“A terra dá-nos de volta o que lhe transmitimos!” – Estas foram as palavras de ordem daquele que foi o primeiro curso agroflorestal realizado para membros das comunidades dos postos administrativos de Tacuane e Muabanama, que habitam em volta do Monte Mabu no distrito de Lugela, província da Zambézia.
O Monte Mabu é um maciço granítico montanhoso que chega a atingir os 1.700 metros de altitude e é, em grande parte, coberto por uma excepcional e pouco perturbada floresta húmida de altitude, com elevada biodiversidade. A floresta de Mabu cobre cerca de 7.880 hectares, e destes cerca de 5.270 hectares encontram-se em altitude média (1.000 – 1.400m). Sendo, portanto, uma das mais extensas florestas deste tipo na África Austral.
A protecção efectiva deste rico ecossistema é essencial para garantir a continuidade da diversidade de espécies lá existente, para que se possam levar a cabo ainda mais estudos e para que sejam analisadas e discutidas opções de maneio de forma a beneficiar as comunidades que dependem directamente dos bens e serviços deste rico ecossistema florestal. É nesta lógica que a Justiça Ambiental (JA) vem promovendo acções que visam incentivar as comunidades locais em volta do Monte Mabu a optar por práticas sustentáveis, seja produção agrícola ou ainda o uso dos inúmeros recursos que a floresta providencia, de modo a assegurar a continuidade do ecossistema e desta relação com as comunidades locais. Entre estas acções estão as sessões de capacitação em técnicas sustentáveis de produção agrícola que contribuem para a conservação do solo e da diversidade biológica daquele local.
Neste âmbito, a JA organizou uma formação técnica em sistemas agroflorestais (SAF’s) entre os dias 27 e 31 de Agosto com o objectivo de capacitar os membros das comunidades que circundam o monte Mabu em técnicas de consorciação de culturas agrícolas com espécies arbóreas utilizadas para produção de frutas e para a recuperação de áreas degradadas. Participaram nesta formação um total de 38 pessoas, representantes das comunidades de Nvava, Nangaze, Limbue e Namadoe.
O curso foi ministrado por Hudson Anaua Filho, representante do viveiro Anaua do Brasil, especializado em técnicas agroflorestais para recuperação de solos e produção de diversidades agrícolas sem recurso a agroquímicos e adubos inorgânicos. Foram dias de uma convivência muito intensa, em que houve partilha de diferentes saberes, onde o conhecimento ancestral e tradicional dos membros das comunidades locais se conjugou com as experiências modernas de maneio e uso da terra numa abordagem agroecológica, dando primazia à soberania alimentar, que é o direito dos povos em decidir sobre o seu próprio sistema alimentar e produtivo sem pôr em causa a sustentabilidade ecológica do ecossistema.
A primeira fase do primeiro dia foi dedicado à partilha de experiências entre os participantes do curso e o formador. O formador procurou compreender as dinâmicas locais, de forma a identificar as fraquezas e o potencial local e de modo a alinhar a capacitação às expectativas dos participantes. Durante esta troca de saberes, os membros das comunidades presentes deixaram claro que não acreditavam numa agricultura sem o uso de fogo no processo de abertura das machambas e que ninguém os convenceria do contrário. A segunda fase consistiu no reconhecimento e identificação de uma das áreas disponibilizadas pelos membros da comunidade para abertura de um campo de demonstração no âmbito do treinamento sobre os sistemas agroflorestais.
O segundo dia foi dedicado à abertura do campo de demonstração de 15x25m, poda de árvores existentes para estimular o crescimento das mesmas e para dar sinal às demais que chegou o momento de crescer; foram ainda estabelecidos os canteiros de 1×15 m num sistema de curva de níveis para prevenir a erosão do solo, por se tratar de uma área com inclinação considerável. Todo material vegetal resultante da poda e da capinagem foi devolvido ao solo para revestir os canteiros e conservar a humidade dos mesmos. Simultaneamente, os ramos das árvores resultantes da poda foram cortados em pedaços e colocados nas passadeiras entre os canteiros para compactar a zona de maneio, manter a humidade do solo e ao mesmo devolver a matéria orgânica ao solo através da decomposição daquele material. Todas estas actividades foram desenvolvidas num ambiente animado e descontraído, com muita conversa, intercalado entre cânticos locais de motivação e vários esclarecimentos e explicações por parte do formador.
O terceiro dia foi reservado para sementeira e plantio de mudas. Foram plantadas 15 espécies diferentes de árvores incluindo de fruta, totalizando 84 unidades. O sistema foi montado numa perspectiva em que determinadas espécies serão usadas para produção de fruto e para estimular o crescimento das culturas alimentares no sistema, enquanto outras para fornecer humidade e biomassa ao sistema, incluindo para filtração de raios solares para facilitar o controlo de ervas daninhas. Foram também semeadas 19 diferentes culturas agrícolas anuais, incluindo hortícolas. Parte das sementes foram adquiridas localmente e outras em casas agrárias. Este momento serviu também para a troca de sementes entre as comunidades e para o fortalecimento de relações de solidariedade e amizade. Foram introduzidas algumas culturas que as comunidades desconheciam por completo, e nesses casos houve uma explicação adicional sobre como prepará-las e sobre o valor nutricional das mesmas. O formador deixou várias recomendações para o maneio da área cultivada, foi escolhido um guardião para a área e todos os participantes ficaram incumbidos de zelar pela área e de monitorar o desenvolvimento das culturas. Várias dessas culturas foram plantadas fora de época pois, acima de tudo, pretendia-se demonstrar formas e técnicas diferentes e possivelmente mais adequadas de as efectuar. Através de visitas regulares, a JA compromete-se a monitorar a área e a acompanhar as actividades previstas.
No final destes 4 dias ricos de saber, foi notável o orgulho dos participantes na área que juntos criaram, foi igualmente notável que ficou bastante claro para todos que é possível fazer machamba sem deitar fogo, bem como que juntos conseguimos fazer mais e mais rapidamente. A dúvida e descrença que observamos no primeiro momento do primeiro dia, rapidamente se dissipou!
Este curso de sistemas agroflorestais é o primeiro de vários que a Justiça Ambiental pretende proporcionar às comunidades do monte Mabu, fortalecendo deste modo cada vez mais o laço de união e solidariedade entre as comunidades locais e entre povos.