Reclamações, queixas e lamúrias das mais variadas têm sido o prato forte dos moçambicanos… Há, sem dúvida, razões de sobra para todas e muitas mais, pois nunca estivemos tão mal servidos, tão mal conduzidos e tão mal representados em tantos aspectos. No entanto, não deixa de ser preocupante que estas reclamações se façam maioritariamente como tema de conversas informais enquanto esperamos o próximo chapa ou estamos na bicha do pão um pouco por toda a parte, mas poucas são feitas de forma a contribuir para uma mudança, para melhorias. Em eventos públicos sobre temas de interesse público (revisão de políticas e leis nacionais, conflitos de terra, futuro da agricultura camponesa face a esta crescente gana por mega soluções, a dívida “ilegal”) verifica-se cada vez menos interesse e participação dos cidadãos. Ou seja, temos cada vez menos “cabeças” a debater e decidir sobre os mais variados temas que nos afectam a todos.
Despretensiosamente, sem elaborar grande análise crítica sobre a questão e com base na mera observação enquanto participante, diria que integram estes encontros cada vez menos cidadãos e (em certa medida) organizações da sociedade civil, e cada vez mais plataformas e redes em sua substituição. E se, por um lado, é compreensível esse afastamento em função do sentimento de que de pouco serve a participação nesses eventos já com estratégias e políticas delineadas e prontas para consumir (e muitos deles realizados apenas para obter o “selo de participação pública”, para fazer de conta que existem processos democráticos no país e que os moçambicanos participam de facto nas discussões importantes sobre o futuro de Moçambique); por outro, este divórcio com estes processos, esta falta de interesse e esta falta de sentimento de dever, agravam as já tão gritantes situações que vivemos em Moçambique.
Igualmente preocupante é esta silenciosa transferência de responsabilidades das organizações da sociedade civil e dos cidadãos para as plataformas e redes, que obviamente não nos representam a todos e em muitos casos excluem deliberadamente os mais “confusos”, os “radicais”, ou aqueles que simplesmente não aceitam processos fantoche.
Para onde ruma este país?
Inúmeros estudos e experiências, realizados um pouco por todo o mundo, demonstram que muitas das escolhas e apostas que Moçambique tem feito para assegurar desenvolvimento não são as mais viáveis. Por exemplo, apesar da agricultura camponesa ser, sem dúvida, mais social, ambiental e economicamente sustentável, a nossa aposta continua a recair no agronegócio e em todos os impactos negativos que este traz. Outro exemplo são os corredores de desenvolvimento, que como a própria denominação indica são meros corredores onde se produzem e extraem todo o tipo de comodidades e recursos, na sua maioria para exportação, alheios às necessidades internas, à soberania alimentar…
É incompreensível que perante tantas evidências dos sérios impactos que muitas destas apostas trazem, o nosso governo continue a insistir que este é o caminho.
A Jindal e a sua comunidade cercada é o caminho?
A Vale e a eterna luta dos oleiros por justa compensação é o caminho?
O cada vez maior número de hidroeléctricas projectadas para o Zambeze e Púnguè (em detrimento dum sistema energético descentralizado, assente em energias renováveis e que almeje soberania energética), é o caminho?
O Prosavana e a imensa contestação dos seus supostos beneficiários, é o caminho?
A ocupação de terra fértil, outrora destinada à produção de alimentos, por plantações de pinheiros e eucaliptos da Portucel e Green Resources (num país onde o número de analfabetos continua a crescer) é o caminho? Num país com um índice de desnutrição infantil tão elevado como o nosso, compensará de facto utilizar a nossa terra fértil para “plantar papel” e deixá-lo competir directamente com a nossa produção de alimentos em troca de alguns postos de trabalho?
Estas e outras tantas escolhas, apesar de contestadas, avançam… Avançam enquanto protestamos em silêncio. Pois enquanto nos indignamos e nos recusamos a participar nessas tomadas de decisão (convictos de que não nos afectarão), elas vão sendo tomadas sem nós, supostamente por nós. Indiferentes, permitimos que, em nosso nome, escolhas lastimáveis e que comprometem o nosso futuro e o das gerações vindouras vão sendo feitas.