Plantações de Monocultura de Eucalipto da Portucel Ameaça Florestas Naturais na Província da Zambézia

Há muitos anos que a Justiça Ambiental tem trazido ao público o debate sobre a urgente necessidade de conservação de florestas nativas, sobre a falsa narrativa em volta das plantações de monocultura e os seus inúmeros e graves impactos negativos, ao mesmo tempo que estas tem sido largamente promovidas pelo governo de Moçambique, como parte da sua Estratégia de Reflorestamento com uma ambiciosa meta de estabelecer 1 milhão de hectares de plantações até 2030.

A Estratégia Nacional de Reflorestamento está alinhada a uma série de programas e projectos florestais em implementação (ex: MozFip1, MozDGM2, etc) e ainda a um conjunto de reformas na legislação do sector florestal (ex: Política Florestal e sua Estratégia, Lei Florestal, etc.), com financiamento de diferentes parceiros do governo moçambicano, com maior destaque para o Banco Mundial. Estes instrumentos em particular têm em comum o facto de ter o mesmo financiador e de criar incentivos para a promoção de plantações de monocultura de árvores, essencialmente do género Eucalyptus e Pinus, para o abastecimento da indústria de plantações sob pretexto de solução às alterações climáticas.

A Portucel Moçambique insere-se no lote das empresas com projectos financiados pelo Banco Mundial através de IFC3 e que tem fomentando extensas áreas de plantações de eucalipto pelo território nacional supostamente para alimentar a indústria de papel. O presente artigo analisa as irregularidades detectadas no estabelecimento das plantações da Portucel e os impactos negativos que estas causam tanto a nível social como ambiental, no território das comunidades locais e no ecossistema.

Existe uma tendência de se minimizar as implicações sociais e ambientais causadas pela implantação em grande escala das plantações de espécies exóticas de rápido crescimento como eucalipto. Os promotores dessas plantações recusam-se a aceitar os impactos negativos das mesmas e despendem imensa energia e recursos na sua propaganda enganosa de modo a obter o apoio de diferentes segmentos da sociedade. O que se verifica é que as plantações, beneficiam economicamente a própria empresa, providenciam empregos precários a um grupo restrito de membros das comunidades afectadas e deve de alguma forma beneficiar algumas importantes individualidades ligadas ao poder político e económico no país, sendo estes os que mais protegem e salvaguardam os interesses do suposto investimento, contribuindo assim para insegurança alimentar devido à ocupação de terras agrícolas, destruição de ecossistemas e habitats naturais através de corte de florestas naturais para dar lugar às plantações.

Vários são os estudos que identificam os inúmeros e graves desafios e problemas no sector florestal em Moçambique, porém poucos fazem referência sobre os impactos das plantações de espécies de rápido crescimento no desmatamento, aliás as empresas como a Portucel Moçambique, recusam-se a admitir que desmatam e derrubam áreas de florestas nativa para colocar as suas plantações, recusam-se a admitir que usurparam terra agrícola às comunidades locais alegando sempre que as terras foram cedidas de boa fé e com pleno conhecimento do que se pretendia. Apesar da agricultura itinerante ser apontada como uma das principais causas de desmatamento no país, dentre vários locais, em Socone por exemplo [S 15o51’3,888’’ (LAT) E 37o24’14,5494’’ (LONG)], situado no Ile, localidade Curoane, Posto administrativo de Socone, há evidências de que a floresta nativa foi derrubada para dar lugar à plantação de eucalipto da Portucel. Constata-se no local sinais de árvores abatidas, porções de floresta nativa em áreas adjacentes e um acampamento com maquinaria usada nas actividades de derrube para abertura de novos campos de plantio. Membros da comunidade afirmam que a área em referência era floresta nativa e que a empresa vai desmatando pequenas parcelas onde estabelece as suas plantações de eucalipto.

Por outro lado, no povoado Camba Primeiro, em Regone [S 15o41’21,13296’’ (LAT) E 36o55’37,89336’’ (LONG)], observou-se que decorre corte raso de árvores de eucalipto com cerca de 9 anos, através de empresas subcontratadas pela Portucel para corte, cubicagem, transporte e empilhamento dos troncos sob supervisão de trabalhadores da Portucel. Segundo alguns trabalhadores da empresa subcontratada, a biomassa cortada serve para fornecer a empresa Mozambique Leaf Tobacco para o uso no processo de secagem de tabaco. Nesse local não foi possível perceber se houve conversão de floresta em plantações de monocultura, segundo os membros da comunidade aquela área encontrava-se ocupada pelas suas machambas.

O acima exposto demonstra uma vez mais que as plantações têm sido estabelecidas em áreas de floresta secundária, contribuindo directamente para a redução da biodiversidade e ainda para a redução das áreas de produção agrícola de comunidades camponesas. O corte raso que se verifica acarreta sérias consequências por contribuir para alteração total das condições de vida da fauna e dos microrganismos do solo dentro do povoamento cortado. Ademais, o destino da biomassa das plantações de eucaliptos para o processo de secagem de tabaco reforça o argumento de que o objectivo primeiro das plantações é meramente comercial, e de modo algum estas são estabelecidas ou pensadas para reverter o actual cenário de mudanças climáticas como tem sido publicitado, sendo que, neste caso em referência, a biomassa produzida serve de combustível na secagem do tabaco e este processo emite carbono e outros gases de efeito de estufa para atmosfera, contribuindo desta forma para o aquecimento global.

É urgente reconhecer que as plantações de monocultura de espécies exóticas de árvores de rápido crescimento não constituem florestas de forma alguma, não proporcionamos os mesmos produtos e serviços ambientais que uma floresta fornece, não contribuem de forma positiva para o ciclo da água ou de nutrientes próprios de uma floresta. As plantações de monocultura em grande escala não apresentam diversidade de espécies, estas são maioritariamente para fins comerciais e estão ao serviço do grande capital, controlado pelas multinacionais e instituições financeiras para o fim último de obter lucro, através da exportação dos seus produtos e ainda, aproveitando-se das falsas narrativas de que estas contribuem para a redução das emissões e assim recebem fundos climáticos que deveriam estar a ser canalizados para as reais soluções à crise climática e não para alimentar ainda mais a ganância destas empresas.

1 Projecto de Investimento Florestal em Moçambique com vista a promover o desenvolvimento integrado no meio rural – https://www.fnds.gov.mz/index.php/pt/nossos-projectos/listagem-de-projectos/mozfip

2 Mecanismo de Doação Dedicado as Comunidades Locais com objectivo de apoiar iniciativas que facilitem o desenvolvimento socioeconómica das comunidades locais orientadas para a adaptação e mitigação das mudanças do clima – https://www.fnds.gov.mz/index.php/pt/nossos-projectos/listagem-de-projectos/mozdgm

3 International Finance Corporation – Membro do grupo Banco Mundial

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