Lixo Eleitoral

Nada nos agradaria mais do que não ter de falar de política.

Seria fundamentalmente sinal de que, em Moçambique, um importantíssimo conjunto de pessoas estaria a fazer o seu trabalho com um mínimo de brio, competência e responsabilidade e/ou de que as condições para que tal pudesse decorrer sem quaisquer constrangimentos, estariam minimamente reunidas. Seria, por exemplo, sinal de um governo minimamente capaz, honesto, justo, responsável e empenhado em dignificar e consolidar a nossa democracia; sinal de uma função pública apartidária, autónoma e lúcida; sinal de uma comunicação social isenta, séria, crítica e irredutível; mas também sinal de uma sociedade civil (e suas respectivas organizações) esclarecida, intrépida, intransigente e (como tal) forte.

Infelizmente, claramente, Moçambique não cumpre quaisquer destes requisitos. Como tal, para não deixar ainda mais ilhados aqueles que tiveram a coragem de se desalinhar de seus pares e denunciar graves irregularidades eleitorais apadrinhadas por instituições de foro eleitoral cada vez mais desprovidas de qualquer credibilidade, bem como os poucos que ainda têm a verticalidade de se pronunciar “sem papas na língua” sobre a obscena vida política do país, – mais uma vez fielmente retratada por mais um processo eleitoral, no mínimo, pitoresco – vemo-nos obrigados a manifestar a nossa desilusão e incredulidade face a mais esta inqualificável agressão a um dos mais basilares pilares de qualquer democracia.

Lamentamos em igual medida a já habitual incompreensível passividade de toda uma sociedade civil que, absurdamente, nos parece cada vez mais adormecida e conformada a ser ultrajada. Uma sociedade que – não conseguimos entender se por medo, se por conformismo, se por desinteresse, se por estar (ou se sentir) profundamente impotente e/ou desamparada – ao que tudo indica, se está a preparar para negligentemente acatar (e assim validar) mais um processo eleitoral gravemente maculado porque ferido por inúmeras irregularidades incompreensíveis, injustificáveis e profundamente lastimáveis.

Nós não queríamos mesmo falar de política. Em agenda para o artigo desta semana – cujo título simbolicamente decidimos manter – tínhamos: “lixo eleitoral”. O plano era falar das toneladas de papel e outros materiais de campanha que, como sempre, findas as eleições, acabam por “morrer” no chão, nos muros, nas paredes, nos postes, nas caixas de electricidade e em todos os demais recantos de todo o país, em claro incumprimento com a legislação e com os mais básicos princípios de civismo e asseio. Mas como poderíamos nós falar sobre isto sem condenar veementemente a forma como decorreram as eleições, quando sentimos que este assunto – a hipotética violação da nossa autodeterminação – está a ser serenamente “enterrado” perante o olhar impávido da maioria? Seria uma hipocrisia tamanha de nossa parte. Nós que tanto falamos da importância de exercer cidadania… Portanto, nós não. Nós não vamos fingir que não temos a obrigação de nos posicionar. Nós não vamos ser imparciais perante tão claros e graves registos de irregularidades e perante aquilo que consideramos serem acusações sérias demais para serem levianamente descartadas. Nós não vamos fingir que não estamos a ver novo atentado à nossa cada vez mais estabelecida pseudo-democracia. Nós vamos posicionar-nos pela verdade. Pela apuração da verdade. Pela democracia e pela soberania popular. Sempre.

O Governo de Moçambique, por meio de suas instituições competentes, tem a obrigação e deverá ter a correcção de escrutinar imparcialmente e de forma aberta e exaustiva todo o último processo eleitoral. Em nome do povo Moçambicano, essas instituições deverão ter a coragem de investigar, imputar e assumir quaisquer erros e responsabilidades que possam vir a ser apurados, e caso seja necessário, ter a honestidade de os rectificar o quanto antes.

Quanto ao restante “lixo eleitoral”, o mais provável é que fique onde está até desaparecer. Até desbotar. Como sempre. Um subliminar lembrete da sujeira que foram estas eleições autárquicas, a cair no esquecimento do povo conforme desbota. Como sempre.

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