O polémico programa Prosavana parece estar uma vez mais em processo de reanimação, após algumas especulações de que não iria avançar devido ao imenso “barulho” à sua volta. Infelizmente, o nosso governo e os seus comparsas da JICA são bastante persistentes e, apesar dos inúmeros protestos, cartas abertas, declarações conjuntas e processos de queixa e reclamação, pretendem uma vez mais avançar com o programa sem salvaguardar as demandas e preocupações daqueles que são os supostos beneficiários deste programa: os camponeses e o povo moçambicano.
Ponto de partida para esta nova investida do governo, recebemos em finais de Março um convite do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar para um encontro a ter lugar dia 4 de Abril sob o tema: “Ponto de Situação do Prosavana”. O texto do convite fora formulado com algum cuidado, tentando incluir os mais críticos ao programa, listando alguns dos inúmeros documentos por si produzidos como se estes fossem de alguma forma alimentar a discussão, e procurando levar-nos a acreditar que, de facto, se pretendia um encontro honesto e aberto onde pudéssemos discutir as enormes e inúmeras falhas deste programa, da sua concepção até aos seus objectivos. Por um muito breve momento tivemos fé na iniciativa, mas ao virarmos a página e olharmos para a agenda do encontro, verificámos que era apenas mais uma reunião para legitimar e avançar com o programa. Senão vejamos, que discussão transparente e produtiva poderíamos ter sobre este programa em apenas 30 minutos, tendo em conta que até ao momento não houve diálogo algum, apenas encontros onde a coordenação do Prosavana se limitou a apresentar e promover o programa como “o que Moçambique precisa” e “o que os camponeses e camponesas querem, pese embora, talvez por falhas na comunicação, não se tenham apercebido ainda…”?
A Campanha Não ao Prosavana agradeceu o convite e o esforço em tentar fazer parecer que de facto se pretendia discutir seriamente o programa, mas não participou do encontro. Não podemos continuar a permitir que, pelo simples facto de sentarmos à mesa e assinarmos a lista de presenças, digam que houve participação. Não podemos continuar a dar assim o nosso aval ao avanço deste programa.
De um lado, temos o governo a insistir que o Prosavana é a solução para a agricultura familiar no Corredor de Nacala; e do outro, alguns de nós a insistir que qualquer programa de “desenvolvimento” agrícola deve ser construído da base para o topo – ou seja, dos camponeses para os gabinetes e não ao contrário – e que este programa representa um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e na produção intensiva em larga escala, e está longe de responder às nossas demandas e necessidades.
A III Conferência Triangular dos Povos, que decorreu em Maputo a 24 e 25 de Outubro, reiterou o “Não ao Prosavana” e produziu inclusive uma declaração sobre a matéria que foi partilhada com as instituições relevantes e que insistem neste programa. A coordenação do Programa Prosavana esteve presente neste encontro. Viu e ouviu as inúmeras intervenções críticas ao programa e aos métodos utilizados para persuadir a sociedade civil; e ouviu, mais uma vez, os camponeses afirmarem que não querem este programa e explicarem porquê. Talvez não tenham percebido bem quando vários camponeses se levantaram e disseram “Não Não Não ao Prosavana”. Talvez não tenham percebido o conteúdo da declaração que resultou deste encontro. Talvez não tenham percebido a dimensão deste NÃO!
Como é possível que, perante tantas e tão explícitas contestações ao programa, ainda pretendam avançar com o mesmo? Há, de facto, graves falhas na comunicação. Será que passados 5 anos ainda não conseguiram perceber que o que nos propõem não é diálogo mas imposição? Será que acham que não sabemos que o seu objectivo é demonstrar à JICA que há um mecanismo de diálogo, que de tão exemplar que é até já conseguiu incluir a Campanha? Temos pleno conhecimento que a sociedade civil japonesa, articulada na Campanha Não ao Prosavana, tem estado em diálogo com o seu governo através do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros e da JICA para parar este programa, e que a condição para este avançar é assegurar o diálogo.
Acreditamos que continuar a insistir neste programa, que já foi analisado, dissecado e altamente criticado, não será de todo produtivo e não levará a consenso algum. Estamos em polos opostos neste debate, pois acreditamos que o agronegócio e a produção intensiva não são a solução para a agricultura em Moçambique ou em lado algum. E felizmente não estamos sozinhos, cada vez mais estudos demonstram que a agricultura diversificada, em pequena escala com recurso a fertilizantes e herbicidas orgânicos é a solução mais viável para alcançar a soberania alimentar assegurando a sustentabilidade ambiental, e não o agronegócio em larga escala. É urgente que o governo tome medidas concretas para apoiar seriamente o sector agrícola e a classe camponesa, mas que estas medidas sejam definidas em conjunto e não impostas.
Quanto ao Prosavana, gostaríamos de saber quanto dinheiro foi gasto até ao momento na insistência cega e surda neste programa? Quantos milhões já foram esbanjados em consultorias sem fim para mapear a sociedade civil? Para desenhar estratégias de como criar mecanismos de diálogo fantoches para a JICA poder justificar aos nossos companheiros da sociedade civil japonesa que só está a ajudar o desgraçado do povo moçambicano? Para custear viagens e reuniões improdutivas de 1 hora que servem somente para se convencerem a si mesmos que o Prosavana é o programa de que necessitamos? Quanto dinheiro já foi gasto neste programa? E quanto dinheiro é gasto actualmente para apoiar a classe camponesa?
Não basta afirmar que a agricultura camponesa não produz o suficiente! Não basta afirmar que a agricultura camponesa é a principal responsável pela desflorestação no país, não basta culpabilizar! É preciso entender porque não produz mais, e é fundamental questionar “produzir mais para quê?” Para ficar a apodrecer por falta de vias de escoamento ou porque é mais caro que o produto importado? A agricultura camponesa precisa de apoio sério, não de discursos vazios e programas importados que irão beneficiar meia dúzia de moçambicanos apenas!
Temos consciência que, visto ter sido recentemente empossado e considerando a dimensão do desafio que aceitou ao assumir o cargo, o Sr. Ministro poderá não saber ainda o historial deste processo, e como tal, lamentamos que possa ter apenas a versão mais conveniente desta resistência ao Prosavana. Manifestamos desde já a nossa abertura para expôr os nossos argumentos para que possa melhor perceber a decisão da Campanha Não ao Prosavana de não participar do encontro e os fundamentos que nos levam a contestar o Prosavana.
Não ao Prosavana.