Category Archives: Carvão

7 Perguntas a Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental

Ticha

Antes de mais, como foi 2018 para a Justiça Ambiental? Fale-nos do que marcou o vosso ano, pela positiva e pela negativa. 

Pela negativa, destaco as frustrantes decisões de desenvolvimento do nosso governo; o apertar do cerco ao espaço da sociedade civil; as constantes ameaças de que somos alvo fruto das nossas posições; o antagonismo entre algumas organizações da sociedade civil; a postura do governo – que prefere tratar como inimigos todos que questionam ou discordam das suas decisões, em vez de nos tratar como parceiros com ideias diferentes; o regresso do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa; e a captura das nossas florestas pelo Banco Mundial; entre outros.

Pela positiva, destaco em primeiro plano a nossa escola de Justiça Ambiental em Nampula e a escola agroflorestal no monte Mabu, na Zambézia, que valeram, acima de tudo, pela satisfação de ver o interesse e o envolvimento dos participantes. Destaco também que os nossos Tribunais tenham finalmente ordenado a Jindal a realocar as comunidades que ainda vivem dentro da mina e deliberado que a Mozal passe a divulgar os seus planos ambientais e as suas emissões – mesmo que até à data não tenhamos recebido qualquer informação e apesar da Mozal ter recorrido da decisão. Destaco ainda o lançamento do nosso pequeno documentário sobre o gás e os avanços alcançados pela campanha internacional de que fazemos parte, cujo fim é a elaboração de um tratado para acabar com a impunidade corporativa.

Resumidamente, acho que este ano conseguimos fincar as nossas posições, consolidar as nossas campanhas e manter-nos firmes nesta luta para garantir o futuro deste planeta e por um Moçambique justo e soberano, para os nossos filhos, netos, bisnetos e todas as gerações vindouras – o que, tomando em conta as adversidades que enfrentamos e o contexto em que trabalhamos, é sem dúvida uma victória.

 

E como acha que foi 2018 para o país? O que teve de melhor e de pior?

De melhor: a ordem dos advogados estar a defender os direitos das comunidades; o caso do DUAT da anadarko ser considerado ilegal; a continuação da proibição de exploração das madeiras Pau-ferro, Mondzo, Nkula, Inhamarre e Mbuti.

De pior: os aumentos na energia, combustíveis… no custo de vida em geral; a impunidade concedida aos responsáveis pelas “dívidas ocultas”, a impunidade concedida aos autores de recorrentes violações dos direitos básicos das comunidades rurais; a impunidade concedida a empresas internacionais em prol de interesses económicos; o aumento da pobreza; os conflitos em Cabo Delgado; as isenções fiscais e outras regalias concedidas às companhias que vão investir no gás; as inconsequentes “mexidas” na legislação para melhor acomodar investimentos estrangeiros; as eleições autárquicas.

 

O que pensa a Justiça Ambiental da intenção do governo de alavancar a economia nacional com os projectos de gás da bacia do Rovuma (inclusive da sua intenção de usar eventuais dividendos para amortizar as dívidas do país)?

Uma decisão errada – como o carvão, as plantações de monoculturas exóticas em lugar das nossas florestas, as dívidas ilegais – entre muitas outras. Os contractos feitos com as companhias, não vão resultar em dividendos alguns nos primeiros 30 anos, e depois disso sabe-se lá o que acontecerá… É uma ilusão acreditar que os dividendos vão pagar a dívida. Os impactos ambientais e sociais da exploração do gás serão irreversíveis, e o que perdermos, será para sempre: falo de ecossistemas únicos e que mantêm o equilíbrio ambiental. Não há negócio ou dinheiro algum que pague essa perda.

Em termos sociais, a perda ou roubo de terras às comunidades pesqueiras e camponesas, equivale à perda de meios de subsistência, de vida e de direitos dessas comunidades, aumentará a sua pobreza, resultará no diminuir do seu nível de escolaridade, piorará o seu acesso à saúde e atentará aos seus direitos básicos.

Por outro lado, continuamos a focar-nos quase que exclusivamente na indústria extrativa como via de desenvolvimento, em vez de diversificarmos a nossa economia. Como muitos outros países africanos e do chamado Sul Global, continuamos a seguir o caminho da maldição dos recursos. Será que não deveríamos aprender com os outros e ser mais sábios? Se fizéssemos as escolhas certas – como investir na educação, na saúde, nas energias renováveis e descentralizadas, no apoio à agroecologia camponesa, na descentralização dos processos de produção, em conservar as nossas florestas e recursos hídricos – poderíamos ser um exemplo em África. Mas não. Não estamos interessados em soberania energética, alimentar, económica e política.

 

Uma das críticas mais recorrentes que a JA faz em seus artigos de opinião é à apatia da sociedade civil moçambicana. Acha que essa crítica está a surtir algum efeito? Acha que os moçambicanos estão a “acordar”?

Espero que sim, porque só questionando o nosso governo e as suas decisões é que poderemos viver num país livre e transparente, em que as decisões do tal de “desenvolvimento” não sejam impostas por uma minoria, e totalmente alheias ao que o povo moçambicano realmente quer. Como diz o velho ditado: “Nada para nós, sem nós”.

Para aqueles que fazem parte da pequena elite de privilegiados, está tudo bem. Afinal, são eles os grandes responsáveis pela situação actual do País.

Abaixo deles, os pequenos burgueses, fazem tudo para manter os seus privilégios, e como tal, não querem saber. Não lhes interessa a mudança. Como os três macacos sábios, não veem, não ouvem e não falam. Não estão interessados em resolver qualquer problema ou injustiça. Não acredito que esses possam deixar de viver na apatia.

Sobre os restantes, tenho plena consciência que existe muito medo de falar em certos assuntos. Medo que algo possa acontecer, ou medo que marcar uma posição possa simplesmente parecer mal. Para mim, esse medo é simples cobardia. Todo o cidadão deve pronunciar-se quando perante uma injustiça, porque quem cala consente. Penso o mesmo sobre os activistas que evitam entrevistas, ou assinar petições, mesmo concordando, por medo de represálias. Ceder ao medo só piora a situação.

Mas a luz ao fundo do túnel continua a brilhar. Hoje vejo muitos jovens mais abertos, mais interessados nos problemas ambientais e sociais, mais lúcidos em termos de valores. Exemplo disso foi a reação e a solidariedade de muitos deles face à noticia sobre a prisão do jornalista Estacio Valoi e outros, em Palma.

Não nos podemos calar quando nos deparamos com injustiças, só assim poderemos acabar com elas.

 

Há quem teorize que o desacelerar da economia nos últimos anos, abrandou também a corrida à nossa terra. O que acha desta teoria e qual o ponto de situação de casos como o ProSavana, a Portucel ou a Green Resources?

A corrida à nossa terra continua porque a nossa terra é dada de mão beijada a investidores estrangeiros. Poucos países “doam” terra como o nosso: usurpando-a a quem de direito lá vive – seja por meio de falsas promessas ou simplesmente à força. O Prosavana ilustra precisamente isso, pois apesar da vasta maioria dos afectados ser contra o programa, o governo mostra-se incapaz de tomar uma posição consonante com a vontade do povo. O mesmo acontece com as várias plantações florestais país a fora, que só têm trazido conflitos e mais pobreza para o camponeses, enquanto os nossos governantes continuam a ignorá-los e a dar mais terra a companhias que estão constantemente a violar os direitos das comunidades directamente afectadas.

 

As companhias transnacionais e o investimento directo estrangeiro são vistos, frequentemente, por países como Moçambique, como “messias económicos”. Qual é a sua opinião em relação a esta política de desenvolvimento?

Uma ilusão. As transnacionais não vêm ajudar o país. Vêm sim, enriquecer-se mais à custa dos nossos recursos, e vêm ajudar a enriquecer mais ainda a nossa já privilegiada elite. E quando os recursos terminarem – porque tanto o petróleo, como o gás, o carvão, e outros, não são recursos renováveis – vamos ficar com um país ainda mais pobre, poluído, repleto de ecossistemas destruídos e com um povo sem terra. Entretanto, durante a sua exploração, vão violar constantemente os direitos humanos e os nossos bens comuns e destruir o nosso ambiente. Enquanto as companhias transnacionais continuarem a actuar com impunidade e a ter como prioridade o lucro em vez do bem estar dos seres humanos e seus bens comuns, não haverá “desenvolvimento” para Moçambique ou qualquer outro país.

 

Vocês são frequentemente rotulados de radicais ou contra o desenvolvimento. Acha que essa vossa postura poderá estar a melindrar a vossa relação com o Estado e a privar-vos de uma relação mais colaborativa e produtiva com este?

A título de esclarecimento, nós somos rotulados de “radicais” pura e simplesmente porque somos fiéis ao que acreditamos. Se achamos que algo está errado, não cruzamos os braços e aceitamo-lo. Isso não é ser radical, é ter ética. Para mais, acreditamos que as posições que assumimos em relação às várias questões com que trabalhamos, não têm nada de radical; antes pelo contrário, por serem pela vida e pela sobrevivência do planeta, as nossas posições deveriam ser vistas como absolutamente consensuais. Radical é colocar esses princípios em segundo plano.

Vivemos numa época de crises, como por exemplo a crise climática, que apesar de ser uma ameaça cientificamente incontestável à sobrevivência do planeta e das futuras gerações, continua a ser ignorada pela maioria dos países – que preferem continuar a enveredar por soluções falsas e distrações ao problema real, quando a solução para o problema é simples: parar com os combustíveis fósseis. Mas nós é que somos os “radicais”…

Por outro lado, os primeiros a levantarem as suas vozes contra a escravidão, contra a descriminação racial ou pela igualdade de direitos das mulheres, também foram considerados radicais. Talvez ser radical não seja assim tão mau. O tempo julgar-nos-á.

No nosso país, apesar dos nossos avisos e dos exemplos mundo a fora que apontam para o abandono de energias fósseis – cada vez mais obsoletas – como a opção sensata a tomar, depois do carvão chega agora a vez do gás…

Desenvolvimento? Olhem para Tete. Vejam “tudo” o que o carvão trouxe a Tete. Em 2004/5, nós os “radicais contra o desenvolvimento” fizemos a advertência e poucos acreditaram. Hoje, a maioria já começa a perceber o triste desfecho que se adivinha.

Onde está esse desenvolvimento de que tanto falaram?

Pior que isso, aparentemente não aprendemos nada, e o gás em Cabo Delgado é a prova disso.

Respondendo à sua pergunta, estamos cientes que a nossa postura incomoda muita gente. E infelizmente, na maioria dos casos, é efectivamente muito difícil ter uma relação colaborativa e produtiva com o nosso governo porque os nossos diferendos – por exemplo em relação às questões climáticas, às plantações de monoculturas exóticas, às escolhas de recursos energéticos, entre vários outros – são inconciliáveis. As escolhas do nosso governo nessas matérias são, em nossa opinião, fundamentalmente erradas e só virão agravar a crise climática; como tal, sentarmo-nos à mesma mesa para discutir ajustes não faz qualquer sentido. Sinceramente, isto entristece-nos; mas em alguns casos pontuais até conseguimos colaborar.

Resumidamente, não podemos dizer que estamos a desenvolver-nos quando a pobreza aumenta, a educação piora e o apoio à saúde é mínimo. O que se está a passar em Moçambique não é desenvolvimento, pois quando um país se desenvolve, a vida dos seus cidadãos melhora, e não é isso que está a acontecer.

 

Termina o Tribunal Permanente dos Povos da África Austral sobre Corporações Transnacionais

PPT poster JPEG.jpg

“Vêm aí os pretos pobres. Dispara!!” cantaram os membros da AMCU (Associação de Mineiros e Trabalhadores de Construção Civil da África do Sul), em lembrança do Massacre de Marikana de 2012, onde a polícia Sul-Africana disparou contra trabalhadores da mina que protestavam pelos seus direitos e por melhores condições de trabalho. Foi esta canção que abriu a terceira sessão do Tribunal Permanente dos Povos da África Austral sobre Corporações Transnacionais (TPP), em Johannesburg, no dia 9 de Novembro passado. Ao longo dos 3 dias deste Tribunal, foram recordados os 18 casos apresentados durante as duas sessões anteriores, em 2016 e 2017, e foi construída a estratégia pós-TPP no âmbito da Campanha pelo Direito a Dizer Não. De Moçambique, foram denunciados 4 casos ao TPP: o caso das comunidades afectadas pela VALE e seus reassentamentos desumanos; o caso das comunidades que ainda vivem dentro da concessão mineira da JINDAL sem qualquer reassentamento; o caso da proposta barragem de MPHANDA NKUWA e os impactos sócio-ambientais na região; e o caso do programa PROSAVANA, o grande esquema de usurpação de terra no Corredor de Nacala.

No primeiro dia do TPP, comunidades afectadas pela VALE em Tete e a JA! voltaram a denunciar a empresa brasileira ao painel de 8 jurados, trazendo novos elementos sobre as actividades da mineradora na região desde a última sessão do Tribunal, em Agosto do ano passado. Um dos principais acontecimentos deste período, relatado nesta sessão, foi a paralisação da mina por parte da comunidade de Bagamoyo em Outubro e Novembro, devido aos enormes impactos ambientais e na saúde das populações locais, e à falta de cumprimento das promessas feitas pela VALE. As manifestações pacíficas de Novembro foram recebidas com violência e repressão policial por parte das forças se segurança nacionais, que corriqueiramente surgem em defesa dos interesses da empresa. No TPP, foram também recordadas as péssimas condições em que se encontram as casas de reassentamento, com perigosas rachaduras; as pendências da empresa com os oleiros que ainda não foram devidamente indemnizados; e a fraca qualidade das terras alocadas às populações reassentadas que são impróprias para o cultivo.

P1280108

No segundo dia, foi a vez da empresa JINDAL estar debaixo dos holofotes. A JA! e um representante da comunidade de Cassoca, que ainda mora dentro da concessão mineira, apresentaram os últimos acontecimentos a respeito do caso levantado em 2016, na primeira sessão do TPP, na Suazilândia. Quatro anos depois do início das operações da empresa, 289 famílias ainda vivem dentro da concessão mineira à espera do reassentamento – o que é ilegal segundo a Lei Mineira e o Regulamento sobre Reassentamento em vigor no nosso país. Por esse motivo, a JA! iniciou um processo legal contra a empresa em 2014, que teve a sua primeira sentença favorável às comunidades em Agosto de 2018, concedendo um prazo de 6 meses à empresa indiana para efectuar o reassentamento destas famílias. A JA! afirmou considerar extremamente preocupante que tenhamos de lutar por 4 anos na justiça para fazer valer um direito já previsto pela lei, e acrescentou ainda que a batalha legal não terminará por aqui.

TICH9314.JPG

Ao final do segundo dia, foi a vez dos representantes das comunidades afectadas pela proposta barragem de MPHANDA NKUWA e a JA! denunciarem mais uma vez este mega-projecto ao painel de jurados. Este projecto, que parecia estar esquecido há alguns anos, voltou a entrar na agenda prioritária do governo Moçambicano, conforme anunciado pelo Presidente da República há poucos meses. Esta insistência num projecto bastante controverso, que além dos enormes impactos ambientais irá desalojar as comunidades locais e afectar os meios de subsistência de centenas de pessoas que dependem do rio para viver, continua a ser discutido pelos governantes do nosso país sem que seja dada qualquer satisfação às comunidades locais, que vivem há 18 anos na incerteza em relação ao seu futuro. A JA! aproveitou a ocasião para reiterar a importância do direito a dizer NÃO a projectos como o da Barragem de Mphanda Nkuwa, que em nada beneficiará a maioria dos Moçambicanos.

P1310601

O terceiro e último dia do Tribunal foi repleto de apresentações de especialistas e discussões em torno do Direito a Dizer Não, uma campanha que está a ser articulada a nível da África Austral e que tem como premissa básica o direito à escolha e a supremacia do direito das populações locais sobre qualquer projecto de investimento nas suas terras. Encerrou assim este processo de 3 anos do Tribunal Permanente dos Povos, o primeiro em África, onde comunidades afectadas e marginalizadas pela lei tiveram a oportunidade de contar as suas histórias de sofrimento e luta a um painel de especialistas, partilhar estratégias, e tecer teias de solidariedade com outros povos da África Austral. A luta continua, por diversas outras frentes, até que ponhamos um fim à impunidade corporativa e à pilhagem dos recursos naturais e dos povos de África!

Uma história inspiradora : A luta na Croácia contra uma usina de produção de energia a carvão

Usina

Numa tarde de verão, de forma descontraída e arrojada, – característica do pessoal da Acção Verde (Zelena Ackija) – encontrámo-nos na varanda do escritório para falarmos de uma das várias histórias inspiradoras que escutei durante a minha estadia na Croácia.

A história foi-me contada por Bernard Ivčić, que liderou a campanha contra a renovação e abertura de um terceiro bloco na central termoeléctrica a carvão de Plomin, na Croácia, a mais ou menos 200 km da capital, Zagreb. Uma luta antiga e actual ao mesmo tempo, uma demonstração de que não importa o tempo, importa a luta, importa a causa, importam as pessoas e o meio ambiente.

A história passa-se em Istria, onde desde 1969 que a comunidade partilha espaço com a usina Plomin “A”, com capacidade de geração de 120 MW. Porém, dado o crescimento da demanda, no ano 2000 foi construída mais uma central termoeléctrica – Plomin “B” – com capacidade para 210MW. No entanto, volvidos 11 anos, foi lançado em 2011 pela Hrvatska elektroprivreda (HEP) – a companhia nacional de produção de energia e outros serviços – o projecto para a central termoelétrica Plomin “C”, com o objectivo de aumentar a capacidade de produção de energia de modo a duplicar a oferta em todo o País.

Foi neste momento que entrou em cena a Zelena Ackija, que após empreender acções a nível comunitário com o apoio dos moradores da área, apresentou uma acção legal contra o Ministério do Ambiente da Croácia, que havia aprovado o Estudo de Impacto Ambiental do projecto e emitido uma licença ambiental permitindo que fossem iniciadas as actividades com vista a operacionalizar as actividades planificadas para o arranque do projecto Plomin “C”. Submetida esta acção judicial, todas as actividades relacionadas com o projecto tiveram que ser suspensas até haver uma decisão do Tribunal. A acção foi formalmente submetida no ano de 2012.

A acção judicial levantada contra o ministério sustentava que o projecto não deveria avançar por não ser economicamente viável. Uma vez que a Croácia não é um país produtor de carvão, o projecto implicaria um aumento na quantidade de carvão importado; assim, pese embora – como alegavam os seus proponentes – o projecto viesse diminuir os gastos do país em importação de energia, viria aumentar consideravelmente o volume importação de carvão. Isto sem considerar sequer os danos que a queima deste recurso causa ao meio ambiente. Por outro lado, o projecto criaria ainda dificuldades económicas ao governo no que tange a questões do mercado de carbono, uma vez que poderia levar à aquisição de créditos adicionais devido ao aumento das emissões de CO2 que levariam ao agravamento da saúde da população na região, bem como o efeito do aquecimento global.

Além disso, sendo parte da União Europeia, com a implementação deste projecto o pais não conseguiria cumprir com as condições impostas pela UE, de redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2050.

A decisão do tribunal favoreceu o arranque do projecto, porém, este não foi o fim deste processo de entrega e dedicação. A Zelena Ackija não desistiu. Recorreu da decisão do tribunal e procurou melhorar a sua estratégia de luta. Então, buscando apoio a nível internacional para fortificar as suas frentes de resistência, dar visibilizar a esta campanha e provar todas as alegações feitas em tribunal na primeira instância, a Zelena Ackija persistiu. O projecto de Plomin “C” era financiado por empresas oriundas de países como a Coreia do sul, a Itália, a França, o Japão e a Polónia. Tratando-se a Zelena Ackija de uma organização membro da Friends of the Earth International (Amigos da Terra Internacional), adoptou a estratégia de aliar-se a organizações de defesa do meio ambiente e direitos humanos destes países para, juntos, conseguirem informação a partir dos mesmos relativamente ao projecto. Foi assim que conseguiram saber que o Japão havia apresentado uma garantia bastante alta para o projecto, que não favorecia nada o governo croata caso o projecto não apresentasse os lucros previstos, o que uma vez mais demonstrava a fragilidade económica do projecto. Conseguiram o apoio da FOEI Colômbia, – país de onde a Croácia iria importar pelo menos 25% do carvão a ser usado na usina – o que demonstrou a sua solidariedade na visibilização da luta e através da publicação das acções de violação dos direitos humanos nas áreas de minas de exploração de carvão na Colômbia, que só iria aumentar através da contribuição deste projecto e a FOEI França também se juntou à causa.

A internacionalização da campanha abriu o espaço para um encontro dos activistas com o embaixador do Japão na Croácia, que manifestou o seu desagrado por ver o nome do seu país envolvido no polémico projecto. Era um questão de honra ter o nome do país limpo apesar deste se encontrar envolvido num negócio de produção de energia suja. Uma vez mais, a questão económica do projecto voltou à tona devido ao apoio da organização BankWatch, que também foi fundamental porque permitiu que fosse possível ter toda a informação financeira sobre o projecto. A Bankwatch trabalha com as organizações expondo os riscos das finanças publicas internacionais e fazendo actualizações de base para garantir que fundos públicos não financiem projectos que são prejudiciais às comunidades e ao meio ambiente.

Assim, com base numa nova análise legal, verificou-se que a HEP, se propunha a comprar 50% da energia produzida na central Plomin “C” durante 20 ou 30 anos. Tal seria considerado ilegal de acordo com as regras da UE, segundo as quais se consideraria a transação como sendo um auxílio estatal, isto é, o uso de finanças públicas para favorecer actores económicos privados, o que também constituía um sério obstáculo à implementação do projecto.

Era motivadora e visível a emoção com a qual me foram relatados os factos, como foram feitos os contactos e como se estabeleceu a rede de apoio internacional da campanha. A Zelena Ackija juntou-se à Greenpeace, que também a apoiou na campanha, e lançaram um estudo em 2013 onde se comprovava que a construção da central causaria, ao longo da vida do projecto, mais de 600 mortes prematuras na área de implementação do projecto.

Por outro lado, relacionado com o mesmo projecto, havia um outro processo judicial em tribunal levado a cabo contra o Ministério de ordenamento territorial da Croácia. Este, instaurado pelas autoridades da cidade de Istria que contestavam a licença do projecto emitida por este ministério numa área onde o plano espacial refere que qualquer intenção de construção de mais do que uma central térmica deverá prever o processamento de energia a gás e não a carvão.

Nesta segunda ida ao tribunal conseguiram a victória e o projecto foi cancelado. Bernard considera que pesou para esta decisão o facto de, na mesma altura, ter sido indicado para o cargo de ministro do ambiente um académico que já vinha trabalhando em pesquisas e estudos sobre questões relacionadas. Porém, Bernad acredita que esta luta terá que ser retomada porque o projecto regressou agora com uma nova abordagem. Agora, usam como pretexto a necessidade de melhorar a capacidade de fornecimento de energia através da reabilitação e melhoramento do primeiro bloco que foi construído em 1969. Desta vez, justifica-se que será uma central mais moderna e com baixos níveis de emissões de carbono. No entanto, havia um plano de encerramento deste bloco previsto para Maio de 2017, mas um incêndio na mesma época acabou antecipando o encerramento para antes da data prevista. É este bloco que se prevê que seja reaberto este ano para reabilitação e melhoramento como referenciamos anteriormente.

Neste encontro foi possível também ouvir que estratégias são adoptadas durante as campanhas. Primeiro, o grupo de activistas é grande e muitos deles são jovens voluntários que se juntam às campanhas por diferentes motivos. Portanto, mobilizar jovens comprometidos com diferentes causas é uma mais valia para a organização e também é uma forma de capacitá-los sobre diferentes temáticas relativas à protecção dos direitos e deveres que temos como pessoas e como cidadãos e, acima de tudo, do compromisso que temos com a vida e com o meio ambiente, que é um bem que beneficia a todos.

Foi possível entender e partilhar as experiências de contextos territoriais e sociais diferentes que apresentam lutas e causas similares pela preservação do bem comum. São histórias como esta que nos fazem perceber que vale a pena o esforço, vale a pena a luta. O importante é não desistir e buscar sempre inovar as frentes de “batalha”. Visibilizar a luta, estabelecer redes de apoio e capacitar os mais jovens dando-lhes ferramentas para que passemos para uma nova etapa de activismo em Moçambique. Para que amanhã também possamos relatar histórias de vitórias alcançadas com o apoio de órgãos jurídicos imparciais, realmente comprometidos com o cumprimento da justiça e da verdade. Instituições que não se aliem à geração de lucros mas sim à defesa da vida e do bem comum.

Será que as Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDCs) ajudarão a resolver de forma efectiva os problemas da crise climática?

Durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) – denominada COP21 e realizada em Paris em Dezembro de 2015 – vários países de todo o mundo, representados pelos seus respectivos chefes de estado e/ou de governo, adoptaram o novo acordo climático global, hoje amplamente conhecido por “Acordo de Paris”. Antes desse grande e tão esperado momento, os países esboçaram publicamente as acções climáticas que cada um pretendia levar a cabo após 2020 no âmbito do novo acordo climático global – designadas Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDCs). As acções climáticas que constituem estas INDCs determinam, em grande medida, se o mundo irá alcançar os objectivos de longo prazo do Acordo de Paris – cuja principal finalidade é manter o aumento na temperatura média global bem abaixo de 2°C, buscar esforços para limitar o aumento a 1,5°C e alcançar emissões líquidas nulas na segunda metade deste século.

Pretende-se que as INDCs criem um ciclo de feedback constructivo entre a tomada de decisão nacional e internacional sobre mudanças climáticas. Elas devem funcionar como o principal meio para os governos comunicarem internacionalmente as medidas que tomarão para lidar com as mudanças climáticas em seus próprios países e deveriam refletir a ambição de cada país para reduzir as emissões, tendo em conta as suas circunstâncias e capacidades domésticas. Alguns países também abordaram como planeiam adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas, de que apoio precisam, ou como pretendem apoiar outros países a adoptarem caminhos de baixo carbono para criar resiliência climática.

O que se pretende é que as INDCs estejam alinhadas com o definido na política nacional de cada país – sendo que cada país determina as suas contribuições no contexto de suas prioridades nacionais, circunstâncias e capacidades – com uma estrutura global sob o Acordo de Paris que deve impulsionar a acção colectiva em direção a um futuro climático de baixo carbono e resiliente.

Contudo, o acordo de Paris é fraco e não contribui em quase nada para a justiça climática tão urgentemente necessária. Além de ter objectivos gerais fracos, o acordo tampouco contempla obrigações específicas e concretas para garantir a redução de emissões, financiamento para a transformação e justiça para os povos afectados, e dá pouca importância à questão das perdas, danos e desrespeito pelos direitos humanos. Para mais, o acordo ignora sistematicamente a ciência e continua de forma recorrente a promover falsas soluções baseadas em mecanismos do mercado como o REDD+ e outras soluções perigosas como a geo-engenharia.

Segundo o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), uma vez submetida e aprovada pelo parlamento, a Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada (INDC) passa a chamar-se apenas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Ou seja, a partir do momento em que os países a submetem ao seu respectivo instrumento de aprovação, ratificação e adesão ao Acordo, a palavra “intencional” é eliminada. Os países passam então a dever apresentar uma NDC actualizada a cada cinco anos.

Nos últimos tempos, muitos países converteram as suas INDCs em NDCs, incluindo Moçambique, que tem realizado encontros com diferentes actores, para actualização e harmonização da mesma.

O processo de ratificação do Acordo de Paris deve ter lugar em 2018, durante a COP 24, onde se deverão igualmente finalizar as negociações sobre as metodologias, procedimentos e guiões relativos à sua implementação, sendo que a UNFCCC apela aos países para que tenham NDCs ambiciosas, com vista a resolver os problemas das mudanças climáticas.

De acordo com o antigo chefe de departamento de mudanças climáticas do MITADER (actualmente Director Provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural em Nampula), as Contribuições Nacionalmente Determinadas devem ser submetidas até 2019, sendo que para Moçambique a mesma será valida até ao ano de 2030, após sua entrada em vigor a partir de 2020.

Para o caso de Moçambique, as NDCs (de modo geral) dividem-se em duas componentes: Adaptação e Mitigação – ambas directamente associadas às prioridades das estratégias sectoriais do Governo.

Uma das contribuições propostas pelo Governo é a redução de emissões em 248862 KtCO2 entre 2020 e 2030. Contudo, a proposta não explica que mecanismos serão desenvolvidos para o efeito, de que forma se pretende fazer esta redução, ou ainda que acções serão levadas a cabo para garantir que tal aconteça? A título de exemplo, a promoção de investimentos na extração dos recursos energéticos fósseis existentes no País – tais como o gás ou o carvão mineral – e os planos de continuar a construir megabarragens – ignorando por completo as advertências da ciência, mas também o facto de Moçambique ser um dos países mais vulneráveis e afectados pelos efeitos das mudanças climáticas – continua. Até porque, com base numa análise das INDCs apresentadas e tornadas públicas, verificámos que as de Moçambique são pouco ambiciosas tendo em conta o nível de vulnerabilidade a que estamos sujeitos e o que realmente deveria ser feito. 

Segundo o MITADER, as NDCs de Moçambique serão operacionalizadas a partir de diferentes iniciativas, nomeadamente: Elaboração e submissão de um relatório de actualização bienal com o apoio de parceiros como o Banco Mundial e o Governo de Portugal; Implementação do Plano Nacional de Adaptação – NAP; Capacitações (avaliação das necessidades tecnológicas no âmbito da adaptação e mitigação, estratégia de desenvolvimento de baixas emissões – modelação dos impactos da agricultura, avaliação dos impactos dos gases de efeito estufa (GEE) antes e depois da implementação); Tornar a NDC mais ambiciosa; Definição de acções claras e transparentes para o período 2020 a 2050 de forma mensurável, reportada e verificada; Mecanismos para envolvimento de todos actores (Governo, sociedade civil, sector privado e academia) na formulação, implementação e avaliação de progresso.

De acordo com o Instituto Mundial de Recursos, INDCs bem projectadas sinalizam ao mundo que o país está a fazer a sua parte para combater as mudanças climáticas e limitar os riscos climáticos futuros. Ao preparar as suas INDCs, os países deveriam ter seguido um processo transparente para construir confiança e prestação de contas com as partes interessadas nacionais e internacionais. Uma boa NDC deve ser ambiciosa, levando à transformação nos sectores intensivos em carbono e na indústria; transparente, para que as partes interessadas possam acompanhar o progresso e garantir que os países cumpram seus objectivos declarados; e equitativa, para que cada país faça a sua parte justa para lidar com as mudanças climáticas.

Igualmente, é importante que as NDCs sejam comunicadas com clareza para que as partes interessadas nacionais e internacionais possam perceber como as acções propostas (e apresentadas) contribuirão de facto para a redução global de emissões e a resiliência climática no futuro. Mais, uma NDC deve também mostrar de que forma o país integra o combate às mudanças climáticas em outras prioridades nacionais, tais como desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza, de modo a fazer com que o sector privado contribua efectivamente para esses esforços.

De acordo com Carl Mercer, um especialista em comunicação para mudanças climáticas e redução de riscos de desastres no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), as INDCs são as acções e metas que os países definem como sendo chave para ajudar a evitar que as temperaturas globais subam mais de 2ºC, em média. Este especialista considera ainda as INDCs como sendo a espinha dorsal do novo acordo climático saído de Paris. Apesar dele e muitos outros terem considerado o acordo de Paris um “sucesso”, o verdadeiro desafio será o progresso real no combate às mudanças climáticas, ou seja, os países que realmente cumprem os compromissos assumidos na COP21. Algo que será difícil de alcançar, pois tanto o acordo assim como as INDCs não são juridicamente vinculativos e, portanto, não são compromissos em si.

Apesar de cada país definir as suas próprias metas e acções através de uma abordagem “da base para o topo”, esperando-se que isso imponha a propriedade sobre as metas e garantindo que elas sejam realistas e alcançáveis, tais acções são baseadas em actos voluntários e sem qualquer tipo de mecanismos para sancionar ou responsabilizar em caso de não cumprimento. Tudo dependerá da boa vontade de cada Governo/País.

Enquanto alguns países concentram-se apenas na mitigação das emissões de carbono, outros (especialmente aqueles que já sentem impactos climáticos, como Moçambique) incluem e focam-se mais na adaptação. Outros ainda, têm levantado dois tipos de abordagem em relação a capacidade financeira: aqueles que são incondicionais; e aqueles que estão condicionados ao apoio internacional (como o financiamento climático). Em todos os casos, o objetivo é estabelecer realisticamente o que pode e deve ser feito para contribuir para o esforço global de fazer com que as temperaturas globais não subam para níveis perigosos.

No nosso entender, a COP 21, onde se adoptaram oficialmente as INDCs como resposta para a crise climática, deveria ter resultado num acordo ambicioso, justo, vinculativo e que acima de tudo garantisse que o aumento da temperatura media global não excedesse 1,5ºC – o que só será possível se os países ricos (principais responsáveis pelo problema) fizerem a sua parte justa do esforço necessário, incluindo o reconhecimento da dívida climática e acima de tudo por via de uma abordagem de acções justas, com vista à imediata, urgente e drástica redução de emissões, de acordo com as exigências da ciência e dos princípios da equidade, providenciando apoio adequado para a transformação e garantindo justiça para as pessoas afectadas, bem como a adopção de soluções reais, renováveis e eficientes. Caso contrário, o peso continuará a cair injustamente sobre os países mais pobres e vulneráveis como Moçambique, que apesar de ter contribuído em quase nada para o problema das mudanças climáticas, é um dos que mais irá sofrer com os seus impactos e dos que menos capacidade tem tanto de se adaptar como de mitigar esses impactos.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL “TURISMO BASEADO NA NATUREZA”!

IMG-20170816-WA0001

Foi com certa pompa e circunstância que se realizou, num dos hotéis mais caros de Maputo, a CONFERÊNCIA INTERNACIONAL “TURISMO BASEADO NA NATUREZA” entre 7 e 9 de Junho de 2018. Jantar de Gala e discursos de oradores todos muito conscientes que devemos fazer um turismo virado para a Natureza…

As notícias da Conferência encheram todos os dias os órgãos de comunicação social, e não houve um telejornal da STV que não entrasse pela nossa casa adentro com a grande notícia de momento.

Todos os empreendedores, investidores, Governo, Estadistas e Ex-presidentes, assim como especialistas mundiais em conservação, marcaram presença no grande acontecimento do mês, com publicidade diária na televisão em horário nobre, com lindas imagens da fauna e flora Moçambicana a encantar os nossos olhos de tanta beleza natural que existe neste País.

Mas infelizmente a realidade é outra. A Natureza foi só um pretexto. Uma palavra bonita. Uma desculpa para chamar mais investidores. Porque hoje a moda é ser sustentável, proteger o ambiente e ser ambientalmente consciente.

Todas estas palavras bonitas servem apenas para tentar garantir mais e mais investimentos. A hipocrisia abunda no nosso meio social. Se nesta ocasião o discurso era esse, noutras promovem-se despudoradamente indústrias bastante poluidoras e que danificam – e muito – o meio ambiente: como a extracção de carvão em Tete ou as perfurações em alto mar da indústria petrolífera e de gás numa das áreas de maior beleza natural de Moçambique como é Cabo Delgado, a província das águas límpidas e cristalinas de Pemba, do Ibo, das Quirimbas, de Mocímboa da Praia e tantas outras praias.

Do Rovuma ao Maputo, em toda a costa Moçambicana, no interior e nas ilhas ao longo do Índico, existe imenso potencial turístico. No entanto, a indústria petrolífera e de gás, a indústria madeireira, o agronegócio e outros investimentos lesivos ao meio ambiente, concorrem com esse potencial. As inúmeras belezas e riquezas naturais espalhadas por Moçambique – como a lindíssima Província de Inhambane com as suas belas praias e o lindo arquipélago de Bazaruto, os planaltos e montes de Chimanimani, o Monte Mabu, a bela Gorongosa ou a biodiversidade única das nossas reservas e parques naturais – estão a ser ameaçadas por gasodutos, por portos de águas profundas, por plantações florestais, por monoculturas…

_IGP3112

Tantos exemplos por este Moçambique fora, e de certeza que a Natureza é a última coisa em que pensam quando assinam essas grandes negociatas, memorandos de entendimento, concessões mineiras ou mesmo os contratos fabulosos para construir hotéis ou lodges em claro desacato às mais básicas normas ambientais.

A terra Moçambicana está a sofrer. São buracos enormes abertos nas montanhas, são corais destruídos pelas plataformas petrolíferas, são florestas inteiras abatidas para vender a madeira legal ou ilegalmente. E ainda dizem de boca cheia que estão a defender a natureza? Estão sim a gastar milhões de meticais em mais uma conferência de negócios num hotel caríssimo, com jantar de gala em que o preço de uma refeição é três vezes o valor de um salário mínimo, num país onde há pessoas a morrerem de desnutrição aguda, com uma dívida enorme às costas. Um país com todo o tipo de carências básicas, dos transportes até à assistência na saúde.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL “TURISMO BASEADO NA NATUREZA”? Desculpem meus Senhores, mas tenham dó! Precisamos de dirigentes sérios que pensem no bem do País e na melhoria de vida do povo moçambicano. Não de dirigentes a arrotar caviar em hotéis de 5 estrelas em Maputo e a vender a Natureza ao metro quadrado ao primeiro vigarista que apareça!

Pensem a sério na Natureza e em tudo que está a ser destruído. Não nestas fantochadas de negociatas em nome da Natureza. A Natureza não merece este tratamento, nem a Natureza nem o Povo Moçambicano.

Energias Sujas na Conferência sobre Justiça Climática

10

O tema do segundo dia da nossa reunião sobre Justiça Climática, realizada na semana passada, foram as energias sujas. As discussões abordaram desde o petróleo e gás ao carvão e gestão de resíduos.

O dia começou com uma contribuição de Makhoma Lekalakala sobre os impactos das minas de carvão e das centrais a carvão na África do Sul, que se verificam também em todo o mundo. Estes impactos incluem a poluição da água causada pela drenagem de minas ácidas, que continua mesmo após o término das operações, porque elas não são desactivadas ou não estão devidamente fechadas. Há grandes níveis de poluição do ar, e as comunidades mais próximas à mina sofrem com problemas respiratórios. A degradação da saúde é, na verdade, o pior impacto, e é uma externalidade não incluída no preço do carvão. Outra questão é a insegurança alimentar, pois as pessoas são deslocadas das suas terras e de perto de fontes de água.

6

Perito Alper Tarquinho falou sobre a situação da mineração do carvão em Moçambique. Quando as corporações vão explicar às comunidades como será a exploracao de carvão na sua área, fazem apenas promessas de desenvolvimento e falam dos benefícios directos, afirmando que o investimento trará dinheiro para o país e para o povo. Mas esse “desenvolvimento”, na verdade, só prejudica as pessoas. As pessoas não são respeitadas nos processos de tomada de decisão das corporações. Para estas, o mais importante é satisfazer os seus accionistas.

7.jpeg

Verónica da Silveira Reino levou este assunto adiante dando o exemplo da Vale, que extrai carvão na província de Tete, em Moçambique. Esta empresa não consulta as comunidades locais e força os seus membros a assinar documentos que concordam com as remoções forçadas de suas casas e de suas terras férteis. A companhia indiana Jindal Steel, também presente em Tete, realiza as suas actividades num local onde a comunidade ainda vive, poluindo a terra, a àgua e as suas vidas.

Thomas Mnguni falou sobre a Eskom, que apesar de conhecer as suas obrigações legais, não as cumpre. O trabalho que eles fazem, no groundWork, é chamar a atenção para a violação de direitos humanos perpetrada por esta entidade estatal. De acordo com a Declaração de Direitos da Constituição da África do Sul, as pessoas têm direito à saúde, à terra e a um ambiente limpo.

Niven Reddy explicou o sistema de queima de resíduos para produção de energia, que além dos seus inúmeros impactos ainda impõe um aumento de resíduos. Para a GAIA, a queima de resíduos não é uma solução – a reciclagem e a compostagem é que são. Se as coisas não puderem ser reutilizadas ou recicladas, elas não devem ser produzidas. A separação de resíduos na fonte pode desviar significativamente os resíduos dos aterros 60% destes são resíduos biodegradáveis que podem ser compostados.

8

Daniel Ribeiro falou sobre os impactos das megabarragens. Os rios são vitais para a distribuição de nutrientes e sedimentos. As barragens inviabilizam este ciclo e agravam as erosões. 20% das espécies de peixes do rio foram dizimadas devido às megabarragens, e 63% de todos os deslocamentos forçados são devidos a megabarragens.

As barragens são também uma forma de usurpação de água: a parede da barragem é usada para retirar das pessoas o seu acesso à água. As emissões de metano são outro dos impactos das barragens, e estas estão também ligadas ao aumento da actividade sísmica. Há grandes violações dos direitos humanos das pessoas que lutam contra as barragens. A terra é muito central para as comunidades rurais. As barragens ocupam vastas extensões de terra, causando perda de vidas, perda de cultura e perda de territórios tradicionais.

9

Greg Muttitt falou sobre a política global do petróleo. A política mais importante do petróleo, segundo ele, é a luta contra a indústria do petróleo. Ele falou de três activistas, na história, que lhe serviram de inspiração para combater a indústria do petróleo. A primeira foi a jornalista norte-americana Ida Tarbell, que escreveu um livro sobre a Standard Oil em 1800, que levou a um processo judicial bem-sucedido contra a indústria petrolífera.

O segundo foi Mohammed Mosadegh, o primeiro-ministro do Irã, que forçou a BP a sair do país nos anos 50. No entanto, foi posteriormente retirado do poder num golpe em 1953, pelo xá que era um grande defensor da BP. Isso trouxe as empresas de petróleo de volta e instaurou um regime autoritário.

O terceiro foi o activista nigeriano Ken Saro-Wiwa, que liderou uma campanha inovadora contra a Shell e outras empresas na década de 1980. Em 1994, o estado acusou-o de assassinato e executou-o.

3

algo que tem ocorrido recorrentemente na história, até aos dias de hoje: as corporações entram num país para explorar petróleo e assinam acordos nefastos com o governo, que muitas vezes não tem o mesmo conhecimento jurídico e financeiro que as companhias do Norte. Quando o petróleo está a fluir e o estado percebe que o acordo não os beneficia, é tarde demais.

Não a indústria deve parar de procurar e explorar mais petróleo, como deve também parar de construir gasodutos e terminais de construção, e aqueles em funcionamento devem ser desactivados antes de se esgotarem. As soluções não virão das corporações, mas de movimentos sociais do norte e do sul. Os nossos movimentos são mais fortes hoje do que eram antes.

Thuli Makama falou sobre a política do petróleo em África, e disse que as pessoas assumem frequentemente que, se o desenvolvimento do petróleo acontecer em África, o lucro fluirá para as comunidades. Mas este nunca é o caso.

As discussões em torno do que acontecerá com a exploração de petróleo em África não ocorrem em África, mas em salas de reuniões europeias com corporações, instituições financeiras e estados presentes.

Muitas vezes, a extracção é precedida de conflito. O petróleo e o conflito são primos, é frequente que, ao encontrar um, se encontre também o outro. O dinheiro do petróleo também acaba por financiar conflitos armados. No delta do Níger, as operações de petróleo matam a agricultura, a pesca e a biodiversidade, e as pessoas não conseguem mais alimentar-se sozinhas. Os governos africanos são capturados e não se podem rebelar contra corporações.

5

Mike Karipko disse que a descoberta de petróleo na comunidade é uma declaração de guerra para essa comunidade. Uma guerra contra as suas terras, as suas filhas, as suas mães. E o petróleo é tão barato porque todos os custos do meio ambiente, dos rios e das comunidade são externalizados, à medida que os grandes funcionários do governo são comprados pelas empresas.

Emem Okon falou sobre o impacto que as energias sujas têm sobre as mulheres. Seja qual for o impacto numa comunidade, o impacto sobre as mulheres será o triplo, como vemos no Delta do Níger. As mulheres são a tábua de salvação, numa comunidade, e quaisquer impactos negativos aumentam a carga sobre as mulheres. Por exemplo, as mulheres são as agricultoras e fornecedoras de comida e água para as suas famílias. Se a terra for tomada e a água poluída, e não houver outra fonte de sustento, elas serão muito prejudicadas.

Ike Teuling falou sobre a campanha da comunidade agrícola de Groningen, na Holanda, onde a Shell tem campos de gás. A perfuração criava regularmente tremores e terremotos. 100.000 casas foram danificadas e desmoronaram, e agora cada uma dessas famílias de agricultores está a levar a Shell ao tribunal individualmente. São agricultores que, muitas vezes, não têm educação para enfrentar os advogados da Shell todos os dias. O estado constantemente diz que a segurança das pessoas em Groningen é mais importante, mas que a exploração de gás não pode parar porque dependem dele para energia. Essas pessoas perceberam que uma compensação monetária não é suficiente – se a Shell compensá-las pela destruição da sua casa, mas continuar a perfurar, qualquer nova casa entrará em colapso. Então eles juntaram-se ao movimento que luta contra o gás completamente.

1

João Mosca disse que partes enormes de lucros corporativos não são cobradas como impostos, então o estado não coleta muitas receitas que poderiam usar na educação e saúde. Até 2016 a economia moçambicana estava crescendo, mas quem realmente beneficiou dela ? Nós temos uma enorme dívida externa . Quando as corporacoes chegam e prometem a criação de empregos, elas na verdade fornecem muito poucos empregos, porque os projetos são intensivos em capital e não exigem mão de obra intensiva. Os empregos disponíveis são cargos não qualificados que levam a uma maior exploração do trabalho.

Fátima Nimbirre falou sobre a Redistribuição de Riqueza e Investimento em Desenvolvimento Comunitário, da exploração de gás em Moçambique para compensar as comunidades que são impactadas pela exploração de gás e os modelos de processos e regulamentos que precisavam de ser instalados. Acrescentou que o quadro legal é frágil e que, na realidade, há muitos exemplos negativos por todo o mundo.

Daniel Ribeiro falou sobre os impactos do gás em Moçambique. Não há exemplos em África que sejam capazes de escapar dessa realidade. Muitos destes impactos são difíceis de prever. Por exemplo, quando os barcos vêm do outro lado do mundo para buscar gás, têm de vir vazios para poderem transportar o gás de volta, mas são enchidos com água para manter o barco estável. Isso traz água de lastro que contém organismos que não da nossa costa. Esta é uma das razões para a invasão de espécies não endémicas na costa.

O nosso sistema biológico já está a diminuir. Quando ocorre a perfuração, são liberados mais de 300 produtos químicos que causam cancro nos humanos e mais de 1000 que são fatais para animais e plantas.

A indústria do gás é conhecida pelas suas violações de direitos humanos. De facto, segundo a ONU, um aumento nas violações de direitos humanos é proporcional ao aumento da dependência do petróleo e do gás.

Muitos países estão a considerar o gás como um combustível de “transição” para as energias renováveis, porque dizem que este tem menos impacto sobre o clima, por emitir menos CO2 que o petróleo. No entanto, o gás emite metano que é 80% mais forte que o CO2 em 20 anos. Além disso, o processo de exploração de gás é muito difícil de controlar. Existem muitos vazamentos e nenhuma tecnologia actualmente disponível para resolver esses problemas. É necessário que consigamos distinguir as mentiras da verdade. Quando dizem que Moçambique se vai desenvolver através do gás, isso é mentira. A nossa dívida so vai aumentar.

Os debates no fim das apresentações foram intensos e com várias intervenções dos participantes. Infelizmente vimo-nos obrigados a terminar o debate , visto já ter passado do horário e haver ainda um dia pela frente, repleto de mais apresentações e debates.

4

O Reino Imaginário de Techobanine

Techobanine(Este artigo foi publicado pela primeira vez em Março de 2013, quando começaram a transpirar pela primeira vez rumores sobre este atentado ambiental que, ao que tudo indica, parece estar a ser novamente equacionado pelo governo.)

Só pode ser coincidência… Essa Techobanine de que falam os jornais decerto que não é a nossa Techobanine. Não pode ser! Se fosse, a concessão do tal porto de águas profundas teria de ter sido feita de acordo com as nossas leis, mas como tal não é o caso, essa Techobanine só pode ser parte do Reino Imaginário de um Rei demente qualquer.

Apesar das claras semelhanças, uma vez que a nossa Techobanine também é junto à costa, existem claras diferenças.

A primeira, como já expus, é que no Reino Imaginário de Techobanine não há ministérios, nem parlamentos, nem assembleias, nem democracia… O regime é absolutista, quem manda é o Rei, e se o Rei decide que quer fazer um porto para impressionar os outros monarcas da região, não há protocolos a seguir, estudos a elaborar ou consultas a fazer, está decidido! Aqui em Moçambique, felizmente que não é assim, ainda bem que não vivemos nesse imaginário Reino de Techobanine nem somos súbditos desse autocrata.

A segunda diferença, é que pelo que leio sobre essa outra Techobanine, não me parece que haja nada de especial na área onde dizem que vão construir o tal porto. A nossa Techobanine, pelo contrário, encontra-se no coração de duas reservas naturais (a Reserva Natural de Elefantes de Maputo e a Reserva Especial Marinha da Ponta d ́Ouro), o que logicamente impossibilita a construção de uma infraestrutura dessa natureza. E ainda bem…

Imaginem só se para agradar o Botswana, o Zimbabwe e a África do Sul começássemos a construir portos de águas profundas em Reservas Naturais. Seria ridículo não?

Se eu fosse um ilustre membro da corte desse Rei insano, mesmo tendo em conta que nessa Techobanine não há elefantes, nem hipopótamos, nem crocodilos, nem golfinhos, nem tubarões baleia, nem tartarugas, nem um dos dez maiores recifes de coral do mundo, ao contrário do que há na nossa Techobanine, perguntar-lhe-ia se tivesse oportunidade: “Excelência, você pensa?”


Qual a importância da Reserva Especial de Maputo (REM)?

A (REM) protege um dos mais valiosos habitats da África Austral. A zona é extremamente rica em termos de flora, com uma vasta gama de habitats e um extraordinário valor de biodiversidade, sendo considerada uma zona endémica pelo Centro Global de Diversidade de Plantas de Maputaland.

Entre outras razões, segundo o Centro de Diversidade de Plantas de Maputaland, a Reserva Especial de Maputo é de significativo interesse e relevância porque nela se localiza parte considerável deste centro de endemismo de plantas – um de quatro da África Austral, e porque ocupa uma posição estratégica no limite sul dos trópicos e contém espécies das zonas temperadas do sul. A reserva apresenta ainda uma surpreendente variedade e combinação de comunidades de plantas, ecossistemas e Terras húmidas de significado internacional.

Relativamente à fauna, a REM apresenta uma grande população de mamíferos, dos quais se destaca uma população de acima de 300 elefantes – única na Província de Maputo (e que se suspeita fazer parte de um grupo genético muito particular).

No que diz respeito a aves, foram identificadas na reserva cerca de 337 espécies incluindo o Stanley bustard e o Corujão Pesqueiro de Pel.

Quanto à ictiofauna, foram identificadas pelo menos 3 espécies endémicas. A fauna marinha é muito diversa, inclui várias espécies de baleias, golfinhos, tartarugas marinhas e inumeráveis espécies de peixes.

A reserva contém ainda uma considerável população de crocodilos do Nilo, a maior a sul de Gorongosa.

Benga faz “sangrar” Rio Tinto

No dia 17 de Outubro de 2017, enquanto no Reino Unido a Financial Conduct Authority (Autoridade para a Conduta Financeira) comunicava à multinacional anglo-australiana Rio Tinto a sua decisão final em multá-la em £27,4M – valor que até compreendia um desconto de 30% em virtude da companhia ter aceite a penalização logo no início do processo – face à sua violação das regras de divulgação e transparência (DTR’s) quando detinha a Mina de Benga, em Tete, Moçambique; do outro lado do Atlântico a estadunidense Securities Exchange Comission (Comissão de Valores Mobiliários) emitia um comunicado de imprensa anunciando ter submetido queixa contra a mineradora num Tribunal Federal em Nova Iorque, acusando-a e a dois dos seus ex-executivos de fraude. Em causa, outra vez a mina de Benga em Moçambique.

Screen Shot 2018-02-14 at 12.38.37

Eis, resumidamente, o que alegadamente se passou…

A Rio Tinto adquiriu a mina de Benga quando, em 2011, comprou a Riversdale Mining por US$3.7B. Ao longo dos meses que se seguiram, Thomas Albanese e Guy Elliott (que então ocupavam na Rio Tinto os cargos de presidente executivo e director financeiro respectivamente, e que foram os principais responsáveis e impulsionadores da aquisição) ocultaram do conselho de administração do grupo provas de que o projecto de Benga se estava a desvalorizar vertiginosamente – fruto, entre outros motivos, do chumbo do projecto de navegabilidade do Zambeze e consequentes constrangimentos de escoamento da matéria prima, da desvalorização do carvão, da conjuntura económica do mercado de commodities e (especula-se) da constatação de que a real qualidade e volume do carvão da mina eram bem inferiores ao inicialmente calculado.

Entretanto – apesar de Albanese e Elliott saberem que uma re-avaliação recente do projecto o cotava então em US$680M negativos – nos EUA, com base no valor inflacionado do projecto, a Rio Tinto angaria mais de US$5.5B em ofertas de dívida. Está concluída a alegada fraude.

Em 2013 Albanese e Elliott são finalmente denunciados e convidados a demitir-se, a Rio Tinto assume a depreciação de Benga e vende-a à indiana ICVL por $50M para grande espanto de todos.

Três meses depois de “estourar a bomba”, a 17 de Janeiro deste ano, a Rio Tinto e os seus dois ex-funcionários vieram a público negar todas as acusações de que são alvo e anunciaram que pretendem que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA retire a queixa.

Vamos ver no que vai dar…

Debaixo de água

mumbai bus flooding

Conforme vos escrevemos, Mar-a-lago está encerrada por causa do furacão Irma. Mar-a-Lago é uma das propriedades com campo de golfe de Donald Trump, onde ele terá alegadamente passado quase 1 mês dos seus 7 meses e ½ de presidência (uma despesa custeada pelos contribuintes dos EUA, é claro). Oh! A ironia! O homem que chamou as alterações climáticas de boato chinês e que retirou os EUA do Acordo de Paris – como vos informámos no nosso Boletim de Junho de 2017 – no ano passado solicitou uma licença para construir um muro de protecção marítima para proteger a sua propriedade na Irlanda. Razão mencionada para a licença: aquecimento global e aumento do nível do mar.

2016 foi o ano mais quente de que há registo, quebrando todo o tipo de recordes. 2017 também não foi gentil. Houve uma onda de calor e uma seca no sul da Europa. Na Sibéria o permafrost está a derreter, desafiando o seu próprio nome: ‘perma’frost. Nada mais é permanente. Este é o novo normal. Não há normal.

Este ano, depois de deslizamentos de terra fatais na Serra Leoa, o sul da Ásia foi devastado por cheias de monção que mataram mais de 1200 pessoas na Índia, no Nepal e no Bangladesh. Esta é 3 vezes a quantidade de muçulmanos Rohingya mortos no trágico massacre étnico que está a ocorrer no Myanmar neste momento. Todas essas mortes sem sentido são uma farsa, cada vida apagada, cada pessoa deslocada é uma tragédia. A JA envia a sua solidariedade para o outro lado do oceano e lamenta todas as vidas perdidas.

Ao serem despolitizadas, essas mortes foram politizadas. Nos Estados Unidos, os jornalistas noticiam eventos climáticos extremos sem mencionar as mudanças climáticas, porque não querem “politizar” o problema. Mas os furacões no Oceano Atlântico, as inundações no sul da Ásia, a contínua seca no Corno de África, são altamente políticos. “Não digam que não vos avisámos”, dizem os cientistas climáticos. Porque fazem disto uma contínua surpresa? Estes impactos foram previstos pelos cientistas há décadas. Ignorar as causas dessas catástrofes deveria, portanto, ser um acto criminoso contínuo. “Isso deixa o público com a falsa impressão de que estes são desastres sem causa específica, o que também significa que nada poderia ter sido feito para impedi-los (e que nada pode ser feito agora para evitar que eles venham a piorar no futuro)”, diz Naomi Klein em The Intercept.

Os cientistas sabem destes impactos há décadas. A Exxon também. Ainda no mês passado, pesquisadores lançaram um relatório que confirma que a empresa de energia suja Exxon estava ciente dos impactos climáticos, mas mentiu sobre isso durante cerca de 40 anos.

Entretanto, a luta contra a energia suja continua. Em Julho, os movimentos da Irlanda levaram o governo a proibir completamente o fracking. O governo da Coreia do Sul diz que não dará mais licenças para centrais a carvão. Em Agosto fez um ano que os movimentos australianos forçaram o governo estadual de Victoria a banir o fracking. O novo plano energético do Sri Lanka também descartou o carvão. Depois de activistas processarem a usina de carvão de Cirebon, na Indonésia, com o intuito de a encerrar, a licença ambiental da usina foi anulada pelos tribunais. A Amigos da Terra do Togo acaba de lançar uma campanha contra a exploração de petróleo off-shore. A equipa da JA visitou as comunidades de pescadores do Togo que seriam afectadas pela extracção de petróleo.

A JA também está a trabalhar activamente para travar a crise climática aqui, em casa. Sabemos que nosso país não tem responsabilidade histórica pela crise climática, mas a ciência climática mostra que todos nós temos que parar de emitir gases de efeito estufa. Devemos contribuir para a solução, não para o problema. A energia suja está a destruir vidas e meios de subsistência, a poluir o ar, a água, a terra e as pessoas. Está a gerar militarização e corrupção e não traz benefícios verdadeiros para as pessoas, certamente não para aqueles afectados por ela. Nós estamos a combater a mineração de carvão na província de Tete há mais de uma década. No ano passado, lançámos um relatório sobre a economia do carvão em Moçambique, que concluiu que o número de pessoas que perderam as suas terras devido à mineração é quase três vezes maior que o número de pessoas empregadas pelo sector de mineração, e que em 2015 a mineração de carvão representou apenas 1% da receita do governo. Nós estamos a combater a mega-barragem proposta em Mphanda Nkuwa há 17 anos, uma barragem que devastará o vale do rio, o seu delta e todo o seu povo. Agora, o nosso país depara-se com outra ameaça de energia suja: um grande campo de gás foi descoberto na nortenha província de Cabo Delgado. Previmos, há anos atrás, que a corrida ao gás levaria à devastação das pessoas locais, do meio ambiente e do clima. Ei-la.

A única coisa que pode parar a crise climática, aqui em Moçambique e em todo o mundo, é o poder das pessoas.

A luta continua.

Impunidade Corporativa: Estratégias de Luta (Parte II)

01

Conforme inicialmente abordada no artigo do mês passado, esta questão da impunidade corporativa – o tal do crime que compensa – tem muito que se lhe diga. Neste momento, temos os pulmões cheios com a lufada de ar fresco que foi a segunda sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) no fim do mês passado, onde um painel de 8 jurados e quase 200 participantes ouviram atentamente as denúncias das comunidades e activistas que sofrem na pele as consequências de um sistema que favorece e protege as corporações transnacionais. Os peritos constataram e reiteraram o que há muito deixou de ser novidade: o comportamento criminoso destas corporações reflecte o antro de impunidade onde elas actuam. Além de nos deixarem munidos com um relatório de deliberações (por publicar) que ajudará a expor o comportamento destas empresas, este júri deixou também bem claro que a mobilização dos povos e a abertura de espaços como este tribunal são parte fundamental da luta por justiça.

Sobre o TPP, pouco mais nos resta dizer neste momento. Podem encontrar aqui mais informação sobre os casos apresentados ou ler aqui o comunicado de imprensa da Campanha da África Austral para Desmantelar o Poder Corporativo, da qual fazemos parte. A visibilidade dada aos diferentes casos deste ano foi notória (como este artigo sobre o ProSavana na imprensa Sul-africana), e houve também espaço para uma actualização em relação aos casos levados ao TPP no ano passado na Suazilândia. Mas não é momento de abrandar o passo – após o TPP, mais momentos importantes sobre esta questão estão por vir.

02

Existe actualmente uma grande assimetria legal entre, por um lado, as infinitas regulações que protegem e salvaguardam os investimentos privados (protegendo-os até de decisões políticas que possam vir de encontro às expectativas financeiras das empresas), e por outro, a inexistente legislação coercitiva que defenda os direitos humanos. As corporações contam com um vasto leque de normas internacionais que actuam em sua defesa – desde os acordos de livre comércio aos mecanismos de resolução de litígios investidor-estado – e nenhuma que regule as suas acções tendo em conta os seus impactos. Aparentemente, há anos que se espera que os princípios orientadores ou a responsabilidade social corporativa (voluntária, unilateral e sem exigibilidade jurídica), por si só, se tornem suficientes para evitar o atropelo de direitos humanos por parte das corporações, mas, como é óbvio, isto não aconteceu nem vai acontecer.

As legislações nacionais de países como o nosso são muito débeis, para não falar da pouquíssima capacidade de aplicação e fiscalização das mesmas. É uma das razões que faz com que a Shell permaneça impune apesar dos derramamentos criminosos dos quais é responsável na Nigéria, ou que centenas de pessoas sejam retiradas de suas terras para dar lugar a plantações de palma na Indonésia. Por isso, lutar pela aplicação da legislação nacional existente é um passo importante, mas não pode ser o único se realmente queremos travar a impunidade destas poderosas corporações. É necessário pensar além. No mundo globalizado de hoje, as corporações operam em diferentes jurisdições nacionais, e aproveitam-se disso para fugir à prestação de contas. Ampliar os limites da legislação internacional e exigir instrumentos legais que ofereçam um caminho por onde as vítimas destas violações possam exigir justiça parece-nos tanto ou mais urgente.

04

O Grupo de Trabalho Intergovernamental com o mandato de elaborar um Tratado vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos, criado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2014, reunir-se-á pela terceira vez em Outubro deste ano, momento em que se discutirá concretamente o texto que deverá compor o Tratado. Esta iniciativa, que partiu dos governos do Equador e África do Sul, tem vindo a ganhar força e apoiantes. Inúmeros países, na sua maioria do Sul Global, já se manifestaram a favor do Tratado, como é o caso do Uruguai que vê neste instrumento uma oportunidade para proteger as suas políticas públicas que vêm sendo ameaçadas pelos interesses das empresas transnacionais. Moçambique, lamentavelmente, permanece completamente fora desta discussão e nem se fez representar nas duas sessões do Grupo de Trabalho dos últimos anos.

Uma aliança foi formada por organizações da sociedade civil de todo o mundo para apoiar a elaboração desta lei, e tem participado activamente nas sessões do Grupo de Trabalho de forma a garantir que esta representará verdadeiramente as necessidades das pessoas afectadas. Uma das exigências desta aliança é que este Tratado contenha provisões sólidas que proíbam a interferência das corporações nos processos de formulação e implementação de leis e políticas. De acordo com a rede Amigos da Terra Internacional (ATI), também parte da Aliança pelo Tratado, este deve estabelecer a responsabilidade penal e civil das corporações transnacionais de forma a colmatar as actuais lacunas legais do direito internacional, e deverá ser aplicável também a todas as empresas subsidiárias e que fazem parte da sua cadeia de fornecimento. Saiba mais sobre as contribuições da ATI para o Tratado aqui.

03

Quando a legislação vigente não contempla a totalidade dos problemas e necessidades da sociedade, há que criar nova legislação. Foi assim com a implementação do sufrágio universal, com a abolição da escravatura, e em tantos outros momentos históricos. Acreditamos estar prestes a alcançar um marco importante na luta pela soberania dos povos e contra a impunidade corporativa, e como já dizia o poeta, não existe nada mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou.