A Maldição dos Mega projectos

Rio Zambeze Tete.Jpeg

Em Moçambique, o ano de 2016 ficou marcado pelo escândalo das dívidas ilegais – EMATUM, MAM e Proindicus – que, uma atrás da outra, fizeram cair drasticamente o Metical e aumentaram vertiginosamente o custo de vida dos moçambicanos. Como se já não bastassem os problemas políticos e o estado de guerra não declarada em que já vivíamos, só faltava mesmo descobrirmos que o País está hipotecado… Assim, convictos que – envolta na impunidade de sempre – em Moçambique a corrupção ao mais alto nível prospera; e absolutamente cépticos quanto a uma competente e exaustiva investigação e efectiva responsabilização dos culpados pela dita hipoteca do País, entrámos em 2017 muito preocupados e muito pouco esperançosos.

Nos últimos anos, temos feito os possíveis por explicar que a nossa maior preocupação, o nosso maior receio para o futuro, é que os nossos governantes continuem a vender o País a grosso, – displicentemente e sem critério (na melhor das hipóteses) – a multinacionais cujos mega projectos não só não servem o povo moçambicano, lesam-no sobremaneira. Lesam-no directamente, quando impactam na vida de milhares de pessoas, que são desapropriadas de suas terras e modos de vida, vigarizadas e abandonadas à sua sorte, ou sujeitas a viver em condições insalubres ou mesmo desumanas; e indirectamente, porque o somatório das consequências sociais, ambientais e políticas do “desenvolvimento” que esses mega projectos – agrícolas, mineiros, hidroeléctricos, etc. – trazem, excede largamente os parcos benefícios económicos que a nossa crónica “falta de poder de negociação” garante ao País.

Mas esta história não é nova nem é nossa. Várias publicações, de várias organizações, estão cansadas de alertar e denunciar os inúmeros problemas que os mega investimentos estrangeiros trazem a Moçambique. O Centro de Integridade Pública, a título de exemplo, é responsável por algumas das mais pertinentes análises às negociatas e contratos (os poucos que vão sendo tornados públicos) travados entre esses investidores e o nosso governo. Esses contratos, fracos e frequentemente lesivos ao Estado, aliados à incapacidade do Aparelho de Estado em fazer valer as nossas leis, a reassentamentos injustos e inadequados e à facilidade com que – com o conluio dos nossos governantes – esses investidores estrangeiros usurpam inescrupulosamente terra camponesa, fazem do investimento estrangeiro em Moçambique uma calamidade socioeconómica.

Mas como uma criança inconsequente, parecemos não estar interessados em aprender. Com o novo ano, lamentavelmente, do norte do país chegaram novos mega contratos para extracção de recursos minerais, firmados com alguns dos mais célebres e cadastrados poluidores do planeta, companhias como a Shell ou a ExxomMobil, responsáveis por desastres ambientais de proporções épicas – como aconteceu, entre tantos outros sítios, na Nigéria e no Alasca – e por vergonhosas campanhas de desinformação.

Da mesma forma, um pouco por todo o país, os planos estapafúrdios de “rentabilizar” o potencial hídrico do país com um arsenal de hidroeléctricas – sendo que a maioria da energia que se pretende produzir será destinada a exportação e não a suprir as casas dos milhões de moçambicanos que continuam a viver à luz do xipefo – mantêm-se bem vivos e alheios à razão e à ciência, que indicam sistemas energéticos descentralizados e renováveis como a energia solar e eólica como soluções mais justas, adequadas, seguras e até mais baratas. Só no Rio Zambeze, os planos do nosso executivo contemplam expandir Cahora Bassa e construir Mphanda Nkuwa, Lupata e Boroma. Se todas estas barragens forem construídas no Zambeze, não temos dúvidas que tal será o seu fim, do seu ecossistema e de milhares de comunidades cuja subsistência depende do rio. Além destes 4 projectos no Zambeze, há ainda Lúrio e Alto Malema em Nampula, e Pavua, no Rio Púnguè, em Sofala. Pavua – a mais recente adição à lista – afigura-se desde já (apesar de ainda sabermos muito pouco sobre o projecto) como um atentado ambiental de proporções bíblicas, pura e simplesmente porque (de acordo com o seu Background Information Document) terá um paredão de 115 metros de altura por 950 metros de comprimento! (E para gerar somente 120 MW!)

Mphanda 2.jpeg

Para quê tantas barragens? Estaremos a equacionar adequadamente os seus potenciais impactos sobre as nossas gentes? Sobre o uso e gestão de água no território tomando em conta variáveis como aquelas esperadas face às mudanças climáticas? Considerámos seriamente a viabilidade de outras alternativas? Estamos certos que não.

Parece-nos evidente que – ou por ganância de quem trava essas negociatas e delas se beneficia e/ou por falta de linhas directrizes claras (ou vontade de as seguir) – a moda do mega investimento estrangeiro continua a ser inventar “soluções” rentáveis para poucos, em vez de providenciar soluções efectivas para todos, perpetuando assim um modus operandi em que a urgente necessidade é repetidamente usada para justificar o investimento possível, ao invés do investimento ser solicitado para suprir cabalmente a necessidade identificada.

Estamos a ficar sem tempo para corrigir os danos que estamos a infligir ao nosso meio ambiente (e assim a nós próprios)… podíamos ao menos parar de contribuir para o problema.

One thought on “A Maldição dos Mega projectos

  1. Aqui é a Amanda da Silva, gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.

    Visite meu site lá tem muito conteúdo, que vai lhe ajudar.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

%d bloggers gostam disto: