Líderes das comunidades da região de Mphanda Nkuwa recebem ‘ordens superiores’ para não serem capacitados sobre os seus direitos

O ambiente é de medo e indignação, nas comunidades que terão que ser reassentadas se o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa for implementado. Após a grave situação em Dezembro do ano passado, em que foram feitas ameaças e acusações infundadas aos membros das comunidades de Chirodzi-Nsanangue e Chococoma por terem participado num Workshop da Justiça Ambiental (JA!) em Maputo, desta vez são os líderes locais que estão a ser intimidados para que não autorizem quaisquer reuniões desta organização Moçambicana nas suas comunidades.

Em Janeiro deste ano, uma equipa da JA! esteve a trabalhar no distrito de Marara, como parte do seu trabalho contínuo de monitoria dos impactos dos megaprojectos e capacitação das comunidades locais sobre diversos temas. No entanto, em alguns dos locais onde esteve a trabalhar, deparou-se com várias tentativas de sabotar e impedir o trabalho que tem vindo a fazer há mais de 22 anos. Os líderes das comunidades de Chirodzi-Nsanangue e Chococoma informaram à JA! que receberam orientações da Chefe da Localidade de Chococoma para não deixar a comunidade reunir-se com esta organização, deixando claro que temiam as consequências que poderiam sofrer caso não cumprissem estas ordens. A comunidade, por outro lado, manifestou-se indignada com estes acontecimentos, e pediu que a JA! desse continuidade aos trabalhos, especificando os assuntos a respeito dos quais gostariam de ser capacitados.

A equipa da JA! decidiu então questionar a Chefe da Localidade a respeito das alegações dos líderes, que se recusou a prestar quaiquer informações, e afirmou apenas que cumpre orientações que lhe chegam do Chefe do Posto Administrativo de Chococoma, seu superior hierárquico. O Chefe do Posto, por sua vez, também chutou a bola para a frente, afirmando que este assunto ‘‘está lá em cima’’ e que não poderia carimbar qualquer papel ou credencial da Justiça Ambiental, pois tinha recebido ordens superiores para não o fazer. Tudo indica que esta instância superior é o Administrador do Distrito de Marara, que se manifestou indisponível para receber a JA, e que por sua vez também estará, muito provavelmente, a receber ‘‘ordens superiores’’.

É sempre bom relembrar que nenhuma organização ou associação legalmente registada precisa de autorização do governo para trabalhar em qualquer ponto do país. No entanto, por uma questão de protocolo e respeito, as equipas da Justiça Ambiental a trabalhar nas zonas rurais costumam apresentar-se às autoridades locais, sempre que possível.

Até 2022, estas visitas à Administração do Distrito de Marara não criavam qualquer turbulência. Desde que os ventos da barragem de Mphanda Nkuwa chegaram ao local, em meados de 2022 (entre 2019 e 2022, o assunto era debatido apenas em Maputo e a nível internacional), tudo mudou. Ameaças e intimidações às comunidades que terão que concordar em sair das suas terras para dar lugar ao megaprojecto, além da disseminação de informações falsas sobre a JA! começaram a acontecer recorrentemente, tanto em público, como dirigidas especificamente a membros da comunidade que sejam mais vocais ou críticos ao projecto.

Está bastante claro o que incomoda tanto às autoridades locais: é que o trabalho da JA! tem-se focado em capacitações em torno dos direitos sobre a terra, direitos humanos, liberdade de expressão e opinião, legislação sobre reassentamento, acesso à justiça, e estudos sobre os impactos climáticos, ambientais, sociais e económicos das mega-barragens. Naturalmente que, para convencer centenas de famílias a deixarem as suas terras à beira do rio, abandonarem as suas machambas férteis, e abdicarem dos seus vastos terrenos para pastagem do gado, é conveniente que estas famílias pensem que não têm poder de decisão e muito menos direitos por reivindicar. É conveniente que aceitem casas de reassentamento mal construídas, e que não exijam muito dinheiro de compensação, afinal o governo tem se gabado perante investidores internacionais que é muito fácil e lucrativo fazer negócios no nosso país. Neste sentido, o trabalho da JA é uma pedra no sapato do governo e dos investidores internacionais. O Administrador do Distrito de Marara chegou a dizer, num encontro com a JA, que não podemos ir lá falar sobre direitos, sobre leis, ou mencionar os impactos de outros megaprojectos. ‘‘Não devemos nos focar no passado e sim no presente. O projecto da barragem não deve ser crucificado pelos pecados dos anteriores projectos de carvão da Jindal, não podemos ser pessimistas e pensar que vão acontecer aqui em Marara’’, acrescentou na altura.

Infelizmente, todas as pistas indicam que a barragem de Mphanda Nkuwa está a seguir pelo mesmo caminho sinuoso que levou tantos outros megaprojectos a falhar no nosso país. O Gabinete de Implementação (GMNK) continua a ignorar as cartas da Justiça Ambiental a pedir os termos de referência dos estudos necessários e demais informações relevantes, fugindo desavergonhadamente do escrutínio público. A justificativa para uma barragem desta envergadura, com esta magnitude de impactos, sem que se tenha equacionado outras opções, continua fraquíssima. A crescente repressão e as tentativas de silenciar vozes críticas indicam que não há interesse em ouvir e lidar com as legítimas preocupações das comunidades locais, e que o projecto está disposto a atropelar a lei e os direitos humanos. A barragem de Mphanda Nkuwa reúne todos os ingredientes para um megaprojecto igual aos outros que temos visto em Moçambique: altamente lucrativo para as nossas elites nacionais e para as grandes empresas transnacionais, e uma desgraça para milhares de pessoas, justamente aquelas que mais precisam desse desenvolvimento que nunca chega. E nunca chegará, se continuarmos a fazer o bolo com os mesmos ingredientes.

É por estes e tantos outros motivos que a JA submeteu, em Dezembro último, uma petição com mais de 2.600 assinaturas à Assembleia da República para travar o controverso projecto de Mphanda Nkuwa, a respeito da qual ainda não temos resposta. É por estes motivos também que a JA seguirá firme e comprometida a trabalhar como sempre trabalhou, a denunciar e expôr os impactos de um modelo de desenvolvimento que não nos serve, e a trabalhar em conjunto com todos aqueles que têm o compromisso de construir um país democrático e para todos, no qual todos tenhamos voz, direitos e dignidade.

Para mais informações sobre a petição ou sobre os estudos realizados sobre os impactos do projecto de Mphanda Nkuwa, visite www.justica-ambiental.org ou entre em contacto pelo jamoz2010@gmail.com / +258 84 3106010.

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