a garantir que a temperatura média global seja mantida abaixo de 1.5 ºC.
Segundo o INGC, a exposição do país ao risco dos desastres naturais aumentará de forma significativa ao longo dos próximos 20 anos e depois, como resultado das mudanças climáticas. Em geral, o clima tornar-se-á ainda mais extremo, com períodos de seca mais quentes e longos, e com chuvas mais imprevisíveis; o risco de fracas colheitas aumentará; e prevê-se um aumento no número de ciclones tropicais intensos. Prevê-se igualmente que até 2050, devido a um aumento na procura e a uma redução da pluviosidade, os constrangimentos em termos de disponibilidade de água que já se vivem hoje no país piorem drasticamente. Maputo (Cidade e Província) com o seu fornecimento em regime intercalado, será bastante afectado.
A magnitude dos impactos das mudanças climáticas sobre Moçambique dependerá muito da sua capacidade em termos de mitigação e adaptação. Por seu turno, isto dependerá em grande parte do curso do desenvolvimento socioeconómico e tecnológico que o País seguirá e do quadro de planificação nos próximos 10 anos. Contudo, a vulnerabilidade do país só aumenta, à medida em que o Governo, ao invés de tomar medidas que visem a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, concentra o seu limitado esforço apenas em acções de adaptação. Como se tal não bastasse, por outro lado, o governo continua a promover acções que contribuem para o aumento da emissão de gases de efeito estufa, tais como extracção e comercialização de carvão mineral, gás e petróleo, sem tomar em conta os impactos que estas continuarão a ter sobre o clima, uma vez que a queima destes é a principal causa das mudanças climáticas no mundo.
É importante frisar que o aumento (em intensidade e frequência) de eventos climáticos extremos como o Dineo e a seca que tem assolado o país, associado a fracas políticas na área de mudanças climáticas, irá aumentar significativamente a vulnerabilidade da população devido á redução dos activos usados para sua subsistência (saúde, água, e infra-estruturas), bem como por colidir com a produção de alimentos; minando assim a possibilidade de melhoramento das condições de vida da maioria do Moçambicanos.
Uma resposta efectiva do governo às mudanças climáticas requererá um foco institucional sistemático sobre esta matéria. Considerando os impactos que as mudanças climáticas terão na população, nos ecossistemas e na economia, sendo que uma resposta institucional requererá uma revisão do quadro legal que determine os papéis e as competências incluindo a informação.
É crítico que os planificadores, a nível nacional e sectorial, sejam capazes de fazer uma análise do grau de vulnerabilidade à variabilidade climática em que as actuais estratégias de desenvolvimento e os programas sectoriais se encontram; vejam como é que estes programas exercem um impacto sobre a vulnerabilidade da população e do País, bem como examinem as opções para a minimização dos riscos e a melhoria das capacidades de resposta.
Estudos mostram ainda que, se as tendências de subida de temperatura média global que se verificam hoje prevalecerem nos próximos anos (o que é mais do que provável!), até 2050 poderá registar-se um aumento de mais dois graus centígrados da temperatura média global. Para Moçambique, isso significará um aumento de cerca de 4 graus. Esta subida de temperatura, por sua vez, significará precipitação pouco frequente mas em abundante volume, ou seja, teremos chuvas de maior intensidade e com muito poder destrutivo por um lado, e secas mais intensas, mais frequentes e em grandes áreas, por outro. Para mais, Moçambique tornar-se-á mais susceptível a ciclones, que também se estima que se tornem mais frequentes e maiores.
Um estudo produzido pelo Banco Mundial em 2010 estima que o custo económico dos desastres ocorridos em Moçambique no período de 1980 a 2003 terá sido de cerca de 1,74 bilhões de dólares. Contudo, este valor subestima as perdas e impactos na população mais vulnerável, que vive maioritariamente nas zonas costeiras e que tem na pesca e na agricultura de sequeiro a sua principal fonte de subsistência. Nestas comunidades, os recursos e as infra-estruturas costeiras estão expostas aos ciclones tropicais e à subida do nível das águas do mar. Paralelamente à degradação de infra-estruturas e às perdas económicas consideráveis, os cenários climáticos desenvolvidos indicam uma clara redução do bem-estar nacional. O mesmo estudo prevê igualmente perdas financeiras estimadas entre 2 a 7 bilhões de dólares entre 2003 e 2050, o que equivale a uma perda anual que varia entre 0,6 e 1,2 bilhões de dólares por ano até 2030. As maiores perdas continuarão a ocorrer no sector de infra-estruturas, com particular destaque para os danos causados por eventuais cheias em estradas e pontes. Por seu turno, os danos causados por eventuais secas recairão preponderantemente sobre a agricultura.
Importa ainda recordar que em Moçambique, as inundações são frequentes e muitas vezes mortíferas. Só em 2000 estes fenómenos climáticos provocaram cerca de 800 mortos; em 2015 cerca de 100; e de Outubro de 2016 até hoje já causaram 40 mortos e mais de 76 mil sinistrados.