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A JA! Amplifica a mensagem sobre a luta de Moçambique, pela justiça climática, no Fórum dos Povos, Estocolmo+50.

Estocolmo +50, Fórum dos Povos

7 de Junho de 2022

No início de Junho, os ativistas da JA! estiveram em Estocolmo para participar no Fórum dos Povos, Estocolmo+50, pela Justiça Ambiental e Climática. Este evento foi um encontro entre ativistas e a sociedade civil e aconteceu em paralelo com a Conferência Estocolmo+50 das Nações Unidas. Este evento é uma comemoração do aniversário de 50 anos da Conferência de 1972 da ONU, sobre Ambiente Humano. A ONU refere-se a isto como a cimeira que “pela primeira vez, fez a ligação entre o ambiente e a pobreza e que colocou este tópico na linha da frente da agenda internacional.”

Marcou também os primeiros encontros e manifestações paralelas, da sociedade civil, que aconteceram durante as cimeiras da ONU. Foi uma das bases para o processo de união de movimentos sociais de toda a parte do mundo, incluindo o Hemisfério Sul, para a discussão e planejamento estratégico conjunto e para fortalecer o trabalho direcionado à justiça social e ambiental. Ao mesmo tempo, foram ampliadas narrativas e apresentadas críticas no evento formal da ONU.

Através disto, foi criado um sistema onde a sociedade civil começou a se engajar em espaços mais formais e reuniões da ONU.

O Fórum dos Povos foi composto por três dias de atividades, desenvolvidas pela Aliança Estocolmo+50, que se define como um “coletivo da sociedade civil e dos movimentos sociais, da luta pela justiça ambiental, social e climática”. E, o propósito do evento foi de ser um espaço onde “os movimentos sociais planejam atividades paralelas, que realcem os princípios, demandas e ações, em resposta à profundidade e seriedade das crises que presenciamos- tendo como bases principais, a justiça global e desafiar das relações de poder.”

Para informação mais detalhada sobre o Fórum dos Povos:

A JA! Falou em quatro painéis, que se focaram em alguns elementos do seu trabalho. Estes painéis foram sobre a necessidade de acabar com os abusos e privilégios corporativistas, dizendo “sim” a um Acordo Vinculante da ONU para negócios e Direitos Humanos e, “não” aos acordos de comércio “livre” que ameaçam a democracia; o perigo das falsas soluções climáticas; a cumplicidade entre os fundos de pensão da Suécia e a destruição causada pelos combustíveis fósseis em Moçambique e outros lugares; ideias sobre que caminho seguir, depois de 50 anos de luta por uma mudança no sistema.

O fórum integrou também uma manifestação ou protesto, no centro de Estocolmo, onde os ativistas de comunidades de todo o mundo, incluindo a JA!, se manifestaram, junto de ativistas vindos do México, Namíbia, Colômbia e Líbano. Falaram para um público de no mínimo 300 pessoas, sobre o que o povo sueco pode fazer para lutar contra a injustiça climática, tal como exigir que os seus fundos de pensão sejam redirecionados para fora dos combustíveis fósseis.

O fórum levantou a grande questão, sobre o que teria mudado em cinco décadas de luta por justiça climática, ambiental e social e, como poderíamos aproveitar os aprendizados disto, para de forma coletiva, fortalecer estas lutas. Mas, para poder responder a estas perguntas, é importante observar o que ainda não mudou.

Por exemplo, apesar de companhias como a Shell estarem bem conscientes sobre as alterações climáticas desde 1981, ainda não temos um Tratado Vinculante a nível das Nações Unidas, um Tratado que obrigaria a que estas companhias agissem com princípios básicos de humanidade. A captura corporativa tem se tornado mais predominante, os acordos bilaterais mantêm-se vantajosos para os estados nórdicos e antigas potências coloniais. E, processos como Relações de Disputa Investidor-Estado, aumentaram o desequilíbrio e desigualdade das relações de poder, direcionando ainda mais estas relações de poder, para as grandes corporações multinacionais.

O legado da colonização, mantém-se devastador para as antigas colónias e Moçambique é um bom exemplo disto. Basta olharmos para a indústria de gás nas províncias de Inhambane e Cabo Delgado, vemos que países como o Reino Unido, Portugal, Itália, Holanda e África do Sul, estão a beneficiar e irão continuar a beneficiar dos projetos de gás fóssil, liderados pela Total, Eni, ExxonMobil, Sasol e muitas outras. Enquanto isto, a economia Moçambicana continua a colapsar e o seu nível de dívida a aumentar. Os governos do Norte têm consciência de que as suas companhias estão a destruir o Hemisfério Sul, mas no entanto, as suas narrativas de “gás para o desenvolvimento” permitem que beneficiem das estruturas coloniais históricas, criadas por eles mesmos, de pobreza, dívida e corrupção.

Persiste uma falta de responsabilização pelos impactos da indústria- as comunidades perdem as suas casas e sustentos de vida e são afastadas para centros de refugiados e destruídas por uma guerra violenta, alimentada pela indústria, que já matou milhares e criou quase um milhão de refugiados.

A necessidade de continuar a realizar eventos como o Estocolmo+50, mostra como muita coisa ainda não mudou.

Como é que é possível que os países mais poderosos do mundo e o mais respeitado organismo internacional, ainda sejam incapazes de controlar as companhias fósseis e bancos? E, que até agora se recusam a cortar o seu financiamento para os combustíveis fósseis? Como é que é possível que existam Tratados, como o de Paris e Glasgow e, que mesmo assim, ainda seja necessário lutar para que os estados nórdicos invistam na diversa gama de recursos renováveis que a Terra oferece? Como é que até agora não temos um Tratado Vinculante contra Corporações Transnacionais, na ONU, quando companhias já mostraram vezes sem conta, que não irão cumprir voluntariamente, com os regulamentos dos Direitos Humanos?

No entanto, também houve algumas mudanças. A introdução de tratados sobre o clima, referidos em cima, mostra que a pressão vinda da sociedade civil e dos povos do Sul, tem resultado. Enquanto prevalece uma dificuldade para conseguir que as companhias atuem de acordo com estes tratados, e embora que os mesmos ainda deixem muito por desejar, o mero facto de que estes existem, significa que as instituições de poder, como a ONU e a União Europeia, estão pelo menos a virar para a direção certa. Os Governos de países onde está a decorrer o extrativismo, têm reprimido jornalistas e ativistas, no entanto, as pessoas continuam a enfrentá-los; enquanto corporações transnacionais continuam a fugir aos impostos nos países onde operam, as pessoas continuam a lutar pelos seus direitos a serviços básicos.

Outro aspeto promissor, manifestado no Fórum dos Povos, foi o enorme número de pessoas jovens, de todo o mundo, a fazer frente ao problema climático e a radicalizar as suas lutas locais. Estes jovens levantaram uma questão crucial: A narrativa que é preciso mudar e que já começou a ser mudada, é a narrativa de que a luta pela justiça climática deve ser inclusiva, deve ser uma luta que vai para além de danos ambientais, mas que também seja uma luta de justiça para os mais pobres e para as pessoas mais afetadas pelas alterações climáticas.

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O que se pretende com o Fundo de Desenvolvimento da Economia Azul?

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A 20 de Novembro do ano passado o nosso Governo, através do Conselho de Ministros, extinguiu o Fundo de Fomento Pesqueiro e criou o Fundo de Desenvolvimento da Economia Azul. Esta decisão foi divulgada nos órgãos de comunicação social, mas no meio de tantas outras tristes notícias do nosso país, esta embora de interesse, passou despercebida… até hoje… importa tentar perceber o que isto implica de facto!

Para perceber esta mudança, aparentemente inofensiva mostra-se necessário visitar os objectivos do Fundo de Fomento Pesqueiro (FFP), entre estes destacam-se:

apoiar financeiramente as acções que visam estimular o investimento privado, em particular o nacional, em áreas consideradas prioritárias, tais como: a pesca artesanal e construção naval artesanal; a produção de gelo e o estabelecimento de redes de frio em áreas onde tal possa contribuir para a valorização dos produtos pesqueiros da pesca artesanal; o apoio em instalações e comercialização de pescado proveniente da pesca artesanal; a pesca industrial de recursos não explorados ou em novas zonas de pesca; a renovação e expansão da frota de pesca semi-industrial; as instalações de processamento de pescado que resultem na obtenção de valor acrescentado; e aquacultura. O FFP apoiava ainda acções, os programas e projectos de investigação, experimentação, fiscalização e extensão das instituições pesqueiras dependentes do Ministério das Pescas. Embora, os seus objectivos não contemplassem a necessidade de conservação e manutenção do equilíbrio ecológico do mar e oceano, o FFP mostrou-se importante no apoio à pesca artesanal e de pequena escala e não deixou de ser necessário.

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Mas e o Fundo de Desenvolvimento da Economia Azul ou ProAzul? O que se pretende com o ProAzul?

Antes de mais, é fundamental perceber o que é a Economia Azul e como foi decidido que este é o caminho que o País deve seguir.

Segundo a Política e Estratégia do Mar (POLMAR),

Economia azul é o modelo de desenvolvimento económico que propõe mudanças estruturais na economia, baseado no funcionamento dos ecossistemas, com vista a proporcionar soluções para a saúde humana, o meio ambiente e para a economia.

Princípios de economia azul – filosofia que assenta, em modelos, a partir dos quais os processos produtivos (industriais, comerciais, agrícolas e serviços), ao serem aplicados geram um desenvolvimento sustentável nos aspectos ambiental e social, possibilitando o desenvolvimento económico. E ainda segundo explicou a porta-voz do Conselho de Ministros, Ana Comoana “Trata-se de uma evolução. O FFP estava restrito aos projectos de pesca, enquanto o ProAzul vai ser mais abrangente, não somente à área pesqueira”.

Mediante a definição apresentada na Política e Estratégia do Mar e a breve explicação da porta-voz dificilmente se percebe o alcance desta alteração… no entanto, está claro que é um modelo de desenvolvimento económico que propõe mudanças estruturais na economia, ou seja, não analisa nem propõe mudanças estruturais no nosso actual sistema capitalista de exploração desenfreada de tudo que é recurso, não propõe mudanças às inúmeras tecnologias obsoletas e altamente nocivas ao ambiente… perpetua tal como a economia verde, a ganância, a usurpação e a destruição de ecossistemas em nome do lucro e da acumulação.

Vale a pena questionar aos senhores ministros que no exercício das suas funções aprovaram esta alteração, se sabem nos explicar o que fizeram…

Exmos srs Ministros, qual de vocês é realmente capaz de explicar o que é a tal Economia Azul? E como vai funcionar? Quem vai beneficiar disso?

Mas talvez nem seja necessário pois aqueles que pagam e portanto dirigem, põem e dispõem destes “nossos” processos de consulta e revisão de importantes políticas nacionais, que ditam como e quem beneficia dos recursos, do nosso país, esses sabem bem o que querem…esses mesmos que povoam as listas de presença destes processos e que financiam outros tantos para fazer o mesmo…esses sabem bem o que é a Economia Azul…sabem bem como lucrar com a urgência das crises planetárias que eles próprios causaram e perpetuam…

Simplificando, a economia azul baseia se essencialmente nos mesmos princípios que a economia verde, ou seja, atribuir valor monetário aos ecossistemas e seus serviços, e o valor que se pretende atribuir é determinado na base na quantidade de dióxido de carbono (CO2) que o mesmo consegue capturar e reter.

Lembrando que a “Economia Verde” é definida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica” e que tem três características principais: baixa emissão de carbono, eficiência no uso de recursos e busca pela inclusão social.

Da mesma forma que a Economia Verde, a Economia Azul é desenvolvida na base dos mecanismos tradicionais de mercado, tudo tem preço, daí os mercados de carbono, a compensação por serviços ambientais.

De quem é o interesse nesta Economia Azul? Bom, é só ir ver quem pagou todo o processo e quem financia o Fundo de Desenvolvimento da Economia Azul…quem o trouxe até nós?

Lamentavelmente a Economia Azul abre espaço para a comodificação generalizada da natureza, esta economia azul é baseada na economia de mercado, típica de um sistema capitalista, que tem como uma das suas características centrais a acumulação de lucro, privatização e o crescimento… na natureza crescimento infinito e acumulação infinita simplesmente não é possível!

O que se propõe então é vender a natureza para a proteger… então vale a pena questionar quem pode comprar? Quem são os principais responsáveis por esta crise? E quem inventou estas novas “economias”? Parece que são sempre os mesmos…

Esta Economia Azul, e qualquer outra alteração estrutural que pressupõe colocar os serviços ambientais e ecossistemas como ativos num sistema de mercado, pretende precisamente perpetuar o modelo de exploração extractivista que nos levou à actual crise planetária, pretende perpetuar a nossa dependência nos combustíveis fosseis, pretende perpetuar a falsa narrativa de que só poderemos alimentar o mundo através da pesca brutal e de larga escala, da agricultura industrial…

Foi mais uma grave alteração sem qualquer discussão a nível nacional, mais uma decisão tomada em nosso nome sem nosso conhecimento sequer… mais uma oportunidade para trazer dinheiro para o país, sem sequer pensar o que Moçambique terá de dar em troca e pronto assim se estabelece o Fundo de Desenvolvimento da Economia Azul…

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Uma análise bastante interessante e recomendada, pode ser acessada em:

https://www.researchgate.net/publication/320717952_Blue_growth_savior_or_ocean_grabbing