
A organização Moçambicana Justiça Ambiental (JA!) entregou na última quarta-feira (21 de Dezembro) uma petição com mais de duas mil e seiscentas assinaturas de cidadãs e cidadãos Moçambicanos para exigir que se trave imediatamente o avanço do controverso projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, proposta para o Rio Zambeze.
Os termos em que foi concebido, e nos quais tem avançado, o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa não vai de acordo com os objectivos fundamentais do Estado Moçambicano consagrados no artigo 11o da Constituição da República, sobretudo no que respeita os direitos humanos e o desenvolvimento equilibrado. Além do mais, este projecto acarreta elevadíssimos riscos ambientais, ecossistémicos, climáticos, sísmicos, sociais e económicos, que ainda não foram devidamente avaliados e estudados pelo governo de Moçambique. Não obstante estes riscos, e os inúmeros pedidos de esclarecimento e de informação enviados pela Justiça Ambiental ao governo e ao Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK), o projecto tem estado a avançar, nesta sua nova fase, desde 2018, de forma acelerada e sem o devido escrutínio público.
Além do mais, o projecto está ainda em violação dos artigos 21º, 22º e 24º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que estabelecem o direito dos povos à livre disposição, proibição de privação do uso de recursos naturais; direito à escolha do modelo de desenvolvimento económico, social e cultural no respeito estrito de suas liberdades e identidade; e direito a um ambinte equilibrado e propício ao seu desenvolvimento.
Importa referir que, embora o projecto esteja a avançar nesta nova etapa há 4 (quatro) anos, ainda não foi realizada nenhuma consulta pública deste projecto, nem nenhuma consulta com as comunidades locais que serão directa e indirectamente afectadas pelo mesmo. Isto está em clara violação de várias directrizes e princípios assumidos pelo país a respeito da protecção e promoção do direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI).
Os mais de 2.600 Moçambicanos e Moçambicanas exigem, com esta petição, que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo e que o governo de Moçambique esclareça cabalmente os contornos, objectivos e racional por detrás deste projecto “prioritário”, incluindo:
• De onde vem o investimento e qual a contrapartida?
• Por que é que este projecto é uma prioridade para o País, tendo em conta os nossos níveis
de pobreza e desigualdade; que milhares de crianças não têm lugar na escola, e que ainda
não há serviços de saúde adequados para todos?
• A que se deve a insistência neste projecto, que já foi abandonado tantas vezes? Que outros
interesses existem por detrás de um projecto desta envergadura?
• Foram equacionadas outras alternativas energéticas? Se sim, quais?
• Quem será responsável por indemnizar as comunidades que vivem há 20 anos com o seu
futuro hipotecado, sem poder investir na sua comunidade e em infra-estruturas
necessárias, por medo de perderem os seus investimentos, uma vez que em 2000 foram
aconselhadas pelo governo a não construir nenhuma nova infraestrutura?
• Qual o real propósito da barragem e que hipotéticas mais-valias julgam que traria para o
País a curto e longo prazo, incluindo como planeiam rentabilizá-la?
Exigimos também a elaboração de estudos cientificamente válidos e imparciais que respondam a todas estas questões levantadas desde a aprovacao do estudo de impacto ambiental em 2011 como:
• A indefinição sobre o regime de fluxo em que a barragem irá operar (base-load ou mid-
merit);
• A indefinição sobre a área escolhida para reassentamento das comunidades directamente
afectadas;
• A pobre análise de sedimentos elaborada com dados insuficientes, que não permite uma
análise científica válida;
• A fraca análise sismológica, sem dados concretos e com resultados e conclusões que
contrariam outros estudos de especialistas de renome;
• A fraca análise aos potenciais impactos das mudanças climáticas e mudanças na demanda
de água a montante da barragem, que irá afectar a viabilidade económica do projecto;
• O facto de não terem sido consideradas e tampouco seguidas as directrizes da Comissão
Mundial de Barragens, particularmente no que se refere aos direitos e justiça sociais e
ambientais, entre outras;
• As alternativas energéticas viáveis para o país, comparando e analisando os benefícios e
impactos de cada uma;
• A forma como o projecto irá garantir que os benefícios gerados não serão apropriados por uma pequena elite política e económica nacional, e pelas grandes companhias ransnacionais.
Exigimos ainda que se promova um diálogo aberto, inclusivo e profundo em torno de soluções energéticas limpas, justas e acessíveis a todos os Moçambicanos e Moçambicanas, de forma a enveredarmos por um desenvolvimento sustentável que garanta a protecção dos importantes ecossistemas que garantem a vida no planeta.
A Justiça Ambiental apela ainda que este assunto seja tratado em carácter de urgência, tendo em conta o crescente e preocupante cenário de intimidação e ameaças que temos observado no contexto do nosso trabalho no Distrito de Marara, incluindo acusações de terrorismo, exigência de “autorização para trabalhar no local”, e indicação de que as comunidades locais não devem receber capacitações legais sobre os seus direitos ou informações sobre os impactos das barragens. Vários membros das comunidades que terão de ser reassentadas para dar lugar a este megaprojecto também têm reportado ameaças, intimidações e ‘avisos’ para que não se pronunciem contra o projecto.
Além das assinaturas recolhidas no Distrito de Marara, na Cidade de Maputo e um pouco por todo o país, mais de 70 organizações não-governamentais nacionais, regionais e internacionais assinaram também a petição em formato online, em solidariedade.
É hora de dizermos BASTA a um modelo de desenvolvimento que enriquece as nossas elites e as grandes empresas transnacionais, às custas da maioria da população e da natureza. Vamos juntos exigir projectos de energia limpa, descentralizada e que beneficie o povo Moçambicano!
Leia o texto integral da petição na página da Justiça Ambiental: https://justica-ambiental.org/2020/12/16/salve-o-rio-zambeze-da-barragem-de-mphanda-nkuwa/
#MphandaNkuwaNão