– Uma revisão a uma parte da Lei das Associações ou um atentado à liberdade das organizações sem fins lucrativos, reconhecido na Constituição da República?

Foi recentemente aprovada pelo Conselho de Ministros uma proposta de Lei das Organizações sem fins lucrativos que levanta inúmeras e sérias preocupações por parte da sociedade civil e associações da sociedade civil, relativamente aos reais propósitos por trás desta proposta de Lei.
Há muito que se pretende rever a Lei das Associações, para adequa-la ao actual contexto, procedimentos e assim assegurar a efectiva participação dos cidadãos nos mais diversos aspectos do processo democrático em Moçambique. No entanto, esta proposta de Lei não representa de forma alguma o processo de revisão que se pretendia, nem tão pouco vem simplificar ou promover uma maior e melhor participação dos cidadãos no desenvolvimento do país, pelo contrário restringe e viola direitos e liberdades já reconhecidas na Constituição da República.
A presente proposta ignora por completo o facto da participação pública ser inerente ao príncipio de Estado de Direito Democrático estabelecido no artigo 3 da CRM, pois as organizações da sociedade civil, principais visados nesta lei, e os cidadãos no geral não participaram no processo de revisão da presente proposta de lei.
A alegada fundamentação para a revisão da Lei, particularmente para o controle exagerado e ilegal que se pretende impor às associações na presente proposta, assenta-se nos esforços do governo de combate ao terrorismo e ao branqueamento de capitais, no entanto, em momento algum se apresentam evidências claras, nem tão pouco indícios de qualquer ligação entre as associações e o terrorismo e branqueamento de capitais que se pretende combater. Estamos cientes de que as liberdades e direitos consagrados na Constituição da república não são absolutos e portanto são passíveis de ser em certa medida restringidos, desde que as restrições pretendidas sejam devidamente fundamentadas, com base em análises sérias e evidências, demonstrando o risco ou a ligação que se alega, que não é o presente caso.
Sob diferentes pretextos, o governo tem cada vez mais limitado o espaço de actuação e as liberdades dos cidadãos e da sociedade civil em geral. Este controle tem sido bastante evidente na repressão policial e demonstração de forças, com que é recebida qualquer possibilidade de manifestação pública, seja pelo aumento do custo de vida, seja para reivindicar direitos como tem sido frenquente em comunidades afectadas por megaprojectos, todas estas iniciativas são agressivamente combatidas, cultiva-se o medo, para que ninguém se atreva a sequer ter a ideia de manifestar-se!
Este controle e repressão tem sido evidente no trabalho de muitas associações, tanto nacionais, como provinciais e locais, particularmente as que trabalham junto a comunidades afectadas seja por megaprojectos ou por deslocamentos forçados, as que apoiam na denúncia de violação de direitos e que fazem eco às vozes dos mais silenciados, as que denunciam a imensa rede de corrupção que inviabiliza o futuro do nosso país, muitas destas tem sido combatidas, acusadas de defender interesses externos, acusadas até de favorecer ou facilitar o terrorismo, acusações sérias e extremamente graves, sem qualquer fundamento ou base, simplesmente porque incomodam.
A presente proposta de Lei, a ser aprovada, irá muito provavelmente ditar a extinção de muitas destas associações, pois atribui ao governo excessivo poder sobre as associações, sobre o seu funcionamento e inclusive sobre o seu processo democrático de tomada de decisões, dando poderes ao governo para uma uma excessiva interferência no trabalho destas e até sobre a sua extinção. Por exemplo, o Artigo 33 da proposta de Lei exige que as associações apresentem a diversos orgãos do governo os seus relatórios de actividades e financeiro no primeiro trimestre de cada ano, e a não apresentação deste por duas vezes consecutivas implica a extinção da associação.
Importa esclarecer que a maioria, se não todas, as associações que recebem financiamento para o seu trabalho, recebem-no mediante um plano de trabalho, um acordo ou contrato com os financiadores, que curiosamente também financiam o Orçamento Geral do Estado e o governo, e via transferencia bancária. Para além disto, os bancos para disponibilizar os fundos exigem os contratos assinados por ambas as partes, portanto o controle que alegam ser fundamental para evitar o branqueamento de capitais já existe, e as associações já disponibilizam toda a informação sobre os fundos que recebem. Para além do controle já feito pelo sistema bancário, a maioria das associações tem os seus planos de trabalho, elabora relatorios anuais de actividades e relatorios de prestação de contas e levam a cabo auditorias anuais que são partilhadas com os seus financiadores onde devem claramente demonstrar que os fundos recebidos foram utilizados para os propósitos previamente acordados.
Estes relatórios, controle e evidências não são suficientes para demonstrar que não há branqueamento de capitais? Que os fundos recebidos não estão de forma alguma a financiar o terrorismo? Se de facto, o objectivo da presente proposta é a luta contra o terrorismo e o branqueamento de capitais claramente não há fundamento algum para a interferência e controle que o governo pretende assegurar sobre as associações, e sobre os cidadãos ao restringir o seu direito à associação.
Estas pretensões levantam inúmeras suspeitas, entre estas, a quem favorece o silêncio das associações? A quem favorece o silêncio da sociedade civil? A quem incomoda este poder de nos associarmos e lutarmos por direitos, por justiça, por boa governação e transparência, por soluções viáveis, sustentáveis e que de facto favorecem e contribuem para o desenvolvimento local? A quem favorece extinguir associações que trabalham por um país melhor para todos e não apenas alguns?
Outro aspecto, entre tantos, nesta proposta de lei que levanta suspeita é distinção e separação entre as associações mediante o seu objectivo, nesta proposta de lei não estão abrangidas as associações religiosas, culturais, desportivas nem os partidos políticos, será que estas não correm o mesmo tipo de riscos no que se refere ao branqueamento de capitais e terrorismo? Não estão igualmente vulneráveis?
Se a presente proposta de Lei for aprovada pela Assembleia da República estará em clara e grave violação a direitos e liberdades consagradas na Constituição da República e na Carta Africana de Direitos Humanos que Moçambique ractificou, e contraria os principios e directrizes da Comissão Africana dos Direitos Humanos.
“Os Estados não devem usar o combate ao terrorismo como um pretexto para restringir liberdades fundamentais, incluindo a liberdade religiosa e de consciência, expressão, associação, reunião e deslocação, e o direito à privacidade e propriedade”. Princípios e Diretrizes sobre Direitos Humanos e dos Povos no Combate ao Terrorismo na África – Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
A luta continua… por um país justo, livre, transparente e onde todos tem os mesmo direitos!
#NadaParaNóSemNós