Governo mantém Mudissa e Mudada de mãos atadas desde 2008

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Quando o Governo chega, só impõe. Não temos onde enterrar os nossos entes queridos, não temos onde cultivar…”

Membro da comunidade de Mudissa

Nos dias que hoje correm é frequente ouvir-se falar em projectos de investimento privado que são aprovados no país para impulsionar o desenvolvimento, gerando empregos e benefícios sociais às comunidades locais. Porém, face aos crescentes problemas de usurpação de terra e aos inúmeros conflitos decorrentes de sistemáticas violações do DUAT de comunidades inteiras, é importante equacionar se tais investimentos estão, de facto, a contribuir para o desenvolvimento do país.

Em Moçambique, a agricultura desempenha um papel fundamental na economia das famílias, tanto como fonte de emprego da maioria da população, como também como fonte de sustento. Mais de 80% da população moçambicana vive na base da agricultura. No entanto, focados na extracção de recursos minerais, os planos governamentais tendem a negligenciar cada vez mais a agricultura, consequentemente agravando as condições de vida do povo.

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As famílias das comunidades de Mudissa e Mudada, no distrito de Matutuíne, são o exemplo vo dessa política. Em 2008, sem o necessário prévio e cabal esclarecimento, foram convocadas a participar numa reunião. Essa reunião afinal era uma consulta comunitária. Contudo, na verdade – e seguindo um modus operandi que já nos havia sido descrito inúmeras vezes em diversos pontos do país – não houve consulta alguma. A reunião foi mero informe.

De forma manipulativa, informaram-nas que em breve seriam retiradas das suas zonas de origem – onde praticavam agropecuária, sua principal fonte de subsistência – para que o lugar, cujo subsolo é rico em calcário, fosse ocupado por uma fábrica de cimento denominada CIF-MOZ.

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No mesmo encontro, as famílias foram ainda informadas que deveriam parar de construir casas de alvenaria, de praticar agricultura e de enterrar os seus entes queridos na área designada – um aviso também notório de tal modus operandi. Às famílias, prometeram que onde fossem reassentadas seriam construídas infraestruturas hospitalares, uma escola, furos de água e que teriam acesso a emprego. Sobre as campas existentes na área a ser concessionada, disseram que seriam transladadas para o local do reassentamento, seguindo os rituais tradicionais. Tudo isto, disseram, seria efectuado antes de se iniciarem as obras de construção da fábrica. Porém, a construção da fábrica teve início em Novembro de 2010 e até hoje nada do prometido foi cumprido. As comunidades não foram reassentadas e estão privadas de construir casas condignas, de enterrar os seus entes queridos e de cultivar para seu sustento. Além da lagoa poluída que está a servir de esgoto à fábrica – um perigo ambiental, mas também para a saúde das comunidades circunvizinhas e do gado – a instalação da CIF-MOZ não trouxe benefícios alguns à população local, muito pelo contrário, só piorou a sua condição de vida. As pessoas sentem-se abandonadas, marginalizadas, ignoradas e excluídas. Várias queixas já foram submetidas à Administração do Distrito de Matutuíne, mas de nada serviram. Parece não haver qualquer interesse em resolver o problema. Algumas famílias até têm os meios e os materiais para construírem por conta própria novas casas, mas não têm onde construir.

À margem da legislação nacional, internacional e do respeito pelos direitos fundamentais do povo, o governo tem estas famílias de mãos atadas. Impávido perante toda a sua dor e tristeza, o governo moçambicano é culpado, no mínimo, por grosseira negligência.

O povo clama por socorro. Precisam de suas terras para sustentar suas famílias. As comunidades de Mudada e Mudissa, no Distrito de Matutuíne – à semelhança da maioria do povo moçambicano – dependem muito dos produtos de suas machambas para garantirem a educação, saúde e sustento de seus filhos. Há mais de 11 anos que o governo moçambicano lhes roubou desses direitos.

Quem ali passa pelo novo troço da N1, a caminho de algumas das mais renomadas praias de Moçambique, não imagina as lágrimas de sangue derramadas pelas famílias afectadas por este mega projecto que as privou de suas terras – para muitos, seu único recurso. Não imagina a inconsolável dor de quem tem de carregar os restos mortais de seus entes queridos para parte incerta.

A população está indignada com a indiferença do Governo.

É este o desenvolvimento de que fala(va)m?

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