Energia tecnológica vs Energia de commodities
A mudança é sempre difícil. Qualquer sistema que estejamos a tentar mudar, evoluiu, adaptou e solidificou o seu comportamento, visão, tendências, maus hábitos e muito mais ao ponto da dependência cega. Quão mais complexo o sistema, mais ligações, tentáculos e raízes existem a trabalhar para manter as coisas como estão.
Isso torna difícil imaginar como um novo sistema poderia funcionar, mesmo que as nossas organizações estejam comprometidas com uma mudança de sistema face às múltiplas crises. Especialmente em virtude da cada vez maior especialização e compartimentação do nosso actual sistema global, as mudanças ficam atoladas. Toda a vez que olhamos para um novo e melhor subcomponente do sistema, notamos que ele não se encaixa bem com os outros componentes mais antigos e julgamo-lo insustentável, não competitivo, etc. O problema reside no facto de nos concentrarmos em melhorar o sistema existente em vez de desenvolvermos uma nova forma de alcançar um objectivo antigo.
Examinaremos como isso funciona no sector de energia, bem como a visão de um futuro livre de carbono no meio da crise climática global. Devido à extensão e diversidade das questões, abordaremos isso numa série de artigos nos próximos meses, mas para este artigo, gostaríamos de explorar as noções de “energia tecnológica” e “energia de commodities” e o mundo de diferenças entre elas.
Em grande parte, os operadores vêem a energia como energia, e comercializam-na sem distinção. Em geral, a maioria dos especialistas em energia vem de um background de commodities e, à medida que a energia alternativa, limpa e tecnológica começou a aparecer, eles apenas a adicionaram à lista de opções para alcançar os seus objectivos energéticos. Este foi e continua a ser um grande erro, porque a economia destes dois tipos de energia é muito diferente e lidar de forma adequada com os obstáculos, projecções, viabilidade, crescimento e avaliações gerais de cada um deles, requer habilidades muito diferentes.
Para explorar essas diferenças, usaremos os exemplos da energia solar (energia tecnológica) e do petróleo (energia de commodities). Um painel solar foto-voltaico (FV) é, em termos simples, um conjunto de circuitos eléctricos embutidos numa placa de silício, uma descrição que também poderia ser usada para definir um chip de computador, de tal forma que, por vezes, os fabricantes de painéis (equivocadamente) os definiam como “semicondutores”. No entanto, apesar do uso desta definição para ambos falhar por ser simplista, o uso do mesmo modelo económico para ambos faz sentido, porque os painéis solares PV e os chips de computador se comportam de maneiras similares economicamente, daí nosso uso do termo “energia tecnológica”. Para destacar esta realidade, veja o Gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1: Custos da Potência de Processamento de Computadores, Electricidade Solar PV e do Preço do barril de Petróleo, 1976-2014 (G.Jabusch 2015)
É notória a similaridade dos drásticos declínios de preço ao longo de 4 décadas do custo por Watt da energia solar FV (linha verde) e do custo por GigaFLOP da potência de processamento de computadores (linha azul). Esse declínio é impulsionado pela crescente demanda por novas tecnologias, pela sua massificação em escala e pelo permanente avanço da fronteira tecnológica.
Em comparação, o petróleo segue o padrão usual das commodities, cujo preço flutua de acordo com factores de demanda e oferta. Apesar do gráfico 1 mostrar que o custo da energia solar FV diminuiu 170 vezes, quando comparada com o petróleo, a energia solar melhorou sua base de custos em 5.355 vezes em relação a este desde 1970 (T. Seba). O petróleo fica caro quando as economias estão a crescer, mas a energia solar FV diminui devido à sua sensibilidade à demanda/ espansão e à sua independência de um recurso finito como o petróleo, que precisa de ser extraído do solo. A energia solar FV também é menos dependente geograficamente e, portanto, é mais resistente ao risco geopolítico, cuja ameaça aumentará ainda mais quando os impactos das mudanças climáticas começarem a causar mais migrações, escassez de água, perda de terra e falhas ecológicas.
Na verdade, a tecnologia é tão sensível à demanda e à expansão que, regra geral, torna-se mais barata ao longo do tempo. Os outros factores que fazem com que as commodities flutuem geralmente afectam a taxa de declínio das tecnologias, mas a diminuição é certa. Imagine os benefícios para a economia global se se pudesse aplicar essa dinâmica de custo da tecnologia à energia. Quão mais energia de commodities usamos, mais cara esta se torna, colocando sempre um peso no crescimento, mas a energia tecnológica fica mais barata quanto mais a usamos.
Depois, há os custos inevitáveis de uma energia de commodities como o petróleo. O petróleo custa muito para explorar, custa muito para extrair, custa muito para refinar, custa muito para transportar e se você considerar a lista interminável de impactos a todos os níveis, custa muito para consumir. Em 2014, o mundo teve um dos níveis mais baixos de novas descobertas de combustíveis fósseis da história recente (menos de 5 meses de consumo global), mas teve o custo mais alto para o desenvolvimento de novos aprovisionamentos de petróleo (quase 700 bilhões de dólares). Estes custos não só aumentam constantemente gerando rendimentos cada vez menores – independentemente do preço do barril e nas bombas ser baixo ou alto – mas esses custos são transferidos para todos nós de várias maneiras, como subsídios governamentais, custos de saúde, custos ecológicos e mudanças climáticas.
Por exemplo, em 2013 por cada USD $1 que qualquer um dos 20 maiores produtores mundiais de petróleo e gás investiu na nova exploração de combustíveis fósseis, mais de USD $2 foram subsidiados pelos governos do G-20. No total, o G-20 fornece USD $452 bilhões por ano em subsídios à produção de combustíveis fósseis, o que é quase 4 vezes o que o mundo INTEIRO oferece em subsídios para renováveis (USD $121 bilhões). Podemos pensar que é apenas uma tendência de país rico, mas não, na África subsaariana, os subsídios à energia (especialmente o petróleo, mas também o carvão e o gás) consomem em média cerca de 5% do nosso PIB (FMI). Aqui, em Moçambique, pagamos 1% -1,5% do nosso PIB apenas pelos subsídios de gasolina e diesel e durante a recente crise económica, a nossa dívida de combustível aumentou em USD $7 a $10 milhões de dólares por mês (FMI). Apenas para colocar essa despesa em perspectiva, a nível africano, a percentagem do PIB que vai para a saúde é em média de 6% com base nos dados de 2013 para 51 países africanos.
Um facto adicional interessante relacionado à saúde, é que o custo estimado dos impactos dos combustíveis fósseis na saúde, não só não é coberto pelo sector de combustíveis fósseis, mas é uma grande parte do custo nacional de saúde de muitos países. Nos EUA, 1/3 dos custos do sector de saúde são atribuidos à queima de combustíveis fósseis (USD $9000/ pessoa/ ano, totalizando quase USD $900 bilhões) e em todo o mundo 30 a 40% das mortes são devidas à poluição (A.Lightman 2014). Na Europa, calculou-se que o custo de saúde da queima de carvão é de nada mais nada menos do que 42,8 bilhões de euros por ano (Heal 2013) e quando tomamos em consideração que as mais sujas usinas eléctricas, parques industriais, minas, etc. estão no sul global, só podemos imaginar a escala dos seus impactos na saúde e custos associados. No entanto, vamos cobrir o verdadeiro custo dos combustíveis fósseis num futuro artigo sobre a questão, incluindo a perda de ecossistemas, mudanças climáticas e muito mais.
Toda essa informação não é nova ou desconhecida para a nossa elite política, ou pelo menos não deveria ser. A verdade sobre o assunto é que a transição foi lenta porque o sistema não quer que ela aconteça. A pesquisa mostra que o maior obstáculo para o sucesso da energia limpa é a falta de vontade política e políticas adequadas, não é a tecnologia, nem os custos e nem a economia. Outra questão é que muitas vezes ouvimos pessoas discutir como consertar o sistema, o problema é que não há nada a consertar. O sistema capitalista e um dos seus pilares fundadores “os combustíveis fósseis” vem trabalhando da maneira como foi projectado e de forma muito eficiente em benefício de um pequeno grupo de elites. Não podemos esquecer o facto de que “apenas 8 homens possuem a mesma riqueza da metade do mundo” (relatório de Oxfam em 2017). Então, quando ouvimos as desculpas de que a energia solar é muito dispendiosa, não competitiva, não é confiável, não pode lidar com a grande demanda, etc, etc., por favor entenda que a pessoa ou não fez o seu trabalho de casa, ou adquiriu interesses em combustíveis fósseis, ou veio de um contexto energético de commodities da economia. No caso do último, podemos simpatizar, porque de relance, também nós subestimamos o poder da economia baseada na tecnologia.
Lembramo-nos de quando a rede celular estava a começar em Moçambique, simplesmente não conseguíamos entender como funcionaria, dado o custo super-alto para a instalação da rede, o custo dos telefonemas e o custo extremamente alto dos celulares, etc. Especialmente num país pobre como Moçambique, com um pequeno grupo de elites. O mercado parecia muito pequeno, mas quando soubemos que a estratégia também estava focada na população urbana de renda mais baixa e mesmo nas áreas rurais, ficamos ainda mais confusos sobre como poderia ser sustentável. Felizmente, aprendemos com um amigo que era um especialista em telecomunicações e tinha uma boa compreensão de como a economia baseada em tecnologia funciona, e quando essa pessoa nos explicou passo a passo, foi incrível entender como esses obstáculos seriam superados e foi a primeira vez que nos tornamos conscientes de quão sensíveis as economias baseadas em tecnologia são em relação ao aumento de demanda, à expansão maciça e aos avanços tecnológicos.
Para que a energia alternativa limpa tenha sucesso, precisamos que as pessoas tenham o conhecimento económico correcto em relação às diferenças únicas que a energia baseada em tecnologia traz, e se continuarmos a usar os especialistas que vêm de mentalidade suja e baseada em commodities, continuaremos a atrasar, a um custo enorme, a inevitabilidade e a necessidade de um futuro livre de carbono. Entendemos que o uso da palavra inevitável pode parecer forte para alguns, mas na verdade não é.
À medida que o custo da energia solar continua a diminuir, ela ganhará partes do mercado dos combustíveis fósseis. Em 42 das 50 maiores cidades dos EUA, a energia solar já é mais barata que a eletricidade da rede eléctrica (G. Jabusch 2015). O custo mais alto para menores retornos da exploração e extracção de novas reservas fósseis, a pressão para mitigar as mudanças climáticas, a diminuição dos subsídios e a absorção do custo associado aos numerosos impactos causados pelos combustíveis fósseis, entre outras, são todas tendências que estão a ganhar apoio, e essas pressões irão mais cedo ou mais tarde estrangular esse monstro chamado combustíveis fósseis. Vamos ser humanos, dar a este monstro uma morte rápida e passar para um novo sistema de energia limpa, mas desta vez temos de ser também socialmente justos. Um tópico que abordaremos detalhadamente num dos nossos próximos artigos da nossa série sobre Boa Energia.